16 dezembro 2009
ENTREVISTA: PREFEITO AMAZONINO MENDES
Reinaldo Canto, direto de Copenhague
Dois dias depois de chegar a Copenhague, o Prefeito Amazonino Mendes concedeu essa entrevista exclusiva falando de suas primeiras impressões e de seu papel como representante das cidades da América Latina e Caribe na Conferência do Clima.
Reinaldo Canto – Como o senhor vê o panorama atual de discussão das questões ambientais?
Amazonino Mendes – A gente sente que existe uma total convergência para a identificação do problema ambiental. A tal ponto que a presidente da COP-15 (Connie Hedegaard), dizer que “vamos sair daqui com fama ou com vergonha”, isso me marcou. O mundo cobra, existe uma cobrança geral e precisaremos procurar os caminhos para superar os problemas antagônicos.
RC – Como fazer isso?
Amazonino – Existem sérios entraves, eles não são simples dependem de situações que vão além do poder do governante. Esses entraves requerem competência, persuasão, vontade política e muita consciência dos sacrifícios que terão de ser feitos para a conquista desses objetivos.
RC – E esses problemas podem ser superados?
Amazonino – Já existem sinais. O Bush, por exemplo, passou ao largo dessa questão e a eleição do Obama já refletiu a consciência americana para o tema ambiental.
RC – Qual o seu papel aqui em Copenhague?
Amazonino – É o da presença de quem está num grupo. De quem faz o esforço de ser ouvido pela primeira vez e está na luta para criar as oportunidades e alcançar objetivos. Tenho aqui um papel duplo. O de ser prefeito de cidade e também da
Amazônia. Darei minha colaboração tanto quanto for possível.
RC – Como foi esse trabalho até chegar aqui?
Amazonino – Começou com uma articulação positiva dos governos locais em Manaus. Envolvemos a FLACMA (Federação Latino-americana de Cidades, Municípios e Associações de Governos Locais), a CGLU (Cidades e Governos Locais Unidos) e agora também a ONU (Organização das Nações Unidas). Agora nosso objetivo é o empenho, a abertura para reivindicar os financiamentos na aplicação do REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação).
RC – Mas Manaus seria muito beneficiada com a adoção do REDD?
Amazonino - De forma indireta sim. Manaus é a cidade que mais oferece empregos na região e até mesmo empregos para estados vizinhos e isso gera diversos problemas na cidade. Em muitos casos, são pessoas pobres que precisam de meios para sobreviver e elas abandonam as áreas em que vivem, para viver mal na cidade em busca de trabalho. O REDD não serve apenas para manter a floresta em pé. O mecanismo servirá também para as populações da floresta ficarem em suas comunidades e terem saúde, educação, o direito de se deslocar...Não vai haver êxodo, se os projetos forem bem feitos o caboclo vai preferir viver na região dele, isso ajuda muito. Outra coisa, Manaus é um empório. As pessoas vêm do interior para comprar todo o tipo de produto, se elas receberem investimentos do REDD, isso vai beneficiar Manaus dessa maneira indireta da qual falei antes.
RC – Existem outras maneiras de se obter financiamento ambiental além das florestas?
Amazonino – Temos um projeto de manejo de resíduos. Vamos implantar uma usina que utiliza lixo para transformar biomassa em energia. Como nosso lixo é pobre, na verdade o lixo brasileiro é pobre, já temos um estudo em estágio adiantado de enriquecer a queima utilizando capim elefante para o ganho de escala utilizando esses dois insumos, lixo e capim para gerar energia. Esse projeto já está bem avançado e poderá obter financiamento, pois faz o seqüestro do carbono que deixa de ser emitido.
RC – Ainda existe muito desconhecimento sobre a Amazônia?
Amazonino – Com certeza. Muita gente pensa que a Amazônia é homogênea. Existem diferenças entre os biomas, contrastes enormes. Temos na região o maior pico do país, várias savanas. De um lado temos terras ruins para plantar e, de outro, ali na região dos estados do Amazonas, Rondônia, Pará e Mato Grosso tem as melhores terras para plantio do Brasil e acredito que do mundo. E o Brasil legisla de maneira homogênea sem considerar essas diferenças. É bom lembrar que o Amazonas ainda possui 98% de sua área de floresta intacta e ela ainda é muito desconhecida.
RC – O senhor se refere a própria floresta?
Amazonino – Há um desconhecimento absoluto. É imperiosa a necessidade de se criar a Universidade do Trópico Úmido e que ela seja financiada pelos países ricos e administrada pelos países amazônicos. Quando o REDD for adotado vai se preservar algo que não se conhece. Que se estude esse patrimônio. Quem sabe ali não podem ser descobertas drogas, princípios ativos que podem beneficiar o mundo todo.
Sem falar numa preocupação que tenho há anos: a fauna ictiológica (estudo dos peixes). O equilíbrio dos rios, de tudo. Nada foi feito. A pesca predatória, pouco se fala, mas as perdas são maiores até do que a da floresta amazônica.
RC – O senhor tem uma preocupação especial com o caboclo amazonense, por que?
Amazonino - Porque até hoje ele padeceu muito nas questões ambientais. Ele nunca foi levado em conta. Ele não é branco e não é índio, é uma mistura dos dois e uma benção da Amazônia. Ele povoa a região e tem espírito de conservação. Mesmo assim ele sofre por imposição de leis abruptas, que de repente, o proíbe de pescar, sem estudo prévio. A legislação sempre foi muito rigorosa com o caboclo, sem ouvi-lo. Isso precisa mudar.
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