24 novembro 2018

A tragédia de Mariana em aberto

Três anos depois do acidente, os projetos implementados ainda não renderam frutos

Por Reinaldo Canto*

Foi com um misto de perplexidade, conformismo e uma discreta esperança que visitei Mariana três anos após o maior desastre ambiental do país em 5 de novembro de 2015.
A perplexidade brotou da constatação de que os sinais mais fortes da tragédia ainda são facilmente avistados em localidades como Paracatu de Baixo, comunidade soterrada juntamente com a de Bento Rodrigues e Gesteira, tal qual foram deixadas após a passagem e permanência da lama que encobriu casas e vidas. Ali, por orientação oficial, tudo deve permanecer intocado. Um monumento digno da estupidez e ganância humanas.
Daí vem o segundo comentário, o conformismo geral da população de Mariana que mantêm sua rotina levando em conta que apesar de tudo, não existem perspectivas de que uma atividade como a mineração deixará de ter importância no futuro imediato da região. “Uma tristeza, mas que há de se fazer, aconteceu, aconteceu”, diz uma moradora que preferiu não se identificar.
Já em relação à esperança, bilhões de reais já começaram a ser investidos pela Fundação Renova (criada a partir do acordo estabelecido no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta – TTAC). Para remediar e recuperar parte de tudo o que foi perdido, exceto as 19 vidas levadas em definitivo junto com os rejeitos minerais.
Projetos não faltam, muitos estão dando seus primeiros passos e seus resultados são aguardados com expectativa.
Reflorestamento na bacia no Rio Doce
Após o rompimento da barragem do Fundão em torno de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos sepultaram comunidades, rios e florestas. Um cenário apocalíptico que lentamente começa a dar lugar a projetos de reflorestamento.
Um dos responsáveis por esse trabalho de restauração da vegetação é o engenheiro florestal e professor Sebastião Venâncio Martins, da Universidade Federal de Viçosa. Segundo ele, uma parte importante da mata irá se regenerar naturalmente, mas em outras áreas 11 milhões de mudas de 30 espécies diferentes de mata nativa já estão sendo plantadas. Em toda a bacia do Rio Doce 40 mil hectares serão restaurados.
Desses 10 mil hectares vão receber mudas e nos outros 30 mil o trabalho será para que a regeneração ocorra de maneira natural (para isso se faz o cercamento impedindo a entrada de cabeças de gado e limpeza da área com a retirada de capim, por exemplo)
Outra meta estabelecida no termo de compromisso é a de recuperar ao menos cinco mil nascentes com o plantio de vegetação que proteja essas fontes de água.
Uma decisão interessante e inédita no mundo é deixar a lama em vários locais sem removê-la. Pedro Ivo, engenheiro ambiental e especialista em manejo de rejeitos explica que a conclusão foi de que a remoção desse material, “pode causar problemas ainda maiores trazendo muitos impactos ambientais”.
Ele se refere, como exemplo, a quantidade imensa de caminhões que seria necessários trafegando de um lado pro outro e a própria destinação de todos esses rejeitos. Então manter o material intocado deverá ocorrer em algumas áreas em que a vegetação poderá se desenvolver mesmo com a presença dessa lama.
Para o especialista da Renova, como o rejeito não é tóxico, uma combinação que trate o solo com adubação e o plantio de leguminosas seriam capazes de recuperar esses locais.
Monitoramento das Águas
A lama foi sendo levada pelo Rio Doce e seus afluentes até chegar ao mar. Fauna e flora foram sendo varridas pelo caminho e pescadores perderam seu ganha-pão. De lá pra cá, as águas vão se recuperando lentamente.
Um relatório produzido por pesquisadores (entre agosto de 2017 e janeiro de 2018) que monitoram a água doce e a salgada afirmam que a quantidade de metal do Rio Doce, já está próxima dos níveis da série histórica porque mesmo antes do desastre, o rio já apresentava sérios problemas de degradação, entre eles, a falta de cobertura vegetal de suas margens e a grande quantidade de esgoto lançado em suas águas.
Mesmo assim e com a discreta recuperação da fauna, a pesca permanece proibida na maior parte do trajeto da lama. Brígida Maioli, engenheira ambiental da Renova explica que o trabalho de monitorar as águas é feito em 92 pontos do Rio Doce, estuários e zonas costeiras que vai de Mariana a Linhares (ES) com registros feitos a cada hora e analisadas pelos órgãos ambientais e agências responsáveis pelos recursos hídricos.
Participam desse esforço uma rede de universidades com cerca de 500 pessoas que analisam a situação das águas e o impacto na biodiversidade. Existe a promessa, assumida pela Renova, de realizar um amplo programa de saneamento básico que consiga eliminar o despejo de esgoto nas águas do Doce hoje em 80% ao longo do seu curso.
Em relação à vida marinha, para Bruno Pimenta, biólogo da Renova, agora em setembro começou o trabalho de monitoramento no Espírito Santo com coleta da água, sedimentos, solo, areia da praia, microrganismos, corais e até peixes para entender melhor os efeitos dos rejeitos no mar.
“Precisamos entender a magnitude desse impacto e como a sociedade terá de se relacionar com essa nova realidade”. Ele acredita que algumas respostas serão conhecidas em um ano, ou seja, em setembro de 2019.
O tempo das pessoas não é o mesmo da natureza e dos recursos
Dinheiro não tem faltado para as ações, mas o tempo é que não tem ajudado às pessoas a ficarem tranquilas e poderem reconstruir suas vidas.
É o caso do trabalho que envolve a reparação das propriedades rurais afetadas com perdas que vão de pastagens a áreas de plantio. Como do agricultor Geraldo Adão cuja propriedade perdeu 16 hectares destinados a pastagem.
“Tive que vender minhas vacas por metade do preço”. Ainda sem solução definitiva, o seo Geraldo tem que deixar seu gado preso no curral e vem recebendo ração da Renova para dar conta de alimentar seus animais.
Daqueles que perderam tudo, a Fundação tem até 2020 para assentar as 225 famílias cadastradas. As obras do novo Bento Rodrigues, na localidade conhecida como Lavoura a 16 quilômetros do antigo endereço seguem a todo vapor.
Em torno de 500 operários trabalham no local podendo chegar em breve a dois mil trabalhadores, construindo o novo bairro de acordo com a vontade da comunidade. Mas três longos anos se passaram e, como diz o líder comunitário Zezinho do Bento, “além da espera difícil a gente tem certeza que não vai ter mais a vida tranquila, um lugar bom de viver como a gente tinha”.
Por mais dinheiro, apoio técnico e empenho de milhares de pessoas envolvidas nos trabalhos, as profundas marcas deixadas pela tragédia não serão apagadas, tanto do ponto de vista humano como ambiental.
Mas o mais chocante é pensar que histórias como essa podem se repetir a qualquer momento em áreas de mineração como a de Mariana ou em outras regiões do país, pois a atividade assim como a sua fiscalização e cuidados pouco mudou de lá pra cá. Que a sorte ajude Mariana e todos nós brasileiros!
*O jornalista viajou a convite da Fundação Renova

06 novembro 2018


COORDENADORA DA ABRAPS SELECIONADA PARA DEBATER COMBATE AO DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS

Luciana Caran apresentou projeto que utiliza cera de abelha para conservação de alimentos e foi convidada pelo Ministério do Meio Ambiente a falar do produto em seminário na capital

Por Reinaldo Canto, diretor de comunicação da ABRAPS

A quantidade de alimentos desperdiçados seria suficiente para resolver o problema da fome no planeta, mas infelizmente, cerca de 1,3 bilhão de toneladas de produtos comestíveis no mundo e em torno de 26 milhões de toneladas no Brasil tem como destino o lixo pelas mais diversas razões. Hoje esse desperdício é de chocantes 1/3 de tudo o que é produzido!

Não é por outra razão que entre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o ODS 12, tem como meta reduzir à metade a perda de alimentos até 2030.

Para discutir as maneiras de enfrentar essa grave questão, o Ministério do Meio Ambiente lançou uma Chamada Pública em outubro para selecionar iniciativas de boas práticas no combate à perda e ao desperdício de alimentos.
Foram selecionadas três iniciativas para cada uma de cinco categorias (produção, pós-colheita, processamento, comercialização e consumo) que vão participar da Semana Nacional de Conscientização da Perda e Desperdício de Alimentos 2018 (Semana PDA 2018), de 5 a 11 de novembro em Brasília.

O projeto Bee Eco de Luciana Caran foi escolhido por tratar do problema da conservação de alimentos uma das principais causas que resultam em perdas de produtos.  “Buscamos uma solução para a baixa durabilidade dos alimentos in natura, principalmente depois de abertos”, explica Luciana que é Fundadora da Rede Mottai e da Bee Eco e também coordenadora do Grupo de Trabalho de Resíduos Orgânicos da Abraps. “Quando tive acesso ao edital, achei que o produto era um forte candidato”, comemora ela.

O Bee Eco é um tecido encerado com cera de abelha, breu e óleo de côco que é produzido com resíduos têxteis e depois de usado e terminado sua vida útil pode ser compostado, sendo uma solução 100% sustentável. Em geral, a conservação de alimentos é feita com filmes de PVC, principalmente para embalar frutas abertas, uma solução nada sustentável e com alto impacto no meio ambiente pelas dificuldades em ser reciclado.
Luciana estará em Brasília para falar do Bee Eco e representar a ABRAPS de 8 a 10 de novembro na Capital Federal.



    
 


01 novembro 2018

O SOL QUE CASTIGA O SERTÃO É REALIDADE COMO FONTE DE ENERGIA NA PARAÍBA

A solução solar é ótima para comunidades mais distantes e isoladas da rede de distribuição, mas nada impede que áreas urbanas façam a opção

Por Reinaldo Canto


Wikimedia Commons
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A Paraíba e a região Nordeste apresentam os maiores e melhores níveis de radiação solar


Se em boa parte do País a energia solar ainda é uma promessa, representando menos de 1% na matriz energética brasileira, no extremo noroeste do estado da Paraíba já é uma realidade e com potencial para crescer muito, pois existem projetos variados que englobam ações no setor público, privado e de organizações da sociedade civil.
A Paraíba e a região Nordeste apresentam os maiores e melhores níveis de radiação solar do Brasil fora os enormes ganhos que essa opção representa no que tange ao enfrentamento das mudanças climáticas em razão de ser uma energia limpa e renovável.
Só para se ter uma ideia, o município de Sousa possui apenas 10% (80 mil habitantes) da população registrada na capital, mas já é responsável por gerar 2,5 vezes mais energia solar que João Pessoa, o que representa em torno de 2,1 megawatts.
Claro que o tema do uso da energia solar no sertão está diretamente associado às preocupações com a segurança hídrica e as consequências cada vez mais severas do aquecimento global.
Diversas regiões do Nordeste brasileiro e a Paraíba é uma delas enfrenta há sete anos uma seca severa cujas consequências não são mais dramáticas em razão de programas como a construção de cisternas, Bolsa Família e os de apoio à agricultura familiar que, possibilitaram manter o sertanejo produzindo e sendo capaz de dar condições de vida para suas famílias, programas estes que foram se consolidando nos últimos 15 anos.
“Não se ouve mais falar em flagelado, frentes de trabalho e migrações, graças principalmente as cisternas que garantiram o abastecimento de água dos trabalhadores do campo”, afirma a professora Mariana Moreira, da Universidade Federal de Campina Grande, Campus Cajazeiras.
Mas para a captação da água que escasseia na região é fundamental obter fontes de energia a preços acessíveis e que sejam capazes, entre outras necessidades, de extrair e tratar a água que será consumida pelas famílias.
Por essa razão, o Comitê de Energias Renováveis do Semiárido vem trabalhando há mais de quatro anos junto aos pequenos produtores por meio de suas associações, comunidades e apoio da academia.
César Nóbrega, coordenador-geral do Cersa, aponta que a energia elétrica representa um grande custo para o agricultor familiar e a fonte solar pode representar a independência energética do pequeno produtor, “dessa forma deixamos de ver a energia como mercadoria, mas como um bem à disposição das pessoas”, explica Nóbrega.
A ideia central dos projetos tocados pelo Cersa é a descentralização e independência das pequenas propriedades rurais para que de maneira autônoma sejam capazes de gerar sua própria energia e fazer frente às suas necessidades. É o caso do Assentamento Acauã, localizado na cidade de Aparecida, cujas placas fotovoltaicas instaladas na vila movimentam a bomba d´água que abastece todas as suas 114 famílias.   
Cidade Solar
Se a solução solar é ótima para comunidades mais distantes e isoladas da rede de distribuição, nada impede que áreas urbanas já servidas por energia elétrica façam a opção pela abundante renovável.
Em Sousa, essa opção já está presente em hotel, posto de gasolina e até mesmo a paróquia Centro Pastoral da Paróquia de Santana e o cemitério da cidade já são solares. Nesse último, um sistema de poço artesiano movido pela energia solar abastece de água a população local e serve para a limpeza do cemitério São João Batista.
O município de Sousa também foi pioneiro em todo o estado da Paraíba ao instalar o primeiro sistema solar fotovoltaico em escola estadual de ensino fundamental e médio, o colégio Professora Dione Diniz Oliveira Dias no Núcleo Habitacional II. O projeto foi realizado em parceria com o Comitê de Energias Renováveis do Semiárido (Cersa), o Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social, Misereor (entidade ligada à Igreja Católica alemã) e a Cáritas (católica brasileira).
Além de tudo isso, 5% das dependências da Prefeitura já são abastecidas com energia solar. Para o prefeito Fábio Tyrone, do PSB, a opção pela energia solar de Sousa já está consolidada. “Queremos que todos os prédios da prefeitura migrem pra energia solar”.
Segundo o prefeito, em apenas 30 meses os investimentos seriam recuperados. A cidade possui em torno de 26 escolas e 28 postos de saúde, além de cerca de cinquenta imóveis, totalizando mais de 100 espaços públicos, incluindo aí a iluminação pública.
O prefeito de Sousa também se compromete a viabilizar a instalação de painéis solares nas residências. O valor médio de  8 mil reais para abastecer a casa de uma família com quatro pessoas levaria, pelas condições atuais, em torno de seis anos para ser pago. Com incentivo público, crédito e condições facilitadas, a cidade poderá servir de grande exemplo para o Nordeste e para todo o Brasil sobre como aproveitar o que temos de melhor e transformar o limão (sol escaldante) em limonada (energia da melhor qualidade).  
*O jornalista viajou a convite da agência de notícias Inter Press Service