25 março 2013

Pouco a comemorar no Ano Internacional da Água


É até difícil ter que falar de sua importância. De tão óbvio chega a ser redundante: lembrar o quanto esse bem natural é essencial para a nossa existência. Mas o fato é que a água sofre com o desprezo e os maus-tratos generalizados.  São governos, empresas e populações que consideram, ou melhor, não consideram a água como algo indispensável e fundamental.
 Foto: Thiago Foresti
Foto: Thiago Foresti

Cheguei a usar o bom humor ao retratar uma fictícia animação “Rebelião das Águas” (disponível clicando AQUI) para ressaltar o quanto devemos cuidar da água, pois, sem ela, nós não sobreviveríamos.
Em sala de aula e palestras costumo dizer que o petróleo é visto como mais importante que a água, pois rende royalties e é reverenciado como riqueza, enquanto a água, coitada, é usada de modo muitas vezes aviltante, até mesmo para varrer calçadas, lavar carros, além de outros incontáveis absurdos.
E longe de mim falar mal do petróleo! Ele foi e é responsável por importantes avanços e grandes progressos da humanidade. Mas faça um simples exercício: se o petróleo simplesmente desaparecesse de uma hora para outra, o que aconteceria? No mínimo um grande caos e a quebra de economias pelo mundo afora, entre outras terríveis consequências. Agora, pense o mesmo para a água. Qual o resultado? Somente a extinção da vida no planeta. Aí pergunto novamente: o que é mais importante, a água ou o petróleo?
Prejuízo em números: desperdício de água tratada causa perda de bilhões de reais
Tanta obviedade sobre os cuidados que deveriam ser tomados já deveriam ter sido percebidos, assimilados e corrigidos. Se a água sofreu agressões e contaminações, se em muitas partes do mundo ela já se tornou escassa e se nas grandes regiões metropolitanas do país é necessário buscar o líquido em lugares cada vez mais distantes, temos agora consciência dos desafios e das ações urgentes para mudar essa realidade?
Infelizmente parece que ainda não! Pesquisa divulgada recentemente pelo Instituto Trata Brasil constatou que, as empresas responsáveis pelo tratamento de água no Brasil, perdem em média 35,7% ou cerca de 10 bilhões de reais de faturamento causados por vazamentos, ligações clandestinas e problemas de medição, entre seus principais fatores.
Os problemas de vazamento decorrem da idade avançada e falta de manutenção de boa parte das instalações e encanamentos existentes. As maiores perdas ocorrem no Norte (51,55%) e no Nordeste (44,93%), regiões nas quais as suas populações estão acostumadas a sofrer muito com problemas de abastecimento de água.
A título de comparação, no Japão, o desperdício das empresas de tratamento de água não passa de 3%.
Segundo os pesquisadores responsáveis pelo estudo, as perdas de água e de faturamento representam um dos maiores desafios para a expansão das redes de distribuição de água e até mesmo para a ampliação do saneamento básico no Brasil. O dinheiro que deixa de entrar no caixa das empresas poderia ser utilizado para obras de infraestrutura, mas escorre junto com a preciosa água, pelos buracos da ineficiência.
Pouco a comemorar, mas muito por fazer
O dia 22 de março é o Dia Mundial da Água. Mas em 2013 as Nações Unidas foram além e proclamaram o Ano Internacional da Cooperação da Água, visando chamar a atenção de todos para a importância de se fazer o manejo sustentável dos recursos hídricos.
E já que todos os dias do ano foram destinados a pensar sobre o melhor uso e interromper o grande ciclo de bobagens feito até hoje, talvez seja hora de reverencia-la destinando a ela, água, todo o respeito e carinho que sempre fez por  merecer. Da próxima vez que olhar para esse líquido tão familiar ao nosso corpo, reflita sobre seus hábitos, a maneira como interage e utiliza esse insumo poderoso e vital. Tenho certeza que a partir dessa reflexão estará sendo construída uma nova relação de amor feliz e sustentável.
Água é vida! Um brinde à nossa saúde!

14 março 2013

Áreas contaminadas no passado assombram o futuro e cobram seu preço


Duas notícias ocuparam simultaneamente os espaços da mídia nos últimos dias, de maneira independente, apesar de possuírem mais pontos em comum do que se poderia esperar à primeira vista. Uma inclusive está bem próxima de seu final e a outra apenas começa a trilhar um caminho repleto de dramaticidade. A primeira envolve 1.068 ex-trabalhadores de uma fábrica em Paulínia, cidade próxima a Campinas (SP), enquanto na segunda, 1.200 pessoas estão em busca de moradia na região norte da capital paulista. Tão distintas e mesmo assim, tão próximas. Pois ambas estão unidas pelo mesmo problema comum: a contaminação.
Acordo garante indenização de 370 milhões de reais a ex-funcionários
A de Paulínia, que está sendo chamada de a maior ação trabalhista no Brasil, deverá garantir aos ex-empregados da fábrica de agrotóxicos, uma indenização de, aproximadamente, 180 mil reais para cada trabalhador, pela exposição a diversas substâncias tóxicas. A fábrica primeiro pertenceu à Shell do Brasil (atual Raízen) nos anos 70 e, posteriormente, foi adquirida pela Basf no ano de 2000, até que dois anos depois foi interditada e fechada pelo Ministério do Trabalho.
Para se chegar ao alto valor da indenização foram realizados diversos laudos anexados ao processo, entre eles, exames em 69 trabalhadores que apresentaram uma média de seis doenças diferentes.
A ação tramitava desde 2007 e agora um acordo estabeleceu o montante a ser pago a cada trabalhador, além de 200 milhões de reais que serão destinados pelas empresas (Raízen e Basf) para a construção de uma Maternidade em Paulínia e a entidades como o Crest de Campinas (Centro de Referência à Saúde do Trabalhador) e à Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro).
As empresas relutaram muito em aceitar o acordo e, mesmo em nota, a Raízen, sucessora da Shell, afirma possuir estudos comprovando que a contaminação ambiental não foi responsável por afetar a saúde dos trabalhadores. Bem ou mal, podemos dizer que se chegou a um final “feliz”, entre aspas, pois não será o dinheiro que irá recuperar a saúde dos trabalhadores.
Famílias ocupam área contaminada
Muito diferente e longe de qualquer solução minimamente positiva está o caso das famílias pertencentes ao movimento Frente de Luta por Moradia (FLM). Há dois meses elas ocuparam um terreno onde antes funcionou um aterro sanitário, no bairro da Vila Nova Cachoerinha, em São Paulo.
Estive lá e conversei com as lideranças do movimento. Elas disseram já ter passado mal, inclusive as suas crianças, com sintomas de náusea, vômitos, entre outros, provavelmente causados pelo gás metano. A própria Cetesb, órgão ambiental do estado de São Paulo, já havia declarado a área imprópria.
As famílias alegam não ter para onde ir, apesar dos riscos de contaminação e até mesmo de explosão, pois o metano é um gás bastante instável e altamente inflamável. Uma difícil e delicada situação que merece toda a atenção das autoridades para uma rápida solução que leve em conta, com todos os cuidados necessários, a preservação de direitos e da dignidade das pessoas.
Um problema mais comum do que podemos imaginar
O exemplo de Paulínia nos dá a esperança de ações punitivas a quem merece. Já a história das famílias da Zona Norte de São Paulo nos enche de tristeza ao ver as crianças com suas mochilas saindo cedinho da área ocupada para estudar, sem a garantia de voltar para um lugar que lhes garanta conforto, segurança e a preservação de sua saúde.
Existem muitas situações como essas em todo o Brasil. São ex-lixões e aterros, fábricas desativadas, terrenos utilizados legalmente ou ilegalmente para despejo de materiais tóxicos, posteriormente cobertos e abandonados como se o problema estivesse sumariamente eliminado. Doce ilusão. O passado cobra um preço muito alto para os desmandos sejam eles conscientes ou frutos apenas de uma ignorância inconsequente. O certo é a urgência de denunciar e exigir dos responsáveis a identificação e a descontaminação de todas as áreas. O futuro agradece.

02 março 2013

Cidadania e Sustentabilidade fazem parte da mesma equação


Ouvi de pessoas diferentes, em situações também bastante distintas, frases que remetem ao mesmo problema, a ausência de noções de cidadania.
Foto: Christopher Craig/Flickr
Foto: Christopher Craig/Flickr
No primeiro caso, uma manifestação de revolta contra a inspeção veicular, problema relativamente novo para proprietários de carros em São Paulo. O debate, em sala de aula, levou até mesmo ao questionamento sobre o rodízio, “pago meus impostos, portanto, tenho o direito de usa-lo quando quiser”.  Revolta situada, neste caso, na classe média emergente.
Agora a cena viaja até uma região periférica de qualquer cidade brasileira.  Nesse caso uma dona de casa usa a água encanada e tratada para varrer a calçada em frente de casa. Ao ser questionada pelo desperdício de um bem tão precioso, invariavelmente, a resposta será um sonoro “cuide da sua vida” acompanhado de: “a calçada é minha, a mangueira é minha e sou eu que pago a água”.
Situações distintas, mas comuns, infelizmente bastante corriqueiras com variedade imensa de exemplos a percorrer todas as classes sociais tupiniquins.
E é possível afirmar que talvez esse tipo de comportamento seja sintoma de nossa indigência como sociedade ainda pouco familiarizada com direitos e deveres comuns a uma coletividade.
Por essa razão para que um dia possamos atingir algum grau de equilíbrio e sustentabilidade, tanto do ponto de vista de uso dos nossos sofridos e maltratados recursos naturais, quanto do compartilhamento saudável do espaço urbano, antes será preciso alcançarmos o entendimento sobre o que significam os bens públicos e universais.
Saber que, antes de mais nada, o fato de poder pagar por algo não significa automaticamente fazer o que bem entender com esse bem. Refletir que o pagamento de impostos ou a provável corrupção de terceiros não nos confere o direito de usurpar e interferir no direito dos outros ou comprometer a disponibilidade de recursos coletivos (água, energia, parques, entre os principais).
Essa questão acaba por ser ainda mais relevante diante do fenômeno da urbanização. A humanidade passou a viver majoritariamente em cidades desde 2008 pela primeira vez em nossa história, segundo as Nações Unidas. Portanto em um mundo antes mais descentralizado e espalhado, o ser humano teria, em hipótese, de se preocupar menos com o conforto alheio. Hoje isso mudou e vai mudar ainda mais com o aumento da densidade populacional em grandes aglomerados urbanos.
Seja quanto ao uso da água, do carro, do aparelho de som e até mesmo ao desfrutar de momentos de lazer em um parque ou área pública, bastaria apenas exercitar a velha máxima, “não fazer com os outros, o que não quero que façam comigo”, na maioria das vezes é simples assim.
Podemos e devemos evitar as pequenas violências diárias, que obviamente não são passíveis de enquadramento no Código Penal, mas nem por isso deixam de ser alvo de protestos e indignações.
Viver em sociedade é uma arte, a arte da tolerância, da solidariedade e do bom senso.  O exercício cotidiano da cidadania, começando nos atos mais básicos e comuns, vai facilitar em muito o nosso caminho em busca de uma cidade e um mundo mais sustentável e agradável para se viver.