06 maio 2009

TODOS SOMOS RESPONSÁVEIS!

Um dia desses, como outro qualquer, minha filha assistia paralisada a um comercial de televisão. Nele, um bonequinho, em formato de refrigerante, cantava e pulava apenas repetindo diversas vezes o nome do produto. Apesar de nunca ter experimentado um refrigerante, fico imaginando o efeito que esse, além de outros anúncios de melhores ou piores produtos, irá causar em seu pequeno cérebro.

Ela tem menos de dois anos e vê pouca televisão, mas isso não impede que seja influenciada pela “competente” estratégia do mercado publicitário. Uma pesquisa da TNS InterSciense constatou que a publicidade na TV é o fator de maior impacto na escolha infantil, vindo em segundo lugar a embalagem e, em terceiro, a identificação com personagens de desenhos. Além do incentivo ao consumismo, a propaganda televisiva estimula o consumo excessivo de uma alimentação rica em açúcar, gorduras e sal, que contribui para a obesidade infantil. Outro estudo, este do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília (UnB), publicado em matéria do jornal O Estado de São Paulo, constatou que as crianças são o alvo principal das propagandas de alimentos. Segundo a pesquisa, 71,6% dos alimentos anunciados na televisão são, pela ordem, em primeiro lugar os fast-foods, depois as guloseimas e sorvetes, em seguida os refrigerantes e sucos naturais e, por fim, salgadinhos de pacote e biscoitos doces ou bolos. De todos esses alimentos, 73,1% são prontos para comer.

Felizmente, o cerco à publicidade infantil vem crescendo, desde processos e ações do Ministério Público pedindo a suspensão de anúncios e até mesmo por atuação direta do CONAR (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária), representante das agências e que já retirou por volta de 38 anúncios considerados abusivos. Isso não significa que o caminho até a definitiva proibição de publicidade voltada para as crianças seja uma estrada plana e livre de obstáculos. Em evento realizado pelas entidades IDEC e Alana, no mês de março, foram apresentados alguns dados sobre a atuação de diversas multinacionais do ramo alimentício com atuação no Brasil. O trabalho concluiu que, aqui, alguns dos alimentos comercializados por essas empresas são menos saudáveis e os anúncios mais abusivos, em relação aos praticados na Europa e nos Estados Unidos. Presente ao evento, um representante da Associação Brasileira das Agências de Publicidade reagiu aos resultados e disse que se forem trazer os padrões da Dinamarca, deveriam trazer também o frio e, talvez, outros problemas de lá, como casos de suicídio e pedofilia. Se tal afirmação pode ser considerada estarrecedora como argumento, o que pensar de um professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing, entrevistado pela revista Veja São Paulo, na matéria Pequenos em Alta, em uma das edições no mês de março, ao afirmar que “o filho tem cada vez mais poder de decisão nas compras familiares” e completa “os maiores de 8 anos já reconhecem o valor de uma marca”. Valor de uma marca aos 8 anos de idade?

Aqui não se quer demonizar todo o mercado publicitário. Tenho, com essas observações, apenas o objetivo de contribuir para uma reflexão sobre os desvios a que qualquer setor da atividade humana está sujeito, quando os valores maiores da cidadania não são respeitados.


A difícil e necessária mudança de hábitos


Antes que qualquer medida de proibição ou restrição à publicidade infantil seja determinada é preciso que os pais estejam atentos ao tempo que seus filhos permanecem à frente da televisão. No Brasil, pesquisas já constataram que as crianças ficam 5 horas por dia na frente da telinha. Tempo demasiado para tanto estímulo de consumo. Mas aqui vale a pena também fazer um mea culpa e assumir algumas atitudes que vão muito além do controle e proibição a que nossos filhos possam e/ou devam ser submetidos. É PRECISO MUDAR OS NOSSOS PRÓPRIOS HÁBITOS. Coloquei em letras grandes até mesmo para a minha própria reflexão como pai que sou. As crianças têm nos pais um retrato do comportamento e dos valores do mundo; portanto, ao nos observar, nossas ações são fotografadas com um zoom incontestável. Se somos consumistas, como impedir que nossos filhos queiram comprar coisas o tempo todo? Se desrespeitamos os espaços públicos com nossas ações cotidianas, como esperar que crianças ajam e pensem de maneira diferente? Se comemos porcarias e exageramos nas quantidades e, se além do mais, temos hábitos sedentários, como exigir que os filhos sejam saudáveis, atléticos, comam frutas e legumes, ou seja, um exemplo de perfeição física completamente diferente do que veem em suas próprias casas? Impossível, claro que não! Digamos que é um caminho bem mais difícil de ser trilhado. Lembro-me muito bem de uma matéria publicada na revista Veja dos bons tempos (que saudade!!!) e escrita pelo grande jornalista Élio Gaspari. Era sobre a situação de calamidade vivida então pelos hospitais do Rio de Janeiro. As fotos todas em preto e branco emprestavam à matéria o devido grau de dramaticidade que o texto exprimia. Simplesmente maravilhosa! No final da mesma, um médico, servidor público, fazia diversas reclamações, mas concluiu de maneira que imagino tenha impressionado a muita gente, como impressionou a mim mesmo. Ele afirmou que a culpa daquela situação não era apenas dos poderes que estavam muito além da sua capacidade de interferir, mas a culpa também era dele. Ele disse que poderia ir para a frente do prédio do governo, reclamar, fazer greve, se recusar a trabalhar naquelas circunstâncias, procurar jornais, partidos, o que fosse. E concluiu “eu também sou responsável por essa situação”.

Sem entrar no mérito das responsabilidades desse médico e das suas reais possibilidades de conseguir implementar as mudanças necessárias, o que ficou registrado dessa história, na minha avaliação, é que devemos sempre assumir a nossa responsabilidade. Quando vivemos em comunidade, nós sempre deveremos exercer um papel de atitude e não aceitar as coisas, simplesmente como elas são.

TODOS SOMOS RESPONSÁVEIS!! Em menor ou maior grau, não importa, é preciso sempre se fazer uma simples pergunta: diante dessa situação, o que eu posso fazer para mudar? Coletiva ou individualmente temos a obrigação de construir a cidadania em busca da sustentabilidade que nos garanta um futuro melhor para todos. Essa lição deveria ser passada de pai para filho.


05 maio 2009

CRIANÇAS CONSUMIDORAS: ONDE SE QUER CHEGAR?

O artigo abaixo foi publicado pela Envolverde (envolverde.com.br) em 31/03.
Um grande abraço para o meu amigo Dal Marcondes.

Interessante notar como acontecimentos inusitados imprimem em nossa vida constantes transformações, moldando nossos pensamentos e nossas ideias. A chegada de um ser especial faz tudo mudar, ou melhor, traz novos sentidos para muitas das mesmas questões. A preocupação com a preservação ambiental, com a exaustão dos recursos naturais e com a perda da biodiversidade sempre foram encaradas, sem levar em conta a finitude da minha própria vida. A indignação com o nonsense pela forma como o ser humano tem lidado com o nosso sofrido planeta, já era motivo suficiente para fazer parte da batalha por corações e mentes em busca dessa difícil convivência entre o homem e a natureza. Aí chega a paternidade e a visão se amplifica e ganha novos horizontes e contornos. Novas velhas perguntas passam a receber um olhar ainda mais crítico e atento: Minha filha vai crescer num planeta mais triste, com mais fome, guerras e destruição? O mundo que conhecemos hoje será muito diferente e pior de se viver daqui há 20, 30, 40 anos? São perguntas que vêem seguidas de um arrepio na espinha ao imaginar para minha filha, que ainda não completou dois anos de idade, uma herança bastante amarga.. Fatos não faltam para fazer esse tipo de afirmação. Escassez de água e de produção de alimentos não são visões de catastrofistas de plantão, mas a pura realidade com sinais bastante claros para nenhum cartesiano colocar dúvida.

Das atuais para as próximas gerações

A esperança reside na expectativa de que, se soubermos orientar e educar as nossas crianças e jovens para frear o consumo e o desperdício desenfreado, além de respeitar as outras criaturas que habitam o planeta, estaremos contribuindo para formar as novas gerações com valores muito mais positivos em prol da sustentabilidade.. Agora, a tarefa não é nada fácil. Começando pela simples observação de que temos feito muito pouco para mudar essa realidade.
A nossa geração já tem elementos e informação suficientes sobre as graves conseqüências que a sociedade de consumo, ávida por energia e recursos naturais, vem causando notadamente nos últimos anos. Mesmo assim continua a consumir muito mais do que o planeta consegue repor. Nossos lixões e aterros sanitários, principalmente em grandes capitais brasileiras como São Paulo e Rio de Janeiro, entraram em colapso, como já alertou o jornalista Washington Novaes, em seus artigos no jornal O Estado de São Paulo. E, muitos desses materiais, ou melhor, pelo menos 30% de tudo o que vai abarrotar esses lixões e aterros sanitários são perfeitamente reaproveitáveis ou recicláveis e poderiam ter um destino mais nobre e reduzir os impactos ambientais causados pelas cadeias produtivas e seus consequentes descartes. Recentemente, o escritor uruguaio Eduardo Galeano escreveu um artigo indignado contra a cultura do descartável. Galeano lembrou a sua infância e a utilização quase total de todo tipo de material. No Uruguai de 50 anos atrás, tudo era reaproveitado e até mesmo transformado em brinquedos como tampas e latas. Desperdício de alimentos, então, nem pensar. Cascas e restos de alimentos viravam doces, compotas deliciosas, o que aliás não diferencia muito das antigas estórias de muitas famílias brasileiras. Não é que não existam mudanças ou novas atitudes em busca de um mundo mais sustentável. Aqui e ali surgem projetos dignos de nota: projetos de reciclagem, de redução de gastos de energia, de reaproveitamento de água e por aí afora. Mas convenhamos que diante do comportamento da maioria, é caminhar a passos de tartaruga, enquanto os efeitos do aquecimento global, da perda de florestas, da contaminação da água, correm a jato.
Todos nós, uns mais outros menos consumimos mais do que das nossas reais necessidades e as possíveis exceções só confirmam a regra. É exatamente aí que quero chegar: que lições estamos passando para as futuras gerações? E quais as contribuições que podemos dar aos nossos filhos? Com certeza, o primeiro passo é ampliar nossas ações. Pensar nos 3 Rs - acrescidos de um R inicial proposto pelo Instituto Akatu pelo Consumo Consciente (Repensar; Reduzir; Reutilizar e Reciclar. Depois colocar em prática e viver uma vida mais simples e saudável. No caso das crianças, trocar o material, ou seja, mais uma boneca, ou um novo carrinho por mais afeto e compartilhamento de momentos em família, como um passeio ao ar livre, por exemplo.
Os terapeutas são unânimes em afirmar que o afeto é mais importante que o material e o contato com a natureza é a melhor maneira de fazer com que as crianças a admirem e respeitem. Se elas vão receber um planeta mais caótico para se viver, nós temos no mínimo, o dever de orientá-las desde os seus primeiros passos. E isso, é claro, não é responsabilidade apenas dos pais, mas da escola, dos governos e também das empresas que precisam fazer a sua parte em prol de um mundo melhor.

Bombardeio publicitário

Se a vida já não parece fácil, a nossa tarefa, como pais, fica ainda mais difícil e complicada quando assistimos pasmos, a publicidade insana voltada para as crianças. São anúncios na televisão, outdoors e vitrines de supermercados que se utilizam de todos os recursos para atrair os pequenos. São brinquedos e alimentos muito atraentes na sua apresentação e pouco saudáveis em muitos sentidos, seja para o planeta, como também para a saúde das crianças. É o caso de brindes associados a alimentos industrializados e fast-foods pouco nutritivos e muito calóricos responsáveis pela incidência da obesidade infantil. Organizações de defesa do consumidor, como o IDEC e o Instituto Alana, há tempos lutam contra a publicidade infantil que, aliás, já é proibida em muitos países desenvolvidos. Em recente entrevista, a coordenadora de educação e pesquisa do Instituto Alana, Laís Pereira, afirmou que crianças até os 12 anos ainda não formaram um pensamento crítico sendo presas fáceis da publicidade irresponsável. Outra informação da pesquisadora, que é também bastante preocupante para pais e educadores, se refere às crianças de até quatro anos de idade. Segundo ela, nessa faixa etária, a criança não distingue a diferença entre publicidade e conteúdo de um programa. As agências de propaganda e as indústrias responsáveis por esses produtos costumam alegar que quaisquer proibições aos anúncios constituem restrições a liberdade de expressão e de informação. Não creio que isso faça sentido. Antes de mais nada essas bem vindas restrições viriam ao encontro do que estabelece o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Instrumentos do mais alto nível que vem contribuindo e muito para o aprimoramento da democracia e da cidadania em nosso país e proteger os direitos mais elementares da nossa sociedade e das nossas crianças.

Esses são apenas alguns exemplos dos enormes desafios pelos quais nós pais temos que lutar. E é evidente que tais lutas vão muito além de nossas atitudes pessoais. É preciso agir também coletivamente ao participar e enfrentar forças que, muitas vezes, tem como interesse apenas os ganhos imediatos e como resultado final, enormes prejuízos sociais. O futuro dos nossos filhos é uma boa razão para manter a espinha ereta e o olhar firme no horizonte. As crianças merecem essa chance.