14 abril 2017

Um legado verde para o cerrado goiano

Modelo de preservação do cerrado replica o modelo de sucesso
adotado para a preservação da Mata Atlântica


Por Reinaldo Canto
No último dia de março, data de triste memória pelo infame golpe de 1964, o Cerrado brasileiro pode comemorar o lançamento do Legado Verdes do Cerrado (https://www.facebook.com/legadoverdesdocerrado), uma área total de 32 mil hectares, sendo 27 mil deles totalmente preservados. A reserva está localizada no município de Niquelândia, próxima ao Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás.
A modalidade legal dessa área está denominada como Reserva Particular de Desenvolvimento Sustentável, o mesmo já adotado no Legado das Águas (www.legadodasaguas.com.br/) com 31 mil hectares de Mata Atlântica no estado de São Paulo, também mantido pelo grupo Votorantim. No caso do Cerrado a empresa do grupo responsável por sua manutenção é a CBA – Companhia Brasileira de Alumínio. As RPDSs permitem aliar a conservação com exploração sustentável. Do espaço total da reserva, cinco mil já são utilizados para a produção de soja, silvicultura e pecuária.
Segundo David Canassa, Diretor das Reservas Votorantim, dentro da ideia de desenvolvimento sustentável, serão produzidas no viveiro entre 60 e 70 mil mudas de espécies nativas do Cerrado, entre frutíferas e árvores para reflorestamento.
Pesquisas e desenvolvimento local
No lançamento do Legado Verdes do Cerrado foram assinados diversos convênios envolvendo os governos (estadual e local), com Universidades públicas, a Embrapa Cerrado e a Fapeg, que é a Fundação de Amparo à Pesquisa de Goiás, entre outros. Tudo isso para que pesquisas sejam capazes de também contribuir para o desenvolvimento econômico e gerar recursos para a manutenção da reserva.
A interação com as comunidades de seu entorno para utilização da área e mesmo o desenvolvimento ligadas ao ecoturismo, educação ambiental e empreendedorismo também estão previstas. Para Canassa, dessa maneira, o tripé econômico, social e ambiental estará completo, “esperamos que após os investimentos iniciais, o plano de negócios do Legado seja capaz de tornar a área autossustentável em torno de cinco anos”.
Riqueza Ambiental
A área total do Legado Verdes do Cerrado é composta de dois núcleos principais que são as fazendas Engenho e Santo Antonio da Serra Negra, pertencentes a CBA desde os anos 70, adquiridas inicialmente para a produção de eucalipto. A Engenho, exatamente a área que foi preservada, abriga inestimáveis flora e fauna, onças inclusive, além de nascentes de três rios que são: Peixes, São Bento e Traíras, aliás, este último é o responsável por abastecer a população de Niquelândia (quase 43 mil habitantes).
A situação do Cerrado brasileiro é dramática
Assim como o Legado das Águas representa um oásis de preservação da ameaçadíssima Mata Atlântica, o Legado Verdes do Cerrado chega em boa hora para contribuir na conservação do bioma Cerrado não muito menos ameaçado.
Um estudo recente publicado em março deste ano na Nature Ecology and Evolution afirma que o avanço do desmatamento no Cerrado é dramático e coloca sob risco de extinção 1.140 espécies de plantas. A pesquisa também constatou que mais da metade da área original do bioma já foi destruída.
Para Bernardo Strassburg, coordenador do estudo, Diretor Executivo do Instituto Internacional para a Sustentabilidade e Coordenador do Centro de Ciências para a Conservação e Sustentabilidade do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio, no ritmo atual daqui a apenas 30 anos perderá mais de 1/3 de sua área atual. “Esse resultado será causado pelo desmatamento para a expansão da soja, cana de açúcar e pastagem”. Entre 2002 e 2011, as taxas de desmatamento na região (1% ao ano) foram 2,5 vezes mais altas do que na Amazônia.
Importante é realizar esforços para preservar o que ainda resta, concluem os pesquisadores, pois o Cerrado possui 4.600 espécies de plantas que no mundo só existem ali e a parceria com o setor privado acompanhado de políticas públicas tem a real possibilidade de, sem prejudicar a agricultura e as atividades produtivas, será fundamental para que não lamentemos no futuro a perda desse patrimônio ambiental brasileiro.
O Legado Verdes do Cerrado representa uma boa amostra do que é preciso fazer!

Nenhum hectare a menos!

Observatório do Clima lança carta em protesto contra movimento coordenado do governo Temer e do Congresso contra áreas protegidas, terras indígenas e quilombolas e o licenciamento ambiental

O Observatório do Clima, reunido em assembleia em Atalanta (SC), lançou na noite de quarta-feira (12) uma carta em protesto contra o ataque coordenado do Congresso Nacional e do governo de Michel Temer à proteção ambiental e aos direitos dos povos tradicionais.
O documento lista a série de retrocessos promovidos pelo governo e por seus aliados parlamentares nos últimos meses, no que talvez seja a maior ofensiva antiambiental desde a Constituição de 1988. E alerta que o movimento põe em risco as metas climáticas do país, além da segurança de toda a sociedade.
Entre as vítimas estão as unidades de conservação – comissões especiais do Congresso reduziram a proteção de 1,1 milhão de hectares em apenas dois dias, votando propostas enviadas pelo próprio Palácio do Planalto na forma de Medidas Provisórias; as terras indígenas, com a nomeação de Osmar Serraglio (PMDB-PR), um radical da bancada ruralista, para o cargo de ministro da Justiça; as terras públicas, com a proposta da MP 759; e o licenciamento ambiental.
“Após avanços significativos na redução da taxa de desmatamento e na demarcação de terras indígenas e criação de unidades de conservação na década passada – mantendo ao mesmo tempo forte crescimento econômico, safras recorde e geração de empregos –, o Brasil parece retroceder à década de 1980, quando era um pária internacional devido à destruição acelerada de seu patrimônio natural e à violência no campo”, diz a carta.
“O país que gosta de se vender ao mundo como parte da solução da crise do clima voltou a ser um problema. A mesma agropecuária propagandeada como a mais sustentável do mundo é a responsável pela grilagem de terras públicas, pela retirada de direitos de povos e comunidades tradicionais e pequenos agricultores e por rasgar os compromissos domésticos e internacionais de redução de emissões.”
A carta de Atalanta pode ser baixada aqui. Leia abaixo sua íntegra:
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Nenhum hectare a menos!

Carta do Observatório do Clima contra os retrocessos na agenda socioambiental
Em meio à instabilidade política atual, segmentos do governo e do Congresso avançam rapidamente para desfigurar leis e políticas socioambientais consolidadas a partir da Constituição de 1988. Evidencia-se um esforço concentrado e organizado para a aprovação de um conjunto de medidas que colocam em risco o bem-estar e a segurança da sociedade e nossos compromissos contra as mudanças climáticas.
Na última terça-feira (11/4), uma comissão do Congresso Nacional retalhou um conjunto de unidades de conservação na Amazônia e na Mata Atlântica, liberando para grilagem 660 mil hectares de terras públicas que haviam sido ilegalmente ocupadas e vêm sendo desmatadas. A redução, sem precedentes, foi inicialmente pedida pelo próprio Presidente da República, Michel Temer, por meio da Medida Provisória 756. Na quarta-feira (12/4), em sete minutos, outra comissão especial do Congresso aprovou a Medida Provisória 758, que reduz outros 442 mil hectares de unidades de conservação na Amazônia – em dois dias, 1,1 milhão de hectares.
A redução de áreas protegidas por MP, proposta inicialmente pela ex-presidente Dilma Rousseff e posta em prática por Temer, é uma sinalização do governo de que o crime compensa. A prática vem animando segmentos empresariais e parlamentares a formular propostas visando extinguir, reduzir ou alterar o status de proteção de parques nacionais, reservas extrativistas e outras áreas protegidas. No exemplo mais recente, políticos do Amazonas articulam com a Casa Civil a redução de cerca de 1 milhão de hectares de unidades de conservação no sul do Estado. Tramitam no Congresso Nacional e em várias assembleias legislativas estaduais outros projetos com esses objetivos.
O presidente também editou a MP 759/2016, que, a pretexto de promover a regularização fundiária, incentiva a grilagem de áreas públicas, perenizando o caos urbano e rural, o aumento do desmatamento e a concentração de terras e de renda.
Esses movimentos ocorrem em meio à forte elevação do desmatamento da Amazônia. A devastação cresceu 60% nos últimos dois anos, pondo em risco a meta brasileira de chegar a 2020 com uma redução de 80% na taxa, lançando dúvidas sobre a seriedade do compromisso do governo brasileiro com o Acordo de Paris.
Outras áreas protegidas também estão sob ameaça. Temer nomeou um ruralista radical, Osmar Serraglio (PMDB-PR), para o Ministério da Justiça, ao qual a Funai está subordinada. Serraglio foi o relator, na Câmara, da PEC 215, que viola direitos constitucionais dos índios ao transferir do Executivo para o Congresso a prerrogativa de demarcar terras indígenas. Premiando um militante da injustiça como ministro, Temer toma partido nos conflitos que o governo deveria mediar.
Encontram-se paralisados todos os procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas, titulação de quilombos e criação de assentamentos da reforma agrária e unidades de conservação. O teto de gastos introduzido na Constituição projeta um longo período de arrocho orçamentário para os órgãos e políticas socioambientais – um exemplo é o corte de 43% no orçamento do Ministério do Meio Ambiente em pleno período de alta no desmatamento.
Além das ameaças diretas a áreas protegidas e territórios tradicionais, também pode ser votado na Câmara nos próximos dias o desmonte do licenciamento ambiental. A bancada ruralista, juntamente com a Confederação Nacional da Indústria, vem buscando afrouxar o licenciamento, deixando na mão de Estados e municípios a definição das atividades que precisam de licença – e isentando toda a agropecuária. A vitória dessa proposição, que atropela o diálogo entre governo, congresso e sociedade civil para o aprimoramento deste instrumento, aumentará ainda mais o potencial de tragédias como a ocorrida em Mariana em 2015, além de abrir o caminho para grandes obras, como as investigadas pela Operação Lava Jato, sem qualquer avaliação de impacto.
Nesse cenário, cresce a violência contra jovens, mulheres, trabalhadores rurais, extrativistas, quilombolas e índios. Somente em 2015 foram registrados 50 assassinatos relacionados à luta pela terra e por direitos comunitários. O Brasil é o país onde mais se mata ativistas socioambientais.
Após avanços significativos na redução da taxa de desmatamento e na demarcação de terras indígenas e criação de unidades de conservação na década passada – mantendo ao mesmo tempo forte crescimento econômico, safras recorde e geração de empregos –, o Brasil parece retroceder à década de 1980, quando era um pária internacional devido à destruição acelerada de seu patrimônio natural e à violência no campo.
O país que gosta de se vender ao mundo como parte da solução da crise do clima voltou a ser um problema. A mesma agropecuária propagandeada como a mais sustentável do mundo é a responsável pela grilagem de terras públicas, pela retirada de direitos de povos e comunidades tradicionais e pequenos agricultores e por rasgar os compromissos domésticos e internacionais de redução de emissões.
Em vista desse quadro, o Observatório do Clima: repudia os ataques ao patrimônio nacional e aos direitos da sociedade realizados pelo poder público sob influência de interesses privados; demanda ao Congresso Nacional que não aprove qualquer medida que leve à redução do status de proteção ou eliminação de áreas protegidas, como as Medidas Provisórias 756 e 758, nem qualquer outra medida que fragilize a proteção social e ambiental do país; demanda ao Presidente da República que não recorra mais a MPs para alterar áreas protegidas e vete na íntegra as alterações recentemente propostas pelo Congresso, caso aprovadas; e apoia organizações ambientais e movimentos sociais que juntam forças para fazer frente aos retrocessos, na certeza de que somente o aumento da resistência será capaz de deter e de reverter a atual conjuntura.
Atalanta (SC), 12 de abril de 2017
Assembleia Anual do Observatório do Clima

04 abril 2017

Plant for the Planet: Uma viagem e muitos significados

Por Reinaldo Canto, especial para a Envolverde
Projeto Plant for the Planet da AccorHotels leva camareiras a conhecer áreas de reflorestamento que elas ajudam a manter 
Uma cena bonita de se ver! Moças e rapazes, alguns bem jovens outros nem tanto, se divertindo ao sujar as mãos de terra e plantar uma muda de espécie nativa do bioma Cerrado na belíssima região da Serra da Canastra em Minas Gerais.
A oportunidade de conhecer in loco o resultado de seus esforços cotidianos junto aos hóspedes levou um grupo de 24 profissionais da rede de várias regiões do país, em sua maioria camareiras, para conhecer áreas de restauração florestal que eles têm ajudado a recuperar e que ficam localizadas bem próximas a Usina Hidrelétrica de Furnas e das nascentes do Rio São Francisco.
Mexer com a terra para a maioria não era uma atividade muito comum, mas não que não sejam mãos acostumadas a trabalhar pesado na labuta de limpar quartos diariamente.
O ato de agachar para carinhosamente colocar essa muda de árvore na terra talvez não seja tão diferente na hora de fazer movimentos semelhantes para fazer a limpeza e arrumação dessas unidades. De qualquer maneira, quebrar a rotina e conhecer de perto o significado das inúmeras palestras do projeto Plant for the Planet, tem outro valor que bate forte na autoestima de todos esses profissionais.
Entre passeios e plantio de mudas, muitas das camareiras estavam tendo uma experiência ainda mais significativa para suas vidas, pois algumas delas, nem mesmo haviam saído antes de suas regiões de origem.
É o caso de Joana Paula Taveira, de 34 anos e que trabalha no Hotel Ibis de São Carlos, no interior de São Paulo, há um ano e quatro meses. Até então, ela apenas conhecia os municípios vizinhos a sua região e disse estar muito feliz com a viagem e se sentir muito reconhecida e motivada a partir dessa experiência: “Achei tudo espetacular e aprendi muito”. E, completa, “eu estou agora ainda mais convencida da importância desse trabalho”.
Ao fim da viagem de 4 dias, a sensação unânime entre os participantes era de muita alegria.
Responsabilidade Socioambiental
Unir o útil ao agradável, ou melhor, o social ao ambiental deveria ser o sonho de qualquer empresa ou organização que, além de vender bons produtos e serviços, também compreendem a sua responsabilidade perante a sociedade.
Muitas vezes para ser sustentável é preciso, em primeiro lugar, ter boa vontade e entender a importância de fazer algo positivo, principalmente, se levarmos em conta os já óbvios e nefastos efeitos das mudanças climáticas.
Como por exemplo, o singelo ato de pedir ao seu hóspede no hotel para reutilizar as toalhas ao invés de usa-la uma única vez e já solicitar a troca. Bastando para isso utilizar o simpático argumento de que a cada dia que permanecer com a mesma toalha, uma árvore será plantada. Simples, não?
E para o sucesso de uma empreitada como essa é, sem dúvida, fundamental contar com o engajamento também de funcionários, ainda mais aqueles que atuam na linha de frente e que mantêm contato direto com os clientes, caso nos hotéis, entre outros, das camareiras. Por isso mesmo, paralelamente, a educação ambiental dentro de casa é de grande importância para o convencimento desses profissionais. Porque só é possível “vender” essa ideia de trocar a lavagem de uma toalha por uma árvore se isso fizer sentido para todos os envolvidos, não é mesmo?
Visita ao projeto Plant for the Planet e ao trabalho da ONG Nordesta“O objetivo da viagem foi o de ressaltar a importância das atividades diárias desses colaboradores para o sucesso do programa e mostrar o resultado desse comprometimento na prática”, explica Antonieta Varlese, vice-presidente de Comunicação e de Responsabilidade Social da AccorHotels para América do Sul.
O Plant for the Planet foi criado em 2009 e a ideia da reutilização das toalhas em troca do plantio de árvores é válido para todos os hotéis da Rede Accor (Ibis, Novotel, Grand Mercure, entre outros) e até aqui tem obtido bons resultados no Brasil. Em parceria com a ONG Nordesta (http://www.nordesta.org/pt_BR) que atua na Serra da Canastra já foram plantadas 530 mil mudas nativas em áreas de nascentes de Cerrado e Mata Atlântica, numa área correspondente a, mais ou menos, 418 campos de futebol.
Por vezes o caminho da sustentabilidade pode começar por evitar a troca de uma toalha e obter bons resultados. Mas claro que será preciso avançar ainda mais para que possamos finalmente chegar a um equilíbrio que nos coloque em sintonia com as necessidades humanas e ambientais. O certo é que as boas ações e projetos precisam ser destacadas e multiplicadas!! (#Envolverde)
*Reinaldo Canto é jornalista, Membro do Conselho Editorial do Portal Envolverde, colunista de Carta Capital, ex-diretor de Comunicação do Greenpeace Brasil e do Instituto Akatu, além de professor e especialista em sustentabilidade.