03 maio 2019

Municipalistas querem cidades produtivas e antenadas com o século XXI

ENTREVISTA: Carlos Cruz, presidente da Associação Paulista de Municípios
Por Reinaldo Canto e Rita Nardy, especial para a Envolverde

Carlos Cruz, presidente da Associação Paulista de Municípios. Jornalistas Reinaldo Canto e Rita Nardy
Ao longo do tempo a gestão pública em todos os níveis, mas principalmente a municipal, mais próxima do cidadão, tem sofrido uma crescente pressão. As exigências por eficiência e resultados alcançaram altos níveis demandando os prefeitos a serem mais ousados ao mesmo tempo que sejam capazes de cumprir à risca o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Os atuais prefeitos completaram seus dois primeiros anos de mandato tendo ainda outros dois anos pela frente. Ao mesmo tempo, assumiram novos executivos no âmbito estadual e federal. Serão, portanto, novos desafios no relacionamento com governador, secretários, presidente e ministros. Em tempos de dinheiro curto as tarefas se tornam cada vez mais complexas e os espaços de manobra assim como de orçamento ainda mais curtos.
Os velhos problemas também vão continuar a rondar as administrações municipais em meio à torcida pela recuperação econômica e orçamentos enxutos que precisam dar conta de atender às expectativas de suas respectivas populações.
Enquanto isso as ameaças vinculadas às mudanças climáticas e o aquecimento global; a segurança hídrica da população; o déficit histórico do saneamento básico; o desmatamento e a necessidade de adequação ao Código Florestal; a mobilidade urbana e a cada vez mais complicada gestão de resíduos, para ficar em alguns dos principais problemas ligados à pauta da sustentabilidade, não dão trégua. Esse é o complexo e desafiador cenário que está à frente de Carlos Alberto Cruz Filho, presidente da APM, a Associação Paulista de Municípios até o final de seu mandato em 2020. A entidade que não possui fins lucrativos completou 70 anos em 2018 e já foi presidida por políticos conhecidos como o ex-prefeito da capital, Gilberto Kassab e o ex-governador Orestes Quércia.
Para Cruz que já foi vereador e vice-prefeito de Campinas, desde 2016 na presidência da Associação Paulista de Municípios (APM), as cidades precisam ser mais inteligentes, antenadas com as demandas do Século XXI e capazes de atrair novos investimentos tendo como ponto de partida a vocação do município, ou seja, o que ele possui de competência para produzir. Para ele todos esses fundamentais enfrentamentos caminham lado a lado com uma bandeira histórica da APM que é a repactuação federativa que garanta mais justiça na distribuição dos recursos.
“VAMOS LUTAR SEM TRÉGUA PELA REFORMA TRIBUTÁRIA EM APOIO ÀS GESTÕES DOS PREFEITOS DAS 645 CIDADES DO ESTADO DE SÃO PAULO INDEPENDENTEMENTE DA COLORAÇÃO PARTIDÁRIA OU IDEOLÓGICA”.
Quais as suas prioridades a frente da APM?
CC – Mais do que prioridades nós temos bandeiras que em primeiro lugar é a bandeira histórica que é a Reforma Tributária. Temos uma profunda preocupação com a desigualdade com que os municípios são tratados na arrecadação dos tributos federais. Hoje 70% ficam com a União, 20% com Estados e apenas 10% vão para os municípios, uma completa inversão da pirâmide. Essa concentração na esfera federal faz com que os prefeitos virem pedintes tendo que ir constantemente à Brasília com o “pires na mão”. Vale lembrar sempre que cidadão habita a cidade, não o Estado e nem a União.
A segunda é implementar o artigo 23 da Constituição de 88 (que estabelece as normas de cooperação entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios). E também apoiamos a Reforma da Previdência. Ela é absolutamente necessária ou conseguimos fazer o equilíbrio das contas públicas ou as próximas gerações não terão garantias.
O Sr. tem buscado se aproximar de Câmaras de Comércio internacionais, o que pretende com isso?
CC – Temos conversado muito com muitas empresas estrangeiras. Chinesas, coreanas, até de Israel que tem interesse em saber o que os municípios paulistas têm a oferecer. O agrobusiness em São Paulo, por exemplo, é muito forte. Queremos saber o que eles querem nos vender: iluminação pública? Usina de tratamento de lixo? Parques de captação de energia solar, eólica? Segundo, queremos saber o que você (empresa) precisa pra se instalar aqui. Logística, mão de obra, incentivos fiscais? E, por fim, o que você quer comprar e nós podemos vender? Os diferentes municípios do estado têm vocações e produções bastante diversas.
Nós sabemos que existe, um caminhão de dinheiro no exterior para ser colocado no Brasil. Investidores que esperam principalmente o equilíbrio fiscal para colocar dinheiro aqui. O governador (João Dória, eleito no final de 2018) tem buscado caminhos para atrair investimentos em várias áreas para produção.
Como o Sr. pretende conseguir fazer isso na prática?
CC – Primeiramente por meio do nosso Congresso Estadual de Municípios que será realizado entre 14 e 19 de outubro em Campos do Jordão. Vamos conversar no nosso Congresso com essas câmaras e essas empresas. Mandei convite para o governo chinês participar do Congresso e ele está autorizando empresas chinesas a vir. Muitas empresas chinesas fecharam por questões de passivos ambientais. Mas essas empresas fechadas tem que procurar algum lugar no planeta e o governo chinês apoia essa mudança. Tendo, obviamente que se adequar as leis ambientais nesses locais. Estamos conversando com os prefeitos para que façam parques industriais, condomínios industriais, que possam receber 50 indústrias dessas. Estamos de olho nesse mercado.
Como pretendem identificar essas potencialidades?
CC – Estamos criando uma plataforma de comércio digital para dar ao produtor a possibilidade de vender pelo menor preço, uma Câmara de Comércio e Indústria dos Municípios Paulistas. Países com fortes necessidades de consumo como China com seus mais de 1 bilhão e 300 milhões, a Nigéria que tem 200 milhões de habitantes. Eles querem comprar nossos alimentos. Por isso, nós queremos ajudar os prefeitos a ajudar o seu produtor a vender seus produtos. Nós queremos que essa plataforma seja um grande ambiente de informação. Cada município deverá alimentar essa base de dados. Se tem uma demanda internacional de uma câmara de comércio ou um país necessitando de um produto, a plataforma irá informar qual município ou quais cidades possuem esse produto. Muitos produtores chegam a jogar fora produção, pois não alcançam preço e não tem pra quem vender. Isso a plataforma quer resolver.
O mercado global, principalmente os governos europeus tem critérios ambientais e sustentáveis como um grande diferencial competitivo que impactam nessa relação e fazem diversas exigências para a compra de produtos. Por outro lado, como aumentar a produção, garantir a qualidade e também os impactos que serão grandes aos ecossistemas? Importante também será adotar padrões de qualidade do produto e de como ele é produzido, incluindo mão de obra qualificada. Como resolver todas essas questões?
CC – Como eu disse antes essas empresas que vierem pra cá terão primeiramente que se adequar as nossas leis ambientais. No caso dos nossos produtores precisamos de parcerias como com o Sebrae que realiza workshops, cursos de produtividade para os produtores. Estamos numa fase embrionária ainda. Para atender o mercado no exterior, essa atuação do Sebrae é muito importante. Estabelecer esse padrão internacional. É uma questão de qualificação, capacitação, consciência e competitividade. O melhor produto pode ficar comprometido por um problema identificado lá no começo da cadeia de produção. Isso precisa ser identificado e solucionado com rapidez.
Qual a visão dos prefeitos paulistas sobre a sustentabilidade, qualidade de produtos. Além de pensar nas empresas como capacitar nossos gestores públicos para essas questões?
CC – Isso existe aos montes já temos vários cursos de capacitação. O que temos de criar são novas  parcerias com universidades e entidades.
O gestor público já está preparado para esse novo cenário?
CC – Se ele não está preparado, ele tem que se preparar, pois as exigências de mercado. Nós queremos ajudar o prefeito a ajudar o produtor da sua cidade. Queremos ampliar o círculo de atuação da sociedade que ele participa. Não só cuidar de tapar buraco e resolver o problema da iluminação das ruas. Precisa ir além, uma atuação social mais forte, de liderança na sua cidade. Chamar os produtores para reforçar as suas vocações. Nós vamos dar a ele subsídios para que ele possa deslanchar nessa visão.
Hoje é deficitário na sua experiência?
CC – É sim, falta consciência. Mas existe uma razão. Não é deficiência por falta de vontade e iniciativa. É por falta de recurso.
Existem políticas públicas já estabelecidas no âmbito federal em que os recursos estão disponíveis para os municípios. Mas as prefeituras não conseguem receber esses recursos por falta de projetos.
CC – É isso que eu ia dizer. Essa é uma outra questão. Dinheiro tem, mas não tem projeto, mas isso é facilmente explicável. Campinas, por exemplo, está fazendo um BRT, um corredor enorme. O estado de São Paulo tem 645 municípios. Se pedir pras pessoas enumerarem vão lembrar das  15 principais. Aí se pensar bastante vão talvez chegar, com muito esforço a 45 cidades. Depois esgotou. Sobraram 600 cidades. O que quero dizer com isso é que 75%, 80% dos municípios tem menos de 20 mil habitantes. Aí esse município precisa nomear um secretário de educação, de saúde, de habitação, de esportes, precisa conseguir um gestor competente para a iluminação pública. Onde esse prefeito vai achar pessoas qualificadas em sua cidade para fazer a gestão disso? E esses secretários vão ter que achar outras pessoas para montar suas equipes.
Não acha que esse trabalho em rede na plataforma pode ajudar?
CC – Na plataforma não, mas em cursos. Temos muitos cursos de capacitação e eles precisam ser ampliados.
As Prefeituras não podem trabalhar juntas para tentar solucionar problemas comuns?
CC – É uma tendência. Tem aí os consórcios, pois muitos dos problemas não conseguem resolver sozinhos. Nem pequenos, nem mesmo os grandes.
São casos que extrapolam a atuação de uma única cidade como na gestão da água e dos resíduos sólidos
CC – Gestão das águas, por exemplo, eu firmei um protocolo, convênio de cooperação técnica com o Conselho Regional de Administração que tem um trabalho muito bom nessa área. Eles criaram um programa chamado Gestão das Águas Paulistas. Ferramenta de gestão que visa combater o desperdício da água. Isso é um exemplo de que existem vários organismos que estão preocupados com isso. São coisas que correm em paralelo. Tudo isso vai cair inevitavelmente na falta de recursos. Mesmo que o município tenha essas soluções consorciadas. Tem muito investimento pra vir, por exemplo, na área de saneamento. Os prefeitos estão pressionados. Eles têm prazos a cumprir. A APM possui uma cadeira no CONSEMA (Conselho Estadual de Meio Ambiente) representando os municípios isso há mais de 20 anos.
Como a APM faz a escuta do cidadão?
CC – O Dr. Ulysses Guimarães tinha uma frase: “coitado do político que não sabe interpretar o recado das urnas”. Você tem que pegar o resultado da eleição e interpretar o recado que foi dado ali, muitas vezes nas entrelinhas. Nós temos essa preocupação de fazer essa interpretação. E no país foi dado esse recado da mudança. E nós já sabíamos disso antes, sabe por que? Vou dar um dado que muito provavelmente vocês não saibam: Na eleição municipal de dois anos atrás, 72% dos prefeitos de São Paulo nunca tinham sido nada e nas Câmaras de Vereadores foram eleitos 84% novos. Então a renovação já estava esboçada na eleição municipal. Nós já tínhamos identificado esse sentimento de descontentamento com o status quo.
Agora respondendo a sua pergunta, nosso público alvo é o gestor público e não o cidadão. Quem fala com o cidadão é o prefeito e nós não interferimos na fala dele. Cada um sabe onde o calo aperta. Nós damos/apontamos caminhos sem interferir na liberdade que ele tem de cumprir os compromissos que ele assumiu. Ele foi eleito porque propôs alguma coisa que foi aceita pela maioria. Nosso papel é dar subsídios para que cada vez mais ele tenha uma excelência na gestão. O cuidado de fazer a sintonia fina com o cidadão é dele, prefeito.
Quando tivemos a grande crise hídrica e “descobrimos” que a água é fundamental, pois até indústrias pararam de produzir. Como a APM reagiu na época? E os prefeito como reagiram?
CC – Essa é uma questão muito específica. Nós ficamos observando. Ficamos atentos a abertura de canais de representação coletiva. Interesses individuais até atuamos como parceiros, mas o interesse coletivo é que prevalece. Discutimos isso no Consema, ainda governo Alckmin. Fizemos um papel de intermediário. Secundário, pois não temos essa ingerência. Nós estamos atentos ao movimento dos consórcios.
Exemplo é a questão do lixo, transformando em energia, por exemplo. Haverá discussões como essa no nosso Congresso. Muitas empresas com tecnologias para resolver essas questões. Nós buscamos disponibilizar para os prefeitos tudo o que de mais moderno existe à disposição no mercado, mas quem vai decidir se quer ou não é ele, nós não interferimos de maneira nenhuma.
Essa é a credibilidade da Associação Paulista de Municípios de que não abrimos mão. Pois, quando ligo para um prefeito todos me atendem e por que? Porque tenho notícia que interessa a ele, mas isso não vale para intermediar trabalho de empresa. As empresas devem oferecer seus produtos e serviços em nosso Congresso onde elas pagam pelo espaço. Eu digo pra essa empresa: “em cinco dias você terá oportunidade de falar com pelo menos 200 prefeitos, aproveite”. Não faço negócios, disponibilizo o espaço e novas tecnologias. Quem vai decidir ou não é o prefeito.
Para o que as cidades paulistas precisam estar preparadas?
CC – A cidade precisa entrar no século XXI, as cidades precisam ser cada vez mais cidades inteligentes, seja na mobilidade urbana, na identificação de um vazamento de água, mas pra ter isso precisa cabear a cidade com fibra óptica. Nós fazemos essa indicação. Com wifi, a internet das coisas, a conexão total, conectar com tudo. Temos consciência disso, já fazemos muita coisa e vamos fazer mais!
Qual a mensagem que a APM passa para os prefeitos quanto aos cuidados com os ativos ambientais do estado. Seja a água, seja economia circular, reciclagem, seja qualidade do ar e nossas florestas?
CC – Primeiro é a questão da consciência. Nós estamos sempre plugados com as tendências cada vez maiores. Quando teve uma inversão térmica e uma forte nevasca nos Estados Unidos o Trump não reconheceu que aquele era um fenômeno extremo e violento, ele disse: ”cadê o aquecimento global? Olha a minha rua cheia de neve”. Aí você pergunta por que os chineses ultrapassaram os Estados Unidos? A explicação é simples: enquanto o chinês está preocupado em colonizar o lado escuro da lua, ele está preocupado em construir um muro. Isso não dá!
Consciência, por mais que o país queira a mudança, o nosso presidente não se conscientizou ainda que não foi ele que foi eleito. Foi um forte sentimento de mudança e é isso que tentamos passar para os nossos prefeitos todos os dias, inclusive nessas questões ambientais.
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