19 junho 2009

CARRO: STATUS OU ELEFANTE BRANCO?

Já se passaram sete anos desde que, na mesa de um restaurante com amigos queridos, fiz uma comunicação que estarreceu a todos: vou ficar sem carro. Havia acabado de me separar e o reluzente Audi A3 ficou com a minha ex na divisão da partilha.

Os amigos se entreolharam e devem ter pensado: coitado, deve estar sem dinheiro; ou infeliz, desiludido da vida, separado aos 40 anos, a vida não deve fazer mais sentido.

Naqueles breves momentos, antes de se mudar de assunto para outros temas menos “chocantes”, percebi, nitidamente, que as pessoas me olhavam com ar de pena e que por pouco não recebi os pêsames, transmitido por vozes embargadas. Apenas argumentei que por morar próximo da Avenida Paulista, trabalhando no Greenpeace que, na época, localizava-se em Pinheiros, a vinte minutos de minha casa, não via necessidade de ter um trambolho de uma tonelada para me servir como meio de transporte. Concluí que ônibus, metrô e eventualmente táxis eram soluções mais econômicas e menos estressantes.

De lá pra cá não mudei de ideia e os meus compromissos profissionais não me obrigaram a ter e manter um transporte individual. E, nesse tempo todo, a situação do transporte em São Paulo também piorou muito, só corroborando minhas convicções.

Também quero deixar bem claro que não é por trabalhar com comunicação ambiental que abandonei o transporte individual. Seria uma atitude muito idealista e altruísta da minha parte se dissesse isso, mas também mentirosa. Na verdade, eu sou daqueles ETs que não gostam de carro. Sinto-me preso e estúpido dentro de uma máquina parada num congestionamento, sem poder simplesmente descer e sair andando no meio de motoristas irados. Já o transporte coletivo me permite tais atitudes de reação ao “saco cheio” do trânsito. Nessas horas, caminhar pode ser a solução.

Há uns dois meses, tive a grata satisfação de ler um artigo do Matthew Shirts, colunista do Estadão, em que ele falava exatamente disso. Da sensação de liberdade que passou a sentir ao abandonar o carro e sair caminhando pelas ruas da Vila Madalena. Ao encontrá-lo, trocamos rápidas impressões sobre o assunto que tem deixado de ser tabu. Afinal, até onde eu sei, o ser humano não nasce com quatro rodas!

Creio que, atualmente, tal atitude seja menos classificada como outsider, já que as condições de tráfego nos grandes centros pioraram exponencialmente. Numa cidade como São Paulo então, não resta dúvida quanto às dificuldades enfrentadas pelos motoristas.

No começo de abril, o caderno especial Origem/Destino, publicado pelo jornal O Estado de São Paulo, concluiu o que todos nós já sabemos por experiência cotidiana: o tempo usado nos deslocamentos vem aumentando constantemente. Hoje, esse tempo é de 70 minutos diários por pessoa. Em uma década, aumentou 10 minutos por pessoa. Se a isso somarmos o fato de que uma pesquisa sobre dificuldades de deslocamentos indicou que, entre 164 cidades do mundo, São Paulo ocupa o lugar 156, portanto, entre as mais complicadas de se andar, abrir mão do transporte individual deveria estar muito longe de ser considerada uma ação insensata.

Vale dizer que São Paulo ainda está à frente de duas importantes capitais nacionais (Florianópolis e Rio de Janeiro), consideradas pelo estudo mais caóticas e nas últimas posições da pesquisa.

E qual a tendência para o futuro? PIORAR MUITO!!
Quais as ações de políticas públicas no sentido de solucionar ou ao menos minorar essa situação? NENHUMA!!

Você imaginaria qual resposta seria dada por um alto executivo da indústria automobilística sobre o futuro do seu negócio? Alguém apostaria numa resposta diferente de “vender cada vez mais veículos”?

Quando a crise econômica se aprofundou, uma das mais rápidas decisões do governo brasileiro para enfrentá-la foi exatamente a redução do IPI dos veículos. Entenda-se tal medida como a da velha economia: produção e consumo aquecidos, manutenção dos níveis de emprego e nenhuma preocupação com os efeitos a longo prazo.

Além de entupir as ruas de nossas cidades e ampliar os níveis de poluição do ar, a cadeia de produção da indústria automobilística é intensiva em uso de energia, água e matérias-primas extraídas sem pudor nem dó da natureza. Isso significa que, do ponto de vista do planeta, essa atividade é totalmente insustentável e, portanto, sem futuro, seja pelo bem ou pelo mal.

Há muito tempo o carro deixou de ser um bem para se tornar uma commoditie. Em algumas classes sociais, já é comum trocar de carro como se troca de celular.

O Presidente Lula, em nome da velha economia, exulta o fato de integrantes das classes C e D, hoje, terem maior acesso a veículos. Isso é verdade, mas a que custo?

Não está na hora de mudarmos essa maneira de enxergar o progresso pessoal vinculado diretamente ao uso e trocas constantes de bens materiais?

Será que possuir um carro realmente significa status? Assim como determinados anúncios “vendem” a felicidade e o paraíso em forma de produtos de consumo?

Ressalto, ao final desse meu texto, que não farei uma afirmação como: “dessa água jamais beberei novamente”! Vou relutar o quanto puder, mas, se preciso for, irei comprar um carro. Portanto, sei também que muita gente precisa do carro até porque o nosso transporte coletivo não atende satisfatoriamente às necessidades das pessoas. O que peço, aos que por ventura me lerem, é que façam uma reflexão sobre o uso do transporte individual:

Você realmente precisa dele? Ok, precisa mesmo!

Você não poderia às vezes optar pelo transporte coletivo? Ou mesmo caminhar a pé? Ok, nem sempre é possível!

Tudo bem, mas pelo menos abandone a ideia de que um carro é um privilégio e um status. Basta você olhar para o interior dos outros milhares de veículos a sua frente, ao seu lado e atrás de você, nos imensos congestionamentos que você enfrenta diariamente. Será que ali, naqueles veículos, estão pessoas orgulhosas de seus status de motoristas imobilizados? Acho difícil.

A reflexão sobre essas questões talvez seja o primeiro passo que vá contribuir para uma verdadeira mudança de comportamento. Quem sabe um dia desses a gente não bata um papo numa caminhada pelas ruas de São Paulo? Você vai se surpreender com quanta coisa nova a cidade vai lhe mostrar. Isso sim é que é privilégio!!

O QUE SUSTENTABILIDADE TEM A VER COM CIDADANIA

Foi no final de 2002 ao participar do evento Imprensa Verde em Belo Horizonte, que o Secretário de Meio Ambiente da cidade falou sobre uma reclamação freqüente da população: a sujeira constante da Praça Independência, no centro da cidade. Ele explicou que ali eram feitas de 4 a 5 varrições diárias, mesmo assim, a praça estava sempre suja.

Isso me fez refletir sobre o que de verdade acontece com o espaço público notadamente em nosso país. O que faz com que ocorra esse desrespeito ao que pertence a todos? Jogar lixo nas ruas, canteiros e praças é tão comum que já não nos espanta. Por vezes, é verdade, incomoda e, imediatamente, nossa ira é direcionada ao serviço público sempre chamado de ineficiente e corrupto.

Voltando ao secretário da capital mineira, ele fez a seguinte pergunta aos presentes: o que deveria ser feito? Aumentar o número de varrições o que talvez prejudique a realização de alguma outra atividade ou as pessoas poderiam deixar de jogar lixo na praça e utilizar as lixeiras ali presentes? Isso nos faz refletir, pois se existe a responsabilidade do setor público, qual é a responsabilidade individual do cidadão? Não é também zelar pelas melhores condições dos espaços coletivos? Ou será que devo cuidar apenas do que realmente me pertence e a minha família?

Se o que é público não nos pertence, interessante verificar como no sentido oposto existem aqueles que querem se apossar do patrimônio público. Quem não conhece exemplos de condomínios que fecham ruas públicas, impedindo que outras pessoas exerçam o direito de ir e vir; de terras griladas pertencentes à União ou mesmo fechar praias transformando um patrimônio nacional em propriedade privada?

Outros exemplos como bares e estabelecimentos comerciais que ocupam calçadas restringindo a livre circulação. Além do flagelo das vagas públicas de veículos que se tornam particulares para serem exploradas por grupos ou reservadas para comércio e edifícios.

Todos esses exemplos, tanto do espaço público como terra de ninguém, as tentativas de se apoderar dos bens coletivos, pertencem ao mesmo círculo vicioso que coloca nossos interesses individuais acima dos coletivos. Não é à toa que motoristas desrespeitem todo o tempo as mais banais leis de trânsito, em nome do seu direito individual de se sobrepor ao direito geral.

Como afirma o jornalista Dal Marcondes ao fazer uma reflexão ao observar de uma esquina durante apenas cinco minutos, 35 infrações de trânsito: - se não é possível manter um guarda em cada esquina, seria perfeitamente viável ter um cidadão em cada veículo. E aí muitos dos nossos problemas coletivos seriam minimizados ou simplesmente desapareceriam.

Ainda podemos citar o incrível e recorrente desrespeito à faixa de pedestres. Mesmo em flagrante desrespeito ao Código Brasileiro de Trânsito, os motoristas exercem o poder supremo diante do frágil pedestre. O respeito quando ocorre só diante de um outro igual, ou seja, outro veículo. Em São Paulo, assim como na esmagadora maioria das cidades brasileiras – com salutares exceções como Brasília e Goiânia – aquele que anda a pé é visto como um cidadão de segunda classe. Se não caminha sobre rodas deve se resignar a pelo menos não atrapalhar o fluxo dos motorizados.

Bem tudo isso para voltar ao título desse artigo: afinal, o que cidadania tem a ver com sustentabilidade?

Vale recordar o que cada um deles tem com definição:

Sustentabilidade refere-se a capacidade de atender às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades. Em outras palavras, é o equilíbrio na convivência entre o homem e o meio ambiente. Isso significa cuidar dos aspectos ambientais, sociais e econômicos e buscar alternativas para sustentar a vida na Terra sem prejudicar a qualidade de vida no futuro.
Já Cidadania (do latim,civitas,"cidade"), é o conjunto de direitos, e deveres ao qual um indivíduo está sujeito em relação à sociedade em que vive. Primeiramente, o conceito de cidadania sempre esteve fortemente atrelado à noção de direitos, especialmente os políticos. De maneira a permitir que o indivíduo intervenha, participe das decisões dos negócios públicos do Estado, de modo direto ou indireto. Desde a formação do governo e de sua administração. E esses direitos também são acompanhados de uma contrapartida de deveres em prol da coletividade, ou seja, o respeito aos direitos individuais e coletivos que trazem benefícios a sociedade em geral.
Diante desses conceitos, é possível afirmar que cidadania e sustentatibilidade tem tudo a ver!! Afinal, se cidadania é essencialmente respeito aos direitos coletivos, sustentabilidade também o é! Praticamente nasceram um para o outro apesar de muitos séculos separarem seus respectivos nascimentos. Pois se tivermos noção dos direitos e deveres coletivos e das nossas responsabilidades individuais estaremos caminhando em direção a um mundo mais harmônico, gentil e respeitoso entre humanos e, consequentemente também em relação a todas as espécies que nos cercam.

Portanto, CIDADANIA E SUSTENTABILIDADE PARA TODOS JÁ!