Ouvi de pessoas diferentes, em situações também bastante distintas, frases que remetem ao mesmo problema, a ausência de noções de cidadania.
No primeiro caso, uma manifestação de revolta contra a inspeção veicular, problema relativamente novo para proprietários de carros em São Paulo. O debate, em sala de aula, levou até mesmo ao questionamento sobre o rodízio, “pago meus impostos, portanto, tenho o direito de usa-lo quando quiser”. Revolta situada, neste caso, na classe média emergente.
Agora a cena viaja até uma região periférica de qualquer cidade brasileira. Nesse caso uma dona de casa usa a água encanada e tratada para varrer a calçada em frente de casa. Ao ser questionada pelo desperdício de um bem tão precioso, invariavelmente, a resposta será um sonoro “cuide da sua vida” acompanhado de: “a calçada é minha, a mangueira é minha e sou eu que pago a água”.
Situações distintas, mas comuns, infelizmente bastante corriqueiras com variedade imensa de exemplos a percorrer todas as classes sociais tupiniquins.
E é possível afirmar que talvez esse tipo de comportamento seja sintoma de nossa indigência como sociedade ainda pouco familiarizada com direitos e deveres comuns a uma coletividade.
Por essa razão para que um dia possamos atingir algum grau de equilíbrio e sustentabilidade, tanto do ponto de vista de uso dos nossos sofridos e maltratados recursos naturais, quanto do compartilhamento saudável do espaço urbano, antes será preciso alcançarmos o entendimento sobre o que significam os bens públicos e universais.
Saber que, antes de mais nada, o fato de poder pagar por algo não significa automaticamente fazer o que bem entender com esse bem. Refletir que o pagamento de impostos ou a provável corrupção de terceiros não nos confere o direito de usurpar e interferir no direito dos outros ou comprometer a disponibilidade de recursos coletivos (água, energia, parques, entre os principais).
Essa questão acaba por ser ainda mais relevante diante do fenômeno da urbanização. A humanidade passou a viver majoritariamente em cidades desde 2008 pela primeira vez em nossa história, segundo as Nações Unidas. Portanto em um mundo antes mais descentralizado e espalhado, o ser humano teria, em hipótese, de se preocupar menos com o conforto alheio. Hoje isso mudou e vai mudar ainda mais com o aumento da densidade populacional em grandes aglomerados urbanos.
Seja quanto ao uso da água, do carro, do aparelho de som e até mesmo ao desfrutar de momentos de lazer em um parque ou área pública, bastaria apenas exercitar a velha máxima, “não fazer com os outros, o que não quero que façam comigo”, na maioria das vezes é simples assim.
Podemos e devemos evitar as pequenas violências diárias, que obviamente não são passíveis de enquadramento no Código Penal, mas nem por isso deixam de ser alvo de protestos e indignações.
Viver em sociedade é uma arte, a arte da tolerância, da solidariedade e do bom senso. O exercício cotidiano da cidadania, começando nos atos mais básicos e comuns, vai facilitar em muito o nosso caminho em busca de uma cidade e um mundo mais sustentável e agradável para se viver.
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