Os apologistas da “liberdade de expressão comercial” devem ter ficado revoltados com a recente decisão do Conar (Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária), de vetar, isso mesmo vetar, toda forma de publicidade indireta infantil, ou seja, o chamado merchandising dentro de programas, desenhos e novelas, dirigida a menores de 12 anos. Segundo a decisão do órgão criado e mantido pelas agências de publicidade.
A partir de 1º de março, a propaganda deverá se restringir tão somente aos horários de intervalo comercial. Para o Conar e também para a ABA (Associação Brasileira de Anunciantes), esta última proponente da medida, “propaganda tem de ter cara de propaganda”.
A indignação inicial dos defensores intransigentes da liberdade total, irrestrita e absoluta, pode ter dado lugar a uma sensação, até mesmo de orgulho e superioridade, após uma profunda reflexão regada a um necessário coquetel de calmantes e um chazinho relaxante. Ao invés de ficarem remoendo a vil traição do Conar aos princípios mais sagrados do livre mercado, na verdade, a leitura poderia ser outra, a da enorme capacidade de serem suficientemente altruístas e repleto de bons propósitos. Pois vejam só, o setor publicitário decidiu por ele mesmo, agir em prol de nossas pobres criancinhas, antes que leis autoritárias e governos babás da sociedade, decidissem infringir direitos inalienáveis dos homens e mulheres livres.
Já dizia o ditado, antes os anéis do que os dedos, não é mesmo?
Sem querer querendo sou obrigado a estragar esse momento tão bonito de nossos divinos publicitários: o Conar nada mais fez do que exigir do mercado o cumprimento do que determina o Código de Defesa do Consumidor ao proibir o merchandising infantil.
Muito trabalho pela frente
Mal o Conar baixou a norma para o setor, o SBT permanece irredutível quanto à promoção de produtos na novela infantil Carrossel e nas adiantadas negociações para vendas de merchandising em sua sucessora, Chiquititas (publicado no jornal O Estado de São Paulo, de 14/02).
Resistências revelam as dificuldades óbvias de adesão a uma medida que reduzirá o faturamento e novas defecções poderão ocorrer ainda pelo caminho. Veremos as atitudes que o Conar tomará em relação a essas rebeldias.
Não é nada, não é nada …
Claro que é preciso considerar positiva tal atitude. Ao menos para mostrar a raivosos trogloditas que até mesmo o mercado possui algum limite. Um mínimo de coerência e bom senso será sempre um bom começo, mas não deve ficar só nisso. Como medida inicial capaz de conter um mercado descontrolado e deixar de enxergar crianças como consumidores desprotegidos a serem fisgados, não importam de que maneira, foi uma boa iniciativa.
De qualquer forma, o fim do merchandising é só um tímido começo, a publicidade infantil deve continuar sendo combatida por todos que desejam um mundo mais sustentável, menos consumista e que se baseie em valores mais humanos e menos mercadológicos.
Muitos países desenvolvidos já aderiram às leis que restringem ou mesmo proíbem a propaganda dirigida às crianças. Mais cedo ou mais tarde, como já aconteceu com propagandas de bebidas alcoólicas e cigarros, um país para ser chamado de civilizado, terá de adota-las. Espero que isso ocorra em breve. Assim linhas irônicas escritas nesse espaço, possam ser finalmente, transformadas em sinceros elogios.
*Reinaldo Canto é jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de Comunicação do Greenpeace e coordenador de Comunicação do Instituto Akatu. É colunista da revista Carta Capital, colaborador da Envolverde e professor de Gestão Ambiental na FAPPES.
Artigo publicado originalmente na coluna do autor no site da revista Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/os-limites-da-selvageria/
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