13 dezembro 2009
COP-15: CASA DE FERREIRO, ESPETO DE PAU
Reinaldo Canto, direto de Copenhague para a Envolverde
Milhares de folhetos, manuais, livros e papéis diversos sendo impressos vertiginosamente revelam uma face da COP
O velho ditado do título representa uma das muitas dificuldades enfrentadas por todos nós que trabalhamos com sustentabilidade, mas habitamos um mundo real cheio de contradições e difíceis quebras de paradigma e comportamentos arraigados.
Pois como explicar a quantidade enorme de papéis que circula em todas as áreas do Bella Center, o enorme pavilhão que abriga a COP-15 aqui em Copenhague, quando justamente se discute a adoção de uma considerável redução nas emissões de gases de efeito estufa?
Muitos poderão alegar que todos esses materiais têm o mérito de fornecer informações e caminhos para o combate aos efeitos do aquecimento global. Mas será que realmente são necessários? Todos eles?
A responsabilidade, sem dúvida, deve ser dividida por todos. Segundo as Nações Unidas, organizadora do evento, as centenas de impressoras espalhadas pelo complexo que trabalham sem parar, precisam estar ali, pois as delegações tem o direito de fazer cópias de todos os materiais que assim desejarem, sem interferência ou ações restritivas da ONU. Ok, é uma questão diplomática. Mas será que todos precisam imprimir tanto e o tempo todo? Aqui no Bella Center a resposta não pode ser a falta de computadores para a leitura desses documentos e a fácil disponibilidade para se fazer cópias em pen-drives ou CDs. Há disponibilidade para todos e a qualquer hora do dia.
E o que dizer das Organizações Não Governamentais? Quase sem exceção os stands da área de exposições estão repletos de materiais, muitos belíssimos e bem feitos vale destacar. Eles não poderiam ter sido, em sua maioria, disponibilizados digitalmente?
Creio que dois exemplos possam demonstrar porque esse tema me chamou ainda mais a atenção nesta primeira semana de COP-15. Um deles diz respeito ao anúncio da divulgação dos primeiros textos oficiais que buscam o sonhado acordo global. Os jornalistas ávidos por conhecer o seu conteúdo foram, obviamente, atrás de quem tinha acesso a esse texto. Cópias impressas, então, começaram a surgir e a ser copiadas em ritmo industrial. Se eram textos oficiais, em primeiro lugar, para que causar esse estresse a quem queria obter o material precisando literalmente como eu fiz, “correr atrás”? E se, novamente, eram oficiais, por que não foram diretamente para o site da COP-15? Alguns poderiam até obter uma cópia impressa, mas muitos como eu, teríamos uma vida até mais fácil para trabalhar, simplesmente tendo à disposição, uma cópia digital.
Agora, o segundo exemplo demonstra como os caminhos podem ser tortos na luta por fazer, como muitos dizem, o “bem”. Do lado de fora do Bella Center, dezenas de seguidores da vietnamita “Mestre Suprema Ching Hai” distribui enorme quantidade e sem limites, livros que fazem campanha pelo vegetarianismo, acompanhados de folhetos e guias com explicações sobre a proposta e sobre a trajetória da “Mestra Suprema” quase na mesma proporção. Tentei obter os números dessa distribuição, mas não obtive sucesso. O que não resta dúvidas é que todos os cerca de 20 mil participantes que já circularam pela COP-15 tiveram acesso aos materiais de Ching Hai. Os dois livros até agora distribuídos são: um sobre cães e outro sobre pássaros. Capa dura e papel couche luxuoso, os livros são bem ilustrados e o gosto...bem, cada um tem o seu!
Nos primeiros dias os livros forem entregues na saída da conferência aí incluído um kit composto de uma sacola com folhetos. Ao tomarem contato com o conteúdo muitos dos participantes foram se desfazendo desse material, nos lixos das estações de metrô e trem, no interior dos vagões e sabe se lá onde mais.
Já nos dias posteriores era possível encontrar os livros e os folhetos de Ching Hai em todos os cantos do Bella Center. Não quero aqui colocar em cheque a causa defendida por ela e o seu trabalho realizado em defesa do vegetarianismo e dos animais. Até porque como diz o seu site “Ching Hai é uma mestra viva que conseguiu completa iluminação no Himalaia, usando uma técnica de meditação baseada na contemplação de luz e som internos”. Também informa o site oficial que ela é reconhecida internacionalmente por presidentes e estadistas pelas atividades humanitárias e socorro prestado em catástrofes nos cinco continentes e, além do mais, “possui contato direto com Deus”. Longe de mim, portanto, questionar suas intenções. Faço apenas a pergunta que pontua esse artigo: será preciso tanto papel para divulgar essa causa? Afinal, as árvores que se transformaram em papéis, em geral, também são grandes aliadas dos animais? Não recebi a resposta quando perguntado, mas vou continuar tentando.
Procurei usar esses fatos, para demonstrar que o caminho ainda é muito longo na busca pela sustentabilidade. Esses papéis, com certeza representam uma pequena parcela das emissões causadas pela COP-15 (como os materiais vêm de fontes muito diferentes, a ONU não chegou a esse cálculo. E informações já divulgadas dão conta de que 90% dos impactos causados pela conferência têm origem nas viagens aéreas dos participantes). Também acredito, aliás, espero, que esses materiais impressos sejam originários de madeira certificada e de reflorestamento.
Independentemente dos pequenos impactos e das enormes contribuições que todos estão se esforçando por dar a esse encontro histórico, é preciso refletir sobre esses atos. Antes de mais nada, essas pessoas aqui presentes, devem representar os grandes exemplos para as mudanças que esperamos que ocorram no mais breve tempo possível.
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