25 março 2013

Pouco a comemorar no Ano Internacional da Água


É até difícil ter que falar de sua importância. De tão óbvio chega a ser redundante: lembrar o quanto esse bem natural é essencial para a nossa existência. Mas o fato é que a água sofre com o desprezo e os maus-tratos generalizados.  São governos, empresas e populações que consideram, ou melhor, não consideram a água como algo indispensável e fundamental.
 Foto: Thiago Foresti
Foto: Thiago Foresti

Cheguei a usar o bom humor ao retratar uma fictícia animação “Rebelião das Águas” (disponível clicando AQUI) para ressaltar o quanto devemos cuidar da água, pois, sem ela, nós não sobreviveríamos.
Em sala de aula e palestras costumo dizer que o petróleo é visto como mais importante que a água, pois rende royalties e é reverenciado como riqueza, enquanto a água, coitada, é usada de modo muitas vezes aviltante, até mesmo para varrer calçadas, lavar carros, além de outros incontáveis absurdos.
E longe de mim falar mal do petróleo! Ele foi e é responsável por importantes avanços e grandes progressos da humanidade. Mas faça um simples exercício: se o petróleo simplesmente desaparecesse de uma hora para outra, o que aconteceria? No mínimo um grande caos e a quebra de economias pelo mundo afora, entre outras terríveis consequências. Agora, pense o mesmo para a água. Qual o resultado? Somente a extinção da vida no planeta. Aí pergunto novamente: o que é mais importante, a água ou o petróleo?
Prejuízo em números: desperdício de água tratada causa perda de bilhões de reais
Tanta obviedade sobre os cuidados que deveriam ser tomados já deveriam ter sido percebidos, assimilados e corrigidos. Se a água sofreu agressões e contaminações, se em muitas partes do mundo ela já se tornou escassa e se nas grandes regiões metropolitanas do país é necessário buscar o líquido em lugares cada vez mais distantes, temos agora consciência dos desafios e das ações urgentes para mudar essa realidade?
Infelizmente parece que ainda não! Pesquisa divulgada recentemente pelo Instituto Trata Brasil constatou que, as empresas responsáveis pelo tratamento de água no Brasil, perdem em média 35,7% ou cerca de 10 bilhões de reais de faturamento causados por vazamentos, ligações clandestinas e problemas de medição, entre seus principais fatores.
Os problemas de vazamento decorrem da idade avançada e falta de manutenção de boa parte das instalações e encanamentos existentes. As maiores perdas ocorrem no Norte (51,55%) e no Nordeste (44,93%), regiões nas quais as suas populações estão acostumadas a sofrer muito com problemas de abastecimento de água.
A título de comparação, no Japão, o desperdício das empresas de tratamento de água não passa de 3%.
Segundo os pesquisadores responsáveis pelo estudo, as perdas de água e de faturamento representam um dos maiores desafios para a expansão das redes de distribuição de água e até mesmo para a ampliação do saneamento básico no Brasil. O dinheiro que deixa de entrar no caixa das empresas poderia ser utilizado para obras de infraestrutura, mas escorre junto com a preciosa água, pelos buracos da ineficiência.
Pouco a comemorar, mas muito por fazer
O dia 22 de março é o Dia Mundial da Água. Mas em 2013 as Nações Unidas foram além e proclamaram o Ano Internacional da Cooperação da Água, visando chamar a atenção de todos para a importância de se fazer o manejo sustentável dos recursos hídricos.
E já que todos os dias do ano foram destinados a pensar sobre o melhor uso e interromper o grande ciclo de bobagens feito até hoje, talvez seja hora de reverencia-la destinando a ela, água, todo o respeito e carinho que sempre fez por  merecer. Da próxima vez que olhar para esse líquido tão familiar ao nosso corpo, reflita sobre seus hábitos, a maneira como interage e utiliza esse insumo poderoso e vital. Tenho certeza que a partir dessa reflexão estará sendo construída uma nova relação de amor feliz e sustentável.
Água é vida! Um brinde à nossa saúde!

14 março 2013

Áreas contaminadas no passado assombram o futuro e cobram seu preço


Duas notícias ocuparam simultaneamente os espaços da mídia nos últimos dias, de maneira independente, apesar de possuírem mais pontos em comum do que se poderia esperar à primeira vista. Uma inclusive está bem próxima de seu final e a outra apenas começa a trilhar um caminho repleto de dramaticidade. A primeira envolve 1.068 ex-trabalhadores de uma fábrica em Paulínia, cidade próxima a Campinas (SP), enquanto na segunda, 1.200 pessoas estão em busca de moradia na região norte da capital paulista. Tão distintas e mesmo assim, tão próximas. Pois ambas estão unidas pelo mesmo problema comum: a contaminação.
Acordo garante indenização de 370 milhões de reais a ex-funcionários
A de Paulínia, que está sendo chamada de a maior ação trabalhista no Brasil, deverá garantir aos ex-empregados da fábrica de agrotóxicos, uma indenização de, aproximadamente, 180 mil reais para cada trabalhador, pela exposição a diversas substâncias tóxicas. A fábrica primeiro pertenceu à Shell do Brasil (atual Raízen) nos anos 70 e, posteriormente, foi adquirida pela Basf no ano de 2000, até que dois anos depois foi interditada e fechada pelo Ministério do Trabalho.
Para se chegar ao alto valor da indenização foram realizados diversos laudos anexados ao processo, entre eles, exames em 69 trabalhadores que apresentaram uma média de seis doenças diferentes.
A ação tramitava desde 2007 e agora um acordo estabeleceu o montante a ser pago a cada trabalhador, além de 200 milhões de reais que serão destinados pelas empresas (Raízen e Basf) para a construção de uma Maternidade em Paulínia e a entidades como o Crest de Campinas (Centro de Referência à Saúde do Trabalhador) e à Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro).
As empresas relutaram muito em aceitar o acordo e, mesmo em nota, a Raízen, sucessora da Shell, afirma possuir estudos comprovando que a contaminação ambiental não foi responsável por afetar a saúde dos trabalhadores. Bem ou mal, podemos dizer que se chegou a um final “feliz”, entre aspas, pois não será o dinheiro que irá recuperar a saúde dos trabalhadores.
Famílias ocupam área contaminada
Muito diferente e longe de qualquer solução minimamente positiva está o caso das famílias pertencentes ao movimento Frente de Luta por Moradia (FLM). Há dois meses elas ocuparam um terreno onde antes funcionou um aterro sanitário, no bairro da Vila Nova Cachoerinha, em São Paulo.
Estive lá e conversei com as lideranças do movimento. Elas disseram já ter passado mal, inclusive as suas crianças, com sintomas de náusea, vômitos, entre outros, provavelmente causados pelo gás metano. A própria Cetesb, órgão ambiental do estado de São Paulo, já havia declarado a área imprópria.
As famílias alegam não ter para onde ir, apesar dos riscos de contaminação e até mesmo de explosão, pois o metano é um gás bastante instável e altamente inflamável. Uma difícil e delicada situação que merece toda a atenção das autoridades para uma rápida solução que leve em conta, com todos os cuidados necessários, a preservação de direitos e da dignidade das pessoas.
Um problema mais comum do que podemos imaginar
O exemplo de Paulínia nos dá a esperança de ações punitivas a quem merece. Já a história das famílias da Zona Norte de São Paulo nos enche de tristeza ao ver as crianças com suas mochilas saindo cedinho da área ocupada para estudar, sem a garantia de voltar para um lugar que lhes garanta conforto, segurança e a preservação de sua saúde.
Existem muitas situações como essas em todo o Brasil. São ex-lixões e aterros, fábricas desativadas, terrenos utilizados legalmente ou ilegalmente para despejo de materiais tóxicos, posteriormente cobertos e abandonados como se o problema estivesse sumariamente eliminado. Doce ilusão. O passado cobra um preço muito alto para os desmandos sejam eles conscientes ou frutos apenas de uma ignorância inconsequente. O certo é a urgência de denunciar e exigir dos responsáveis a identificação e a descontaminação de todas as áreas. O futuro agradece.

02 março 2013

Cidadania e Sustentabilidade fazem parte da mesma equação


Ouvi de pessoas diferentes, em situações também bastante distintas, frases que remetem ao mesmo problema, a ausência de noções de cidadania.
Foto: Christopher Craig/Flickr
Foto: Christopher Craig/Flickr
No primeiro caso, uma manifestação de revolta contra a inspeção veicular, problema relativamente novo para proprietários de carros em São Paulo. O debate, em sala de aula, levou até mesmo ao questionamento sobre o rodízio, “pago meus impostos, portanto, tenho o direito de usa-lo quando quiser”.  Revolta situada, neste caso, na classe média emergente.
Agora a cena viaja até uma região periférica de qualquer cidade brasileira.  Nesse caso uma dona de casa usa a água encanada e tratada para varrer a calçada em frente de casa. Ao ser questionada pelo desperdício de um bem tão precioso, invariavelmente, a resposta será um sonoro “cuide da sua vida” acompanhado de: “a calçada é minha, a mangueira é minha e sou eu que pago a água”.
Situações distintas, mas comuns, infelizmente bastante corriqueiras com variedade imensa de exemplos a percorrer todas as classes sociais tupiniquins.
E é possível afirmar que talvez esse tipo de comportamento seja sintoma de nossa indigência como sociedade ainda pouco familiarizada com direitos e deveres comuns a uma coletividade.
Por essa razão para que um dia possamos atingir algum grau de equilíbrio e sustentabilidade, tanto do ponto de vista de uso dos nossos sofridos e maltratados recursos naturais, quanto do compartilhamento saudável do espaço urbano, antes será preciso alcançarmos o entendimento sobre o que significam os bens públicos e universais.
Saber que, antes de mais nada, o fato de poder pagar por algo não significa automaticamente fazer o que bem entender com esse bem. Refletir que o pagamento de impostos ou a provável corrupção de terceiros não nos confere o direito de usurpar e interferir no direito dos outros ou comprometer a disponibilidade de recursos coletivos (água, energia, parques, entre os principais).
Essa questão acaba por ser ainda mais relevante diante do fenômeno da urbanização. A humanidade passou a viver majoritariamente em cidades desde 2008 pela primeira vez em nossa história, segundo as Nações Unidas. Portanto em um mundo antes mais descentralizado e espalhado, o ser humano teria, em hipótese, de se preocupar menos com o conforto alheio. Hoje isso mudou e vai mudar ainda mais com o aumento da densidade populacional em grandes aglomerados urbanos.
Seja quanto ao uso da água, do carro, do aparelho de som e até mesmo ao desfrutar de momentos de lazer em um parque ou área pública, bastaria apenas exercitar a velha máxima, “não fazer com os outros, o que não quero que façam comigo”, na maioria das vezes é simples assim.
Podemos e devemos evitar as pequenas violências diárias, que obviamente não são passíveis de enquadramento no Código Penal, mas nem por isso deixam de ser alvo de protestos e indignações.
Viver em sociedade é uma arte, a arte da tolerância, da solidariedade e do bom senso.  O exercício cotidiano da cidadania, começando nos atos mais básicos e comuns, vai facilitar em muito o nosso caminho em busca de uma cidade e um mundo mais sustentável e agradável para se viver.

19 fevereiro 2013

Os limites da Selvageria


Os apologistas da “liberdade de expressão comercial” devem ter ficado revoltados com a recente decisão do Conar (Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária), de vetar, isso mesmo vetar, toda forma de publicidade indireta infantil, ou seja, o chamado merchandising dentro de programas, desenhos e novelas, dirigida a menores de 12 anos. Segundo a decisão do órgão criado e mantido pelas agências de publicidade.
Quais os limites da publicidade infantil? Foto: Istock Photos
Quais os limites da publicidade infantil? Foto: Istock Photos
A partir de 1º de março, a propaganda deverá se restringir tão somente aos horários de intervalo comercial.  Para o Conar e também para a ABA (Associação Brasileira de Anunciantes), esta última proponente da medida, “propaganda tem de ter cara de propaganda”.
A indignação inicial dos defensores intransigentes da liberdade total, irrestrita e absoluta, pode ter dado lugar a uma sensação, até mesmo de orgulho e superioridade, após uma profunda reflexão regada a um necessário coquetel de calmantes e um chazinho relaxante. Ao invés de ficarem remoendo a vil traição do Conar aos princípios mais sagrados do livre mercado, na verdade, a leitura poderia ser outra, a da enorme capacidade de serem suficientemente altruístas e repleto de bons propósitos. Pois vejam só, o setor publicitário decidiu por ele mesmo, agir em prol de nossas pobres criancinhas, antes que leis autoritárias e governos babás da sociedade, decidissem infringir direitos inalienáveis dos homens e mulheres livres.
Já dizia o ditado, antes os anéis do que os dedos, não é mesmo?
Sem querer querendo sou obrigado a estragar esse momento tão bonito de nossos divinos publicitários: o Conar nada mais fez do que exigir do mercado o cumprimento do que determina o Código de Defesa do Consumidor ao proibir o merchandising infantil.
Muito trabalho pela frente
Mal o Conar baixou a norma para o setor, o SBT permanece irredutível quanto à promoção de produtos na novela infantil Carrossel e nas adiantadas negociações para vendas de merchandising em sua sucessora, Chiquititas (publicado no jornal O Estado de São Paulo, de 14/02).
Resistências revelam as dificuldades óbvias de adesão a uma medida que reduzirá o faturamento e novas defecções poderão ocorrer ainda pelo caminho. Veremos as atitudes que o Conar tomará em relação a essas rebeldias.
Não é nada, não é nada …
Claro que é preciso considerar positiva tal atitude. Ao menos para mostrar a raivosos trogloditas que até mesmo o mercado possui algum limite. Um mínimo de coerência e bom senso será sempre um bom começo, mas não deve ficar só nisso. Como medida inicial capaz de conter um mercado descontrolado e deixar de enxergar crianças como consumidores desprotegidos a serem fisgados, não importam de que maneira, foi uma boa iniciativa.
De qualquer forma, o fim do merchandising é só um tímido começo, a publicidade infantil deve continuar sendo combatida por todos que desejam um mundo mais sustentável, menos consumista e que se baseie em valores mais humanos e menos mercadológicos.
Muitos países desenvolvidos já aderiram às leis que restringem ou mesmo proíbem a propaganda dirigida às crianças. Mais cedo ou mais tarde, como já aconteceu com propagandas de bebidas alcoólicas e cigarros, um país para ser chamado de civilizado, terá de adota-las. Espero que isso ocorra em breve. Assim linhas irônicas escritas nesse espaço, possam ser finalmente, transformadas em sinceros elogios.
*Reinaldo Canto é jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de Comunicação do Greenpeace e coordenador de Comunicação do Instituto Akatu. É colunista da revista Carta Capital, colaborador da Envolverde e professor de Gestão Ambiental na FAPPES.

Artigo publicado originalmente na coluna do autor no site da revista Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/os-limites-da-selvageria/ 

Blog: cantodasustentabilidade.blogspot.com
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Twitter: @ReinaldoCanto

11 fevereiro 2013

Rio Pinheiros insiste em viver apesar de tudo e todos


Sabe aqueles filmes de ação em que surgem inverossímeis heróis enfrentando uma centena de bandidos e, mesmo com tanta gente querendo matá-lo, no final sobrevive? Pois essa comparação pode ser feita com um herói paulistano chamado Rio Pinheiros. Ele insiste em se manter vivo apesar de tantos ataques mortais. Mas aí cabe uma diferença que seria capaz de derrubar qualquer mocinho de filme: as agressões contra o Pinheiros já duram mais de um século.
São muitos e muitos anos de incontáveis despejos de esgotos domésticos e industriais, descaso das autoridades, mas também das pessoas que não lhe tem nenhum respeito (com algumas exceções, como o Projeto Pomar). Transformaram suas águas, antes responsáveis pela vida, em capazes de matar. Aliás, nesse contexto vida e morte, creio ser interessante refletir sobre o destino de rios como o Pinheiros, e de tantos outros que passam por cidades e regiões metropolitanas densamente povoadas.
Foto: Markhillary/Flickr
As agressões contra o Pinheiros já duram mais de um século. Foto: Markhillary/Flickr
Apesar de óbvio vale lembrar: os rios deram origem às cidades. Em razão, e em torno deles, formaram-se e cresceram alguns dos mais importantes aglomerados humanos. Isso vale para São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife. E assim vai por todo o Brasil e  pelo mundo. Em retribuição ao crescimento da vida humana devolvemos aos rios a degradação e até mesmo a sua destruição.
De Santa Catarina para o Rio Pinheiros
Essas considerações tem como origem um convite para participar, como entrevistado, de uma matéria para o Jornal do SBT. O cenário foi as imediações da Usina da Traição, por triste ironia, bem próximo de dois templos do consumo da classe AAA, os Shoppings Centers JK e Cidade Jardim. No local, pesquisadores da FAPESC (Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina ) realizavam mais uma coleta e pesquisa sobre as águas sujas e mau-cheirosas do Rio Pinheiros.
Um pequeno barco sem tripulação e operado por controle remoto, um verdadeiro drone marítimo do bem, realizava as análises. Como era de se imaginar, os dados constataram a ausência quase total de oxigênio que impedem a presença de peixes e de… qualquer espécie de vida. Será mesmo? Nem tanto. Nas águas aparentemente mortas pode ser constatada a presença de bactérias anaeróbicas, não que isso seja bom. Elas contribuem ainda mais para a redução do oxigênio, mas também significa dizer que o rio não está morto. Não mesmo!!
Alguns poderão afirmar que o rio agoniza em suas águas, é bem verdade, mas nas margens existe vida para ser vista e admirada. São flores, árvores frutíferas, capivaras e garças, entre outros representantes da flora e da fauna que insistem em manter a natureza local viva.
Aos céticos de plantão, é bom lembrar, apenas para ficar em dois exemplos de rios ressuscitados: no Tâmisa, em Londres, localizado no coração da Revolução Industrial, foram despejados muito mais do que esgotos domésticos. Ele recebeu sem controle algum durante muito tempo, metais pesados e rejeitos químicos letais. Após um eficiente trabalho de recuperação hoje é possível pescar por lá.
Outro caso emblemático é o do Rio Cheonggyecheon no coração de Seul, era um símbolo do crescimento sem planejamento e de degradação urbana na capital da Coréia do Sul. Tão sujo e poluído quanto o Pinheiros, em cerca de 4 anos recebeu total atenção e hoje está despoluído, com peixes antes inexistentes. Em suas margens foi criado um parque  linear, além de fontes, cascatas e espaços de lazer e cultura à disposição da população local.
O abandono também está no olhar
Chamou muito a minha atenção uma frase dita por um dos pesquisadores: “Não bastam os esforços do governo. Se a sociedade tem a percepção que o rio não tem chance, não tem futuro, a realidade não vai mudar. Mas quando as pessoas acharem que sim, será possível ter um rio limpo de novo, aí sim, o Rio Pinheiros terá uma chance e poderá renascer!”.
A indiferença geral para o destino do rio é o que mais incomoda e traça um triste caminho que deveria e poderia ser outro. Talvez seja necessário começar, ao menos, por um outro olhar.
As milhares de pessoas que passam todos os dias pela Marginal Pinheiros, mais preocupadas com o trânsito e com o tempo necessário para chegar ao destino desejado, somados a outros tantos habitantes das dezenas de prédios de escritórios próximos às suas margens, acabam na maioria das vezes nem mesmo notando ali a presença do rio. Talvez seja por esse motivo que, em uma desesperada reação, o Pinheiros lance odores fétidos sobre todos para que ninguém esqueça de um jeito ou outro ser ele merecedor de um pouco de atenção.

Veto a publicidade de alimentos foi ‘bola fora’ do governador


Não custava ser otimista, mas como era de se esperar, o governador Geraldo Alckmin derrubou projeto de lei aprovado na Assembleia Legislativa usando o argumento da inconstitucionalidade da proposta.
Quais os limites da publicidade infantil? Foto: Istock Photos
Quais os limites da publicidade infantil? Foto: Istock Photos
O texto do projeto, caso a lei fosse aprovada, proibiria a veiculação de propagandas de alimentos e bebidas pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gordura saturada ou sódio, destinada a crianças e adolescentes no rádio e televisão, entre os horários das 6 da manhã e 9 da noite e, em período integral, nas escolas públicas e privadas.
O governador poderia ter se baseado no apoio de integrantes de seu próprio governo, como o do Secretário de Saúde, Giovanni Guido Cerri (Estadão, 30/01) e em pesquisa do Datafolha divulgada pelo Instituto Alana dando conta da aprovação de 73% dos pais a favor da restrição (http://biblioteca.alana.org.br/banco_arquivos/arquivos/docs/biblioteca/pesquisas/propaganda-infantil-maio-2011.pdf), mas foi mais fácil, lavar as mãos e derrubar o projeto.
Caso a lei fosse aprovada seria um exemplo fantástico a ser seguido por outros estados e, quem sabe dessa maneira, colocar uma forte pressão sobre a própria Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – voltando assim a colocar a urgência de se combater a obesidade infantil na pauta. Um mal que já atinge 30% das  crianças brasileiras, o que pode  ser considerada uma epidemia de consequências nefastas para o futuro de nossos filhos.
Muito diferente das manifestações daqueles que discursam em nome da liberdade de expressão, quando deveriam dizer liberdade de expressão puramente comercial, o projeto previa restrições e não proibições definitivas. Portanto, afirmar que a sociedade teria seus direitos vilipendiados é, isso sim, uma enorme distorção.
Enquanto em várias partes do mundo a seriedade no enfrentamento desse problema é visto como uma questão de urgência nacional, nós somos obrigados a conviver com selvagerias midiáticas, propagandas sem escrúpulos que fazem incentivo descarado aos alimentos causadores da obesidade.
Obviamente, mais cedo ou mais tarde os trogloditas nacionais serão vencidos, pois sabem não ser defensáveis manterem a ganância e o lucro pessoal acima dos interesses da sociedade. Assim foi com relação ao fumo e a tantos direitos conquistados pelos consumidores ao longo do tempo. Uma pena que as crianças de hoje tenham que pagar o preço com a própria saúde.
Estaremos atentos aos próximos rounds dessa batalha.

A canetada contra a obesidade infantil*


Há quem afirme que se trata de intervenção do Estado, um problema a ser combatido por uma sociedade livre e soberana. Esses mesmos costumam alegar que a liberdade de expressão é um direito sagrado e não deve sofrer qualquer interferência governamental.
Quais os limites da publicidade infantil? Foto: Istock Photos
Quais os limites da publicidade infantil? Foto: Istock Photos
Isso pode ser verdade em determinadas circunstâncias, mas quando esse pseudo “direito” se sobrepõe mesmo a questões de saúde pública, aí merece ser questionado, ainda mais se essas ações “intervencionistas” visem à proteção da saúde das nossas crianças.
É exatamente o caso de dois projetos de lei, os PLs (1096/2011 e 193/2008) aprovados no final do ano na Assembleia Legislativa de São Paulo. Eles têm o objetivo de combater a obesidade infantil, um mal que já afeta 30% das crianças e pode até mesmo ser visto como verdadeira epidemia em nosso país.
O primeiro deles veta a comercialização de lanches com brindes e o segundo restringe a publicidade de alimentos não saudáveis direcionada a crianças.
Os pais conhecem bem essas questões: nossos filhos por vezes querem ir a lanchonetes conhecidas como fast food, cujos alimentos possuem baixo nível nutricional e alta presença de açucares e gorduras, apenas para adquirir um brinquedo.
Já o bombardeio incessante da publicidade em programas e canais infantis hipnotizam os pequenos para consumo daqueles biscoitos, doces e salgadinhos. Na hora das refeições se estabelece uma batalha desigual entre comidas saudáveis e naturais contra os mágicos pacotes de algo parecido com alimentos, oferecidos pelos coloridos e estimulantes anúncios da televisão.
Claro que existem outros fortes fatores contribuintes para o sobrepeso infantil, tais como o sedentarismo e os videogames, mas os controles propostos nos dois projetos de lei paulistas serão grandes aliados nessa luta caso sejam sancionados pelo governador Geraldo Alckmin.
Aliás, para que isso ocorra, o Instituto Alana, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, a Rede Nossa São Paulo e a Aliança pela Infância entre outras, lançaram uma petição online para que a população possa demonstrar seu apoio aos projetos e pressionem o governador paulista a assina-los até o dia 30 de janeiro. Ela está disponível em português e em inglês nesse link: http://www.change.org/SancionaAlckmin.
Caso São Paulo adote essas leis estará em ótima companhia, pois países europeus como Inglaterra, França e até vizinhos como Chile, além de cidades norte-americanas como São Francisco possuem leis semelhantes. Será uma grande inspiração para todo o país também enfrentar com seriedade o problema da obesidade infantil.
Governador, que tal começar bem a semana com uma “canetada” em favor de uma vida mais saudável e sustentável para nossas crianças?
* Publicada originalmente na coluna do autor em 21/01/2013