23 janeiro 2016

ÉPOCA CLIMA

Muito trabalho pela frente para cumprir as metas do Brasil no clima

Para o cumprimento das metas propostas na COP 21 o Brasil terá de colocar em prática diversas ações, entre elas, a recuperação florestal

LUCAS PEREIRA E REINALDO CANTO*
22/01/2016 - 15h09 - Atualizado 22/01/2016 15h09
Passada certa euforia pelos resultados alcançados em Paris durante a realização da COP 21, chegou a hora de encarar o desafio de fazer com que seus objetivos sejam alcançados. Sem dúvida, ter obtido a concordância dos mais de 195 países representados na Conferência do Clima sobre a necessidade de se combater as mudanças climáticas, é algo a ser muito comemorado, mas a festa agora tem de dar lugar às ações concretas.
Pavilhão dos Estados Unidos na Conferência do Clima em Paris, na França (Foto: Christophe Ena/AP)
Não será uma tarefa fácil transformar em realidade o que foi definido como “o começo do fim da era dos combustíveis fósseis”. O histórico acordo definiu algumas ambiciosas metas que, só para recordar, almejam limitar o aumento da temperatura global a 2ºC (ou até 1,5ºC) em relação aos níveis pré-industriais e o aporte de US$ 100 bilhões anuais, a partir de 2020, para apoiar os países em desenvolvimento na transição rumo a uma economia de baixo carbono e com transferência de tecnologia. Esse valor, mesmo que considerado insuficiente, ainda está longe de ser alcançado pelo Fundo Verde do Clima.
Todas as delegações dos respectivos países voltaram para casa com tarefas diversas, entre elas, revisar as suas INDCs – a Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês.
O Brasil, país considerado fundamental para o sucesso do novo acordo climático deverá não só revisar a sua INDC, como também, agir efetivamente para que transforme em algo possível e passível de ser cumprido.
Em nosso país, o corte das emissões de gases de efeito estufa está diretamente ligado ao fim do desmatamento e a recuperação de áreas degradadas por meio do reflorestamento.
Os compromissos apontados pela primeira versão da INDC brasileira já colocavam a meta de: “restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares até 2030 para múltiplos usos”. Isso na previsão também inicial de se conter o aumento da temperatura média do planeta em 2ºC. Diante do acordado em Paris para evitar que a temperatura atinja 1,5ºC a mais, certamente a meta de reflorestamento deverá ser revista. De qualquer maneira, a meta é ousada e exigirá um esforço multissetorial, com participação essencial dos proprietários rurais e do setor privado.
Um dos caminhos a serem seguidos já está colocado e não é de hoje: o efetivo cumprimento do que prevê o Código Florestal Brasileiro. A aceleração de sua implementação, com certeza, irá contribuir em muito para que o Brasil seja capaz de avançar em consonância com seus compromissos estabelecidos em Paris.
Todos os biomas brasileiros seguem ameaçados com graus variados que vão do drama a tragédia, mas sem exceção precisam de apoio urgente para continuar a cumprir suas funções socioambientais. Neste momento, em que será necessário revisar a INDC do país, incrementar a recuperação de nossos ecossistemas só trará benefícios para todos, inclusive quanto à seriedade e protagonismo do Brasil no cenário mundial.
A Mata Atlântica é o cenário mais comum da atuação da Iniciativa Verde, www.iniciativaverde.org.br, organização que compõe o Observatório do Código Florestal, a Rede de ONGs da Mata Atlântica e o Observatório do Clima. O bioma responsável por abrigar a maior parte da população brasileira e também o mais agredido e degradado, merece receber uma atenção especial, além do mais por representar um componente essencial no combate à atual crise hídrica. Neste cenário, sua restauração é essencial e o compromisso brasileiro frente ao clima pode ajudar a tornar isso realidade.
São muitas as perguntas que precisarão ser respondidas, preferencialmente num curto espaço de tempo: de onde virão os recursos? Quais as políticas públicas que deverão ser estabelecidas (que prevejam subsídios e/ou incentivos) Como se dará a participação da iniciativa privada? Qual o papel dos estados e municípios?
Mudanças climáticas, desmatamento, reflorestamento, energias limpas ou fósseis seja no Brasil ou na Índia, tudo, no fim das contas interage e repercute de maneiras diversas e complementares. O trabalho mais importante começa agora após as definições da COP de Paris e ficou claro que todos dependemos de todos. Não é a toa que alguém já disse que vivemos na chamada aldeia global!  Mãos à obra!!
Lucas Pereira, geógrafo, diretor técnico da Iniciativa Verde.
Reinaldo Canto, jornalista da Iniciativa Verde e correspondente na COP 21

20 janeiro 2016

ÉPOCA CLIMA

Os combustíveis fósseis estão com os dias contados?

Anúncio de desenvestimento é feito em Paris e deve impactar mais de 3 trilhões de dólares

REINALDO CANTO* | DE PARIS
02/12/2015 - 15h26 - Atualizado 02/12/2015 15h26
Bomba retira petróleo do solo de Sakhir, no Barein. (Foto: Hasan Jamali/AP)
Os esforços para o combate às mudanças climáticas não podem e não devem estar restritos aos governos nacionais. O tamanho do desafio, sem dúvida, exige uma participação efetiva de todos os setores, incluindo aí as empresas, cidades, fundações e organizações da sociedade civil.
Um bom exemplo disso foi dado hoje aqui na COP-21, quando mais de 500 instituições de diferentes setores comprometeram-se com odesenvestimento em combustíveis fósseis e a sua transição para fontes de energia limpas e renováveis. O movimento é coordenado, entre outros, pelas organizações 350.org e Divest-Invest.
O valor do impacto é a expressiva marca de quase 3,5 trilhões de dólares, que  representa o capital das instituições e não a soma do dinheiro que deixará de ser investido em fósseis. Esse valor possui, antes de mais nada, um peso que serve de exemplo para que os governos, ainda reticentes em buscar fontes alternativas de energia, sejam compelidos a sair da letargia e contribuir efetivamente para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa.
O movimento composto por essas organizações tem também o objetivo de pressionar governos e entidades públicas para que retirem subsídios e eliminem o uso próprio dos combustíveis fósseis.
O que mais chama a atenção é o crescimento e a adesão a esse movimento. Em setembro de 2014, faziam parte 181 instituições com ativos somados de US$ 50 bilhões que decidiram pelo desinvestimento em fósseis. Em pouco mais de um ano o número saltou para 500, sendo que nas 10 semanas que antecederam a COP-21 100 novas instituições aderiram ao movimento.
Entre elas estão fundo de pensões, seguradoras, fundações, universidades e cidades, como no caso de 19 municípios franceses que aprovaram seus projetos de  desinvestimento antes do início da COP21. Entre eles: Bordeaux, Dijon, Lilles e Saint-Denis.
Até mesmo parlamentos, como o francês, aprovaram o desinvestimento recentemente. Um outro caso interessante é o de Münster, que se tornou a primeira cidade da Alemanha a decidir pelo abandono total dos combustíveis fósseis. Melbourne, na Austrália, e Oslo, capital da Noruega, também fizeram anúncios poderosos de desinvestimento em nesses recursos.
Se não dá ainda para afirmar que a era dos combustíveis fósseis chegou ao fim, essas ações vão apontando novos caminhos. Que sirvam de exemplo e motivação aos governos menos sensíveis para uma mudança efetiva e ambiciosa na Conferência do Clima, aqui em Paris.
*Reinaldo Canto é jornalista e consultor da Iniciativa Verde. Matéria publicada originalmente no Blog do Planeta/Época

18 janeiro 2016

ACRE DAY NA COP 21


No dia 07/12 em Paris, foi realizado um evento paralelo à COP 21, o “Acre Day: Consolidando uma Economia Verde e Inclusão Social na Amazônia”.  Na ocasião, o governador do estado Tião Viana falou de desmatamento, da agenda ambiental das mudanças climáticas e sobre desenvolvimento. Viana reforçou que será necessária uma mudança de paradigma que contemple uma nova  visão de desenvolvimento, de cooperação e de lucro.
Confira abaixo a entrevista do Governador concedida a Envolverde;

Reinaldo Canto - Quais são os principais objetivos deste encontro aqui em Paris?
Tião Viana - Desde a COP15 nós consolidamos um papel de presença marcante, que reúne não só Estados do Brasil, mas também o Governo Federal, organismos de financiamento e comunidades de outros povos, como os estados da Amazônia Peruana, estados da região amazônica boliviana e de outros países. E o Acre conseguiu assumir junto com o GCF – representado pelo governo da Califórnia – que tem em sua liderança um grupo de força tarefa de governadores contra o desmatamento e a favor do desenvolvimento sustentável, já articulado a um grupo de 29 estados subnacionais, em quatro continentes que atuam mostrando que se queremos assegurar vitória no desafio de luta contra o aquecimento global, temos que consolidar uma cooperação e exemplos articulados. Não será uma solução de governos federais apenas, será uma solução de governos estaduais, de governos municipais, de micros, médias e grandes regiões da região amazônica, das regiões de florestas, e das regiões que estão vinculadas e que possam se vincular ao desenvolvimento sustentável.

RC - Recentemente nós tivemos um anúncio dos resultados do desmatamento no país e houve um aumento desse desmatamento, e o Acre veio na contramão. Como foi possível essa redução?

Viana - O Acre conseguiu reduzir 10%. Estamos no acumulado de 62% e já anunciamos aqui que vamos assegurar 100% do fim do desmatamento ilegal na Amazônia até 2018, enquanto os estados estão apontando uma redução de 80% até 2020. Em 2020 não queremos ter desmatamento nenhum, a não ser desmatamento residual em nosso território, porque temos uma luta como se fosse a afirmação de uma cultura, de um valor civilizatório, um valor de comunidade, de vida pessoal. Precisamos diversificar bases econômicas, assegurar crescimento econômico, assegurar conservação e as boas práticas de desenvolvimento, entendendo que uma união entre comunidade, setor empresarial pequeno, médio, mercado e governo, podem fazer uma diferença quando você tem a criatividade pra ver que fontes alternativas de desenvolvimento e economia podem ser compartilhadas.


RC – Apesar disso, o senhor falou aqui na abertura que o Estado também já está vendo as consequências das mudanças climáticas. Que tipo de mudanças ou alterações o Acre vem sofrendo?

Temos várias mudanças, como a alteração do regime de chuvas e a mudança de temperatura. Mas o efeito mais observado são as cheias. Nós tínhamos uma cheia, em média, a cada 7 anos. Em toda a história do Acre era quase sempre esse comportamento. Na última década tivemos cheias durante 7 anos, nos 10 últimos anos. Isso demonstra uma mudança de ambiente, com cheias registrando índices recordes. Por exemplo, a última nós tivemos acima do nível normal do rio, 18 metros e 66 centímetros, inundando 28% do território da capital Rio Branco, uma tragédia, um verdadeiro tsunami, em muitas micro regiões do estado.
Ao mesmo tempo por conta dessas consequências, justamente os mais pobres, os pequenos produtores, são os mais afetados. Eu queria que o senhor comentasse da importância desses contratos de inclusão social que se tornam cada vez mais necessários, nos estados da Amazônia, por causa dessas alterações climáticas.

RC - Ao mesmo tempo por conta dessas consequências, justamente os mais pobres, os pequenos produtores, são os mais afetados. Eu queria que o senhor comentasse da importância desses contratos de inclusão social que se tornam cada vez mais necessários, nos estados da Amazônia, por causa dessas alterações climáticas.

Viana - Quando nós conseguimos cooperação com organismos internacionais, com governos como o da Alemanha, com o KFW – banco de desenvolvimento alemão -, com o Fundo Amazônia, com membros do governo da Noruega e com representantes do governo da Califórnia, esses recursos vão exatamente pra essa ponta, porque nós trabalhamos com metas. Eles veem o resultado da redução das emissões, entendem que é um ponto de comunicação com o REDD – sigla para “Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal”, com o REDD Plus, que nos une para mensurar qual seria a contribuição que a região estaria dando à redução das emissões, e eles ajudam a financiar como metas. Isso é inovador pra que outros estados participem e pra que o governo federal esteja cada vez mais junto alcançando os melhores resultados. Hoje, substitui a visão policial, por criatividade, por cooperação, para alcançar o melhor resultado.

Reinaldo Canto – O que o senhor espera agora dos resultados da COP21? O que seria de grande interesse para o Estado do Acre?

Viana - Desde o Protocolo de Kyoto que nós temos as melhores expectativas, mas sempre ficamos desapontados com o resultado final. O que se pode dizer hoje em um mundo de coalizões e não mais de lideranças isoladas, é que parece que houve um despertar de maior preocupação, de maior tensão, e de uma resposta de maior curto prazo. Eu espero que os líderes mundiais entendam que podem fazer mais e que isso não envolve sacrifício de ninguém, envolve apenas uma exigente mudança de paradigma, de visão de desenvolvimento, de visão de cooperação e de visão de lucro. Não será apenas a agenda da preocupação com as migrações que vai nos afetar, e não será apenas a agenda do terrorismo, mas a agenda do meio ambiente. Ou ela é o carro chefe global, ou as consequências serão imprevisíveis.




12 janeiro 2016

Sem Código Florestal Brasil tem poucas chances de cumprir metas de Paris

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ObservatoriodoCodigoFlorestalReinaldo Canto, especial de Paris para a Envolverde – 
Encontro promovido pelo Observatório do Código Florestal durante a COP 21 alerta para as dificuldades de implantação do Código no país.
Composto de diversas organizações como IPAM, WWF, SOS Mata Atlântica, ICV e Iniciativa Verde, entre outras, o Observatório do Código Florestal tem lutado com dificuldades para colaborar com a implantação do Código em todo o Brasil.
Desta vez, a batalha está sendo travada durante a realização da COP 21 em Paris.
Andrea Azevedo, diretora adjunta do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), considera o Código o principal instrumento legal para garantir o cumprimento de metas nacionais estabelecidas no acordo climático global.
A seguir leia entrevista concedida exclusivamente à Envolverde:
O Observatório do Código Florestal promoveu encontro com a imprensa, nesta terça-feira (08), durante a COP21. Que novas informações foram trazidas?
Eu não sei se são novas. É uma constatação de que, primeiro, o Código Florestal é um componente fundamental no compromisso que o Brasil está fazendo dentro da Conferência. Tem uma parte considerável da mudança de uso de solo que depende da implementação do Código Florestal. Considerando que temos o potencial de conservação de aumento de proteção de recursos e muitas outras coisas, mais do que nunca, o Observatório se coloca numa posição de tentar entender quais sãos as principais barreiras que atrapalham. Nós vemos o Código Florestal sendo implementando em passos lentos. Estamos na primeira fase de implementação do principal instrumento, mas não temos nada ainda pronto, nenhum estado operando o Programa de Regularização Ambiental (PRA) e pouquíssimos estados começando a validar. Quando que de fato isso vai ser implementado? Há uma sensação, ás vezes, de que é algo programado pra não ser implementado. A gente tenta fazer um olhar um pouco mais fundo nesses desafios e ver aonde podemos atuar ou pressionar, mas a principal constatação é que temos um atraso muito grande. A coisa parou no Cadastro Ambiental Rural (CAR), como se ele fosse resolver todo o problema, mas tem toda uma consequência no pós CAR.
O Código Florestal seria fundamental para o Brasil atingir as metas propostas em sua INDC.
Sim. Seria fundamental, por isso nós trouxemos essa discussão para a COP21. Embora o Código Florestal seja um assunto doméstico do Brasil ele é essencial dentro da composição das metas brasileiras. Mas do que nunca o Código passa a ser estratégico para o Brasil.
E para o Observatório o que na verdade pode se esperar da COP. O que pode ser muito positivo, ao sair daqui um bom acordo que acabe implicando também em melhorias para a implementação do Código?
Eu acho que tem várias coisas. Primeiro, se a gente consegue ter de fato um acordo em que essas INDCs vão ser revisadas em curto prazo, por exemplo, em 2018. Se isso acontecer, com certeza, eles vão fazer uma avaliação da questão do Código Florestal e podemos até ampliar nossa ambição em relação a reflorestamento porque esses 12 milhões incluem silvicultura, não é só árvore nativa. E voltando pra casa, o que o governo brasileiro vai ter que demonstrar é quais sãos os mecanismos financeiros e econômicos que a gente pode contar para, por exemplo, recuperar áreas. De onde vão vir esses recursos? Vai ter algum subsídio? Quais sãos os incentivos além dos que já estão? Essa talvez seja a agenda mais prioritária para o governo agora na volta. (#Envolverde)
Reinaldo Canto é jornalista especializado em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da Envolverde, colunista de Carta Capital e assessor de imprensa e consultor da ONG Iniciativa Verde.
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11 janeiro 2016

REFLEXÕES PARA 2016 PUBLICADAS NO SITE DA CARTA CAPITAL

Devemos estar preparados para novas turbulências e fenômenos climáticos extremos, tanto no que se refere ao aumento na temperatura do planeta, como na política e na economia. Será fundamental que neste novo ano sejamos capazes de resistir aos assédios cada vez mais ameaçadores à legislação ambiental brasileira.  Entre eles, não permitir que afrouxemos as regras do licenciamento ambiental e as que garantem o cumprimento do Código Florestal. E, claro, temos que evitar a todo custo que tragédias como a de Mariana voltem a ocorrer em nosso país.

Reinaldo Canto, colunista
Confira no link abaixo as demais reflexões dos colunistas de Carta Capital:

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-que-esperar-de-2016

05 janeiro 2016

Paris aponta caminhos para o futuro

Foto: Shutterstock
Foto: Shutterstock
COP21 inova ao tratar dos temas relativos ao clima com o enfoque mais econômico do que ambiental
Por Dal Marcondes e Reinaldo Canto*
Pela primeira vez em uma COP os presidentes de algumas das nações mais poderosas do mundo se envolveram pessoalmente para obter os compromissos necessários para um acordo. François Hollande apostou todas as fichas em encontros bilaterais com muitos dos 150 Chefes de Estado que foram a Paris. Isso deu aos negociadores uma plataforma de diálogo consistente, pois já havia uma base negociada com seus líderes. Até mesmo o presidente Barack Obama gastou os dedos em telefonemas para aliados e para colegas relutantes, como o presidente chinês Xi Jinping, que acabou autorizando uma proposta de redução das emissões a partir de um pico em 2030.
O Presidente da Conferência, Laurent Fabius, ministro de Negócios Estrangeiros da França, também foi pródigo em encontros bilaterais com os negociadores para ajudar a destravar o caminho do Acordo de Paris. Os primeiros rascunhos chegavam a mais de 100 artigos e um texto que mais parecia um tratado de detalhes do que um acordo capaz de encampar as aspirações e necessidades de todos os 195 países envolvidos, o texto final foi organizado em 29 artigos. A própria presença de Fabius à frente da organização e da direção da COP foi uma inovação uma vez que a tradição sempre apontou como responsável o ministro do meio ambiente do país anfitrião.  As duas semanas da COP21 deixaram claro que não se tratou de um evento ambiental, mas sim uma reunião para desenhar o futuro da economia global.
O protagonismo das empresas é fundamental para a construção dessa nova economia descarbonizada e isso ficou explícitopela participação de empresas globais de muitos setores e de suas representações organizadas. O Brasil levou a Paris a direção do CEBDS, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e a Iniciativa Empresarial pelo Clima, além do tradicional Instituto Ethos.  Para a maior parte dos empresários e executivos presentes a participação das empresas nas conversas com os governos dos países onde atuam, e durante a COP foi importante, porque as áreas que irão precisar de mais transformações estão justamente em cenários empresariais, como a geração e uso de energias, meios de transportes de pessoase cargas, produção industrial e o fomento a um agronegócio de baixo carbono.  Para Marina Grossi, presidente do CEBDS, a aproximação de temas como agricultura e florestas é estruturante em um país como o Brasil. “Temos um agronegócio forte e há muitas oportunidades em conduzir o setor para um modelo de produção de baixo carbono e de integração com os biomas naturais”, explicou.
O mundo empresarial tem demonstrado o pragmatismo dos negócios, empresas globais, muitas delas presentes na COP de Paris, já incorporaram o horizonte de baixo carbono em seus cenários de presente e futuro. “Quando as empresas percebem uma tendência clara, redirecionam seus esforços para manter a competitividade”, explicou Ricardo Young, ex-presidente do Instituto Ethos e atual vereador em São Paulo.  O mesmo tem acontecido com os grandes bancos brasileiros e globais, que terão uma responsabilidade importante na oferta de crédito para o setor privado nessa guinada para uma economia de menor impacto ambiental.  Para Roberto Waack, coordenador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, não há soluções únicas para o avanço da descarbonização dos diversos setores da economia. “A diversidade de abordagens vai garantir enormes oportunidades para inovação e novos negócios”, explicou.
Os representantes brasileiros na COP21 tiveram um papel ativo na estruturação do Acordo de Paris. O embaixador Luiz Alberto Figueiredo e a ministra do meio Ambiente Izabella Teixeira foram reconhecidos, em um telefonema do presidente norte-americano Barack Obama à presidente Dilma na segunda-feira, dia 15.  Entre as contribuições importantes do Brasil está a adoção do modelo móvel de responsabilidade dos países pobres, que deverão assumir mais responsabilidades à medida em que suas economias se fortaleçam. “É um acordo de longo prazo, é preciso haver mobilidade de metas e compromissos”, explicou Izabella Teixeira.
Membros de organizações sociais e da representação oficial brasileira entendem que oAcordo de Paris não deve ser visto como um documento final, mas como um passo importante para dar início a uma transição econômica e a uma nova ordem no cenário multilateral. Para Carlos Rittl, do Observatório do Clima, “o acordo foi construído sobre compromissos voluntários em corte de emissões e financiamento, tudo dependerá de se manter esse espírito de engajamento”.
No encerramento da conferência a brasileira Raquel Rosenberg, representante da organização Engajamento, falou em nome da juventude global sobre a importância do Acordo de Paris para um futuro onde a economia será descarbonizada e as florestas estarão protegidas. Raquellembrou que desde a Conferência Rio92 os países ricos não se moveram para ampliar o financiamento e a transferência de tecnologias limpas aos países pobres, e que agora isso não pode mais ser adiado. “Nesta geração as mudanças climáticas saíram das projeções científicas para as tragédias dos eventos extremos”, disse a militante.  E avisou: “Nós, jovens, estaremos acompanhando todos vocês em seus países”. (#Envolverde)
* Dal Marcondes é jornalista, diretor da Envolverde e especialista em meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Reinaldo Canto é colunista do site de Carta Capital e foi enviado especial do Portal Envolverde a Paris.

2016, o primeiro ano da Economia do Acordo de Paris

Foto: Shutterstock
Por Dal Marcondes e Reinaldo Canto*
Acordo conseguido em Paris é pródigo em boa vontade e avaro em meios para garantir que a temperatura média do planeta se eleve entre 1,5 e 2 graus centígrados
Ao contrário da sensação de fracasso que emanou da gelada Copenhague, no inverno de 2009, quando as decisões da COP15 frustraram governos, cientistas e organizações sociais, Paris exala otimismo. Os 195 países que assumiram os compromissos no que agora é chamado de “Acordo de Paris” não estão obrigados a cumprir metas impostas, mas sim a trabalhar para manter os compromissos que eles próprios desenharam ao divulgar suas metas nacionais em um documento conhecido como INDC (Intended Nationally Determined Contributions), que em tradução livre pode ser a Contribuição Nacional Pretendida.  O Acordo de Paris inova também ao apontar como meta 1,5ºC de elevação máxima da temperatura média do planeta até 2100. Para isso as metas nacionais e as ações adotadas por cada país serão revisadas a cada 5 anos.
O Brasil, por exemplo, estabeleceu como objetivo uma redução de 37% de suas emissões de gases estufa até 2020 tendo como base o ano de 2005. Essa meta é considerada avançada por organizações sociais como o Observatório do Clima, que reúne especialistas e militantes. No entanto, Carlos Rittl secretário executivo da ONG alerta que há o risco de se chegar em 2030 com uma tendência global de elevação de 3ºC se os países não forem rigorosos no cumprimento de suas INDCs. “É preciso que os países ricos assumam os compromissos de financiamento e que todos cumpram o prometido”, explica. Esses compromissos voluntários que foram a marca da COP de Paris, são uma inovação, mas precisam ser transformados por cada nação em “Políticas de Estado”, explica a ministra brasileira Izabella Teixeira. Para ela, o documento de 29 artigos que será entregue para a guarda da Secretaria Geral da ONU, precisa ser entendido como uma guinada em direção a uma nova ciência, esforço de inovação e, principalmente, de compartilhamento de tecnologias e conhecimentos que apontem para uma economia de baixo carbono.
O dinheiro prometido soma US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020 para que os países pobres e em desenvolvimento possam adequar suas economias ao novo cenário de baixo carbono. Para atingir os objetivos propostos será necessária uma profunda transformação da matriz energética global, ainda com extrema dependência de derivados de petróleo e carvão. Apenas 10% da energia que move o mundo é renovável. Nesse quesito o Brasil entra com alguma vantagem comparativa, uma vez que, mesmo com a crise hídrica que atinge os principais parques hidrelétricos, cerca de 50% do consumo brasileiro de energia vem de fontes renováveis, principalmente hidroeletricidade e biomassa, sem esquecer o fortalecimento recente das fontes eólicas.  No entanto, essa transição é vista com cautela, uma vez o que mundo vive um momento de petróleo farto e barato.
Apenas como comparação de valores, um estudo de 2013 publicado na revista científica Nature alertou que, sem a adoção de maiores reduções nas emissões de carbono, o custo mundial das inundações nas cidades poderia aumentar para US$ 1 trilhão por ano até 2050, e os prejuízos poderiam se propagar por todos os cantos do planeta. Portanto, os investimentos para controle de emissões não devem ser vistos como despesa, mas sim como investimentos em gestão de risco e mitigação de eventos globais com impacto financeiro muito maior. Esse mesmo estudo aponta que quase 830 milhões de pessoas vivem em periferias urbanas com graves deficiências em infraestrutura e serviços. Isso torna as cidades as áreas mais vulneráveis a eventos climáticos extremos.
Outro estudo, desta vez do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) aponta que as concentrações urbanas são responsáveis por até 80% das emissões mundiais de gases estufa e calcula-se que até 2050 devem abrigar 70% da população mundial, que também deve crescer dos atuais 7,4 bilhões de pessoas, para perto de 9 bilhões de seres humanos.
Dentro dessa linha de raciocínio, onde as cidades são verdadeiros sorvedouros de recursos, uma das teses que ganha força entre organizações sociais e do empresariado, é a necessidade de maior eficiência no uso de energia. Segundo dados do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), uma entidade brasileira que reúne empresas, há um potencial para a implantação de programas de eficiência no uso de energias que possibilitaria um superávit de 20% de toda a energia gerada, apenas na América Latina. Esse número, segundo Marina Grossi, presidente da entidade, permitiria uma economia de emissões de CO² da ordem de 2 bilhões de toneladas e uma economia de US$ 2,8 trilhões até 2032.“Esse valor é duas vezes o investimento necessário, de acordo com o Banco Mundial, para prover acesso à energia a 1,1 bilhão de pessoas que vivem na escuridão no mundo”, explica Grossi.
Entre os principais pontos explicitados nos 29 artigos do Acordo de Paris estão algumas inovações, a primeira é que ele não seguiu a lógica do “Protocolo”, como foi feito em Quioto em 1997, o status legal desse acordo é híbrido e será abrigado sob o manto da Convenção da ONU Sobre Mudanças do Clima, de 1992. Isso significa que algumas partes são obrigatórias e outras são compromissos voluntários que os próprios países assumiram em suas INDCs. Ficaram de fora do acordo os termos “descarbonização” e “combustíveis fósseis”, no entanto foram assumidos compromissos de longo prazo em relação às temperatura pretendidas para o planeta até o final desse século. Outra inovação é que o acordo passará por revisões periódicas a cada cinco anos, de forma a dimensionar se as medidas adotadas estão alinhadas com a meta final de 1,5ºC de elevação até 2100. Essas revisões também poderão servir para recalibrar a necessidade de dinheiro.
Nas duas semanas de COP21 estiveram em Paris 150 Chefes de Estado de 195 delegações de negociadores. Nas ruas da cidade estima-se algo entre 30 mil e 40 mil pessoas de organizações sociais e empresariais de todo o mundo, que participaram de manifestações e de centenas de eventos paralelos sobre todos os temas correlatos às mudanças climáticas.  As negociações não foram fáceis, como relatou a ministra Izabella Teixeira, ao apontar que em alguns momentos os principais países em emissões tiveram de conversar duro para encontrar um denominador comum. Há registros de telefonemas do presidente Barack Obama a seu colega chinês Xi Jinping em um esforço de convencimento sobre os benefícios de um acordo. Desse diálogo saiu uma inédita parceria para a implementação do Acordo de Paris. A China, um dos maiores poluidores do mundo, se comprometeu a chegar a um pico de suas emissões em 2030 e depois reverter sua curva drasticamente para ajudar a cumprir a meta global de 1,5ºC.
Nem tudo, no entanto, foram flores em Paris, houve muito trabalho entre os negociadores para lidar com países que tentaram bloquear um acordo mais ambicioso. A coalizão Climate Action Network com mais de 900 organizações ambientais, entregou todos os dias o prêmio “Fóssil do Dia”, para os países que mais levantaram obstáculos. Um dos grandes vencedores foi Arábia Saudita, o maior exportador de petróleo do mundo, mas houve surpresas, como a Nova Zelândia, que ainda subsidia petróleo e carvão, a Bélgica, que não tem cumprido com seus compromissos assumidos diante da União Europeia, além das organizações internacionais de Aviação Civil e de Navegação Marítima, que apesar de representarem 6% das emissões globais conseguiram ficar fora de qualquer meta.
Para o Secretário Geral da ONU, Ban Ki Moon o mais importante é que os países abandonem a visão egocêntrica do mundo e colaborem para uma perspectiva global de longo prazo. “Estamos em um momento definitivo, uma nova economia deve emergir do Acordo de Paris”, disse, espelhando o otimismo de diversos líderes que se manifestaram.
A voz destoante ficou por conta da Nicarágua, que através de seu negociador-chefe, Paul Oquist, exigiu a retirada de um artigo no texto final que exime as nações ricas de responsabilidades sobre perdas e danos das nações mais frágeis frente às mudanças climáticas, e alertou que as soma das metas nacionais apresentadas em Paris não garante o limite de 1,5ºC, mas aponta, segundo ele, um horizonte de alta de 3ºC para 2100.
Mesmo não estabelecendo limites ou metas de corte de emissões de carbono, o Acordo de Paris tem como referência os relatórios do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, criado no âmbito da ONU, e que reúne mais de 1500 cientistas e pesquisadores em torno do tema. Estudos apresentados pelo IPCC apontam que para se conseguir manter a temperatura com elevação média de 1,5ºC será necessário um corte de 70% a 80% das emissões de carbono no mundo até 2050.  Portanto, o otimismo em relação ao acordo é justificado pela vitória política e pela abrangência alcançada, mas ainda haverá muito a se fazer nas avaliações que serão realizadas a cada cinco anos.(#Envolverde)
Dal Marcondes é jornalista, diretor da Envolverde e especialista em meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Reinaldo Canto é colunista do site de Carta Capital e foi enviado especial do Portal Envolverde a Paris.