Entidades da sociedade civil levantaram demandas como a crise da água e o déficit energético durante toda a campanha, mas receberam poucas respostas dos candidatos
Por Reinaldo Canto*
É difícil escolher um candidato usando como critério de decisão os programas de governo e os compromissos públicos assumidos ao longo das campanhas. Parece até que a missão maior de candidatos e coligações seja apenas desqualificar os adversários, em vez de ressaltar pontos positivos em suas próprias candidaturas e planos de governo.
Não se pode dizer que não tenham sido feitas demandas por parte da sociedade civil organizada. Para nos atermos a um campo de análise no que se refere aos temas ligados à sustentabilidade, cidadania e direitos humanos, foram inúmeras as tentativas de discutir pontos programáticos e exigir compromissos dos postulantes aos cargos executivos e legislativos Brasil afora. Nesse período, não faltaram pedidos para esclarecimentos sobre o que pensavam eles e seus partidos. Exceções existiram, mas apenas para comprovar a regra da omissão e do desleixo com os interesses da sociedade.
Esse deserto de bons programas complica substancialmente uma escolha bem fundamentada por parte dos eleitores. Afinal, é preciso conhecer, com o máximo de detalhes possível, o que os candidatos estão propondo em temas cruciais.
Em relação à crise da água, por exemplo, foi tratada até aqui como algo meramente trivial, sem que a maioria dos candidatos atentasse, em seus pronunciamentos, debates e programas de TV e rádio, para a gravidade do problema registrado em São Paulo, mas também em muitas outras localidades do País.
Outros temas fundamentais também ficaram de fora, como as medidas que serão colocadas em prática para o combate às mudanças climáticas, para o enfrentamento do déficit energético e as escolhas das fontes de energia que deverão receber apoio governamental. Iremos ou não apostar nas e incentivar as energias limpas e renováveis? O País está preparado para enfrentar as mudanças do clima, com aumento de chuvas em algumas localidades, enquanto em outras teremos menos água disponível? São apenas algumas perguntas que ficaram sem resposta nesta campanha eleitoral.
Análises e estudos sobre esses e outros assuntos urgentes não faltaram e permanecem à disposição para enriquecer o debate político.
Para ficar em alguns exemplos de iniciativas que buscaram elevar o nível da campanha eleitoral, destaco as realizadas pelaAgenda Brasil Sustentável. Movimento composto por 63 organizações e que se define como “um conjunto de princípios e compromissos, condensados em sete eixos estratégicos, que tem por objetivo o comprometimento de candidatos aos cargos executivos estaduais e federal com o desenvolvimento sustentável do País, por meio de propostas concretas”.
A Agenda foi criada em junho e, desde então, diversas ações foram empreendidas visando o processo eleitoral. Entre as mais importantes, o estabelecimento de contatos com os comitês dos candidatos para a apresentação do conjunto de propostas; a elaboração de documentos com análises sobre temas específicos como mudanças climáticas, energia e recursos hídricos; além de apoiar a divulgação de demandas e propostas de outras organizações dirigidas aos candidatos.
Outra dessas iniciativas um pouco mais específica é o Observatório do Código Florestal, composto de organizações ambientalistas, entre elas, SOS Mata Atlântica, Iniciativa Verde, Instituto Socioambiental (ISA) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). O objetivo do Observatório é manter uma vigilância permanente e acompanhar a aplicação efetiva do Código Florestal nas propriedades rurais de todo o País. Seus integrantes encaminharam uma carta aos presidenciáveis e aos demais concorrentes a cargos executivos nos estados para que eles se comprometessem com a implementação do Código.
Outra importante demanda apresentada e que ainda não foi tratadas pelos candidatos foi também apresentada pela Agenda Brasil Sustentável e tenta garantir apoio ao projeto de emenda constitucional (PEC) que já tramita há algum tempo na Câmara dos Deputados e que, ao ser aprovado, irá obrigar os eleitos a se comprometerem a cumprir seus programas de governo. Parece óbvio, mas, pela legislação atual, nossos dirigentes executivos (a nível municipal, estadual, distrital e federal) podem fazer as promessas que quiserem sem se responsabilizar por sua execução.
Graças aos esforços da Rede Nossa São Paulo, a capital paulista, foi a primeira cidade a aprovar essa medida. O Programa de Metas também é uma exigência da Lei Orgânica do município desde 2008. Dessa maneira, todo prefeito eleito tem a obrigação de apresentar, em até 90 dias após a posse, um programa que seja capaz de descrever as prioridades de seu governo, as respectivas ações estratégicas para o cumprimento do programa, além dos indicadores e as metas quantitativas para cada um dos setores da administração pública municipal.
Depois de São Paulo, propostas semelhantes já foram incorporadas às Leis Orgânicas de 37 municípios, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, João Pessoa e Florianópolis.
São apenas alguns exemplos de quanto ainda precisaremos evoluir para aprimorar nossa democracia e garantir que os direitos coletivos e as mais importantes demandas da sociedade estejam no horizonte de todos os nossos políticos. A ausência dessa participação, ativa e cidadã, só contribui para que o lugar continue a ser ocupado por lobbies de interesses menores quase sempre com prejuízos para a maioria da nossa população. Precisamos, portanto, apenas de mais democracia.
**Reinaldo Canto é jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de Comunicação do Greenpeace e coordenador de Comunicação do Instituto Akatu. É colunista da revista Carta Capital, da Rádio Trianon, do Portal Mercado Ético, colaborador da Envolverde, comentarista da Rede Vida e professor de Gestão Ambiental na FAPPES.
Artigo publicado originalmente na coluna do autor na Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br
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