Por Reinaldo Canto*
Viver no interior, longe da agitação das grandes metrópoles,
já não pode ser automaticamente classificado como um sinônimo de qualidade de
vida. Aquela ideia de que seus habitantes
convivem com uma rotina menos estressante sem congestionamentos e a
volta para casa durante o dia de trabalho para o desfrute de um tranquilo
almoço em família, começa a fazer parte do passado.
O tráfego pesado e a perda de tempo em trânsitos cada vez
mais demorados e complicados atingem cada vez mais as grandes, médias e até
mesmo as pequenas cidades do interior.
Segundo dados divulgados pelo Departamento Estadual de
Trânsito, o Detran de São Paulo, a frota de veículos do interior e da Grande
São Paulo crescem com o dobro da velocidade
em comparação com a capital paulista. Em um ano a cidade de São Paulo teve um
acréscimo de 213.291 veículos, o que corresponde a um crescimento de 3% no
total da frota, enquanto nas outras regiões do estado houve um aumento, no
mesmo período, de 1.159.526, ou seja, 7,6% mais automóveis.
As informações referentes ao mês de maio constataram que o
número total dos chamados veículos motorizados no estado atingiu a marca de
23.520.527, sendo que desse número, 7.274.917 correspondem aos veículos da
capital.
O fenômeno já podia ser sentido por quem reside ou trafega
com frequência em cidades grandes e médias de São Paulo. Trajetos que até pouco
tempo eram vencidos com bastante facilidade, hoje são percorridos com um grau bem maior de dificuldade.
Cidades como São José do Rio Preto (1,31 habitante/por
automóvel), Araçatuba (1,34), Ribeirão Preto (1,39) e Jundiaí (1,41),
localizadas em diferentes regiões de São Paulo, são algumas das que lideram o
ranking e ganham da capital (1,54 habitante/automóvel) na proporção de veículos
por pessoa.
Mais do que trazer orgulho aos seus habitantes pela
conquista do veículo próprio e dos sinais aparentes de “progresso”, a aposta e
o incentivo ao transporte individual requer do poder público o estabelecimento
de ações que busquem equacionar a nova realidade do tráfego urbano.
Como já ocorre nas grandes cidades uma porcentagem maior do
orçamento terá de ser destinado a obras viárias, entre elas, alargamento ou
construção de vias; novos viadutos; túneis e etc. Em geral, a consequência mais
nítida é a transformação radical do espaço público privilegiando os carros em
detrimento do espaço destinado às pessoas e aos meios alternativos de
transporte como bicicletas. Aliás, o uso de bicicletas tão comum em cidades
menores, corre o risco, com o aumento no número de carros, de se transformar numa
atividade cada vez mais perigosa, caso não receba atenção especial das
autoridades municipais de trânsito.
Enquanto continuarmos apostando todas as fichas do
desenvolvimento no incentivo ao consumo e no apoio a compra de veículos sem
qualquer contrapartida, o cenário só poderá ser esse: carros para todos os
lados, trânsitos enlouquecedores, muitas buzinas e mais acidentes.
Agora para sonhar uma vida mais tranquila será preciso
colocar a imaginação para voar ainda mais longe. Talvez seja preciso sonhar com outra
dimensão, pois por estas bandas está cada vez mais difícil.
*Reinaldo Canto é jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de
Comunicação do Greenpeace e coordenador de Comunicação do Instituto Akatu. É
colunista da revista Carta Capital, colaborador da Envolverde e professor de
Gestão Ambiental na FAPPES.
Artigo publicado originalmente na coluna do autor no site da revista Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/economia/imperio-do-automovel-toma-de-assalto-o-interior/?autor=599
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