Por Reinaldo Canto*
É realmente incrível como muitas pessoas se mostram
indignadas quando se discute a cobrança pelo uso da sacolinha plástica ou mesmo
o fim da sua comercialização.
Como afirmei em artigo anterior sobre o tema, sacola
plástica é apenas um símbolo, caráter meramente ilustrativo de uma era na qual
o consumismo exacerbado entorpece os corações e mentes das pessoas. Muitos
confundem o uso desse artigo de uso banal com direitos fundamentais e
inalienáveis a ser defendido em trincheiras e a força de baionetas.
Por mais que tenha ressaltado a pouca relevância que o
banimento ou não das sacolinhas teria sobre os verdadeiros embates, aliás
inadiáveis, relacionados à proteção ao meio ambiente, alguns comentários
fizeram questão de afirmar o contrário. Disseram ser uma “falácia”, entre
outras adjetivações diante de tantos produtos embalados com matéria plástica.
Para essas pessoas parece que vivemos num mundo em que o
cidadão/consumidor age da maneira mais correta possível, sendo responsável,
consciente e cumpridor de seus deveres. Diante de tantas virtudes, nada mais
lhe caberia fazer. E, se problemas existem, todos eles residem nos governos
corruptos e nas corporações gananciosas.
Não seremos nós, pessoas de bem, que deveríamos abrir mão do
mínimo que seja para forrar ainda mais os bolsos já cheios dos grandes
exploradores.
São também os mesmos que defendem, até mesmo com
lágrimas nos olhos, os direitos dos mais pobres, como afirmou esse leitor: “vá até a periferia de São Paulo e veja
nos supermercados como ficou a vida daqueles que fazem suas compras e não
dispõem de automóveis para o transporte dos produtos”. Quer dizer que além de não lhes darem carros
ainda tiram dos mais pobres as sacolinhas? Essa é realmente uma maldade acima
do aceitável!
A confusão
entre direitos sociais e consumo se amplia exponencialmente quando acreditamos
que todas as pessoas, além do divino direito as sacolas plásticas, faz jus também
a um carro. As cidades brasileiras, grandes e médias, já não suportam tantos
veículos de transporte individual. Estamos desfigurando a paisagem urbana,
gastando milhões, bilhões para fazer frente a uma realidade impossível de se
perpetuar. O real direito de ir e vir
com segurança, comodidade e rapidez é substituído pelo transporte próprio que,
na maioria dos casos, não garante os direitos descritos anteriormente e além do
mais custa muito caro.
Nada mais desonesto do que afirmar a pureza de uma sociedade
longe que está de adotar as melhores práticas de convivência civilizada,
harmoniosa e solidária. Tratamos os espaços públicos como terra arrasada,
jogamos lixo nas ruas, rios e lagos, inclusive as sacolinhas que
angelicalmente, todos afirmam armazenar seu lixo.
Vivemos durante longo período uma triste e cruel ditadura responsável
pela supressão de direitos, aí sim fundamentais. Tudo era imposto de cima para
baixo e a sociedade estava à mercê de grupos encastelados no poder e
determinando o que se podia ou não fazer.
Hoje não temos mais
essa ditadura, mas interesses de alguns continuam a prevalecer sobre os da
maioria. Agora, é preciso entender que se queremos usufruir de direitos é
necessário também sermos responsáveis.
São Paulo
Insustentável
A nova realidade de uso indiscriminado dos recursos naturais
coloca em cheque um estilo de vida perdulário e injusto. Sacolas plásticas,
carros, lixo, poluição, contaminação, estresse, consumismo, obesidade e tantas outras questões
relativamente novas são alguns nomes e símbolos dos enormes desafios da
sobrevivência que estão colocados, gostemos ou não deles.
Recente estudo da
organização não governamental WWF (World Wildlife Fund) com a consultoria
Ecossistemas concluiu que o paulistano tem um estilo de vida
insustentável. Isso significa que se
todos os habitantes do planeta tivessem o mesmo que os habitantes da capital
paulista seriam necessários 2,5 planetas.
Para essa conclusão são levadas em conta as emissões de carbono, hábitos
alimentares, como o de comer carne, moradia, lazer e consumos diversos.
Uma situação típica em que direitos e deveres são colocados
lado a lado. Não podemos abrir mão de
sermos protagonistas nessa discussão. Qual o meu direito de comprometer o
futuro dos meus filhos, da minha cidade e do meu planeta? Com a palavra o leitor/eleitor/cidadão/consumidor.
*Reinaldo Canto é jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de
Comunicação do Greenpeace e coordenador de Comunicação do Instituto Akatu. É
colunista da revista Carta Capital, colaborador da Envolverde e professor de
Gestão Ambiental na FAPPES.
Artigo publicado originalmente na coluna do autor no site da revista Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-sagrado-direito-de-consumir-o-planeta-2/?autor=599
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