26 agosto 2011

A publicidade e o consumo consciente

Não deveria ser uma tarefa das mais complicadas redirecionar o trabalho dos publicitários para um apoio efetivo no atendimento aos critérios da sustentabilidade


Por Reinaldo Canto*

A publicidade exerce um papel de protagonismo nas relações de mercado sendo um meio fundamental na disponibilização de informações sobre produtos e serviços aos consumidores. Raras são as empresas que não fazem uso sistemático desse meio para garantir o crescimento de suas vendas.

Afinal, como diz o ditado, “a propaganda é a alma do negócio”. Por essa razão somos diuturnamente bombardeados por peças de propaganda materializadas, muitas vezes, como num passe de mágica por meio de imagens ou jingles poderosos e inesquecíveis.

Para garantir esse efeito eletrizante, as agências trabalham com dezenas, centenas de profissionais extremamente criativos em busca da mensagem perfeita que vá “fisgar” o cliente/freguês/consumidor para a compra do que se pretende vender.

O grau de sofisticação alcançado pelo setor e o desenvolvimento da capacidade de convencimento não coloca em dúvida as incríveis habilidades dos publicitários em, conforme se dizia antigamente, “vender geladeiras para esquimós”. Mas será que já não passamos do limite e tenhamos que rever alguns dos valores dominantes no setor?
Será mesmo que vender uma geladeira ou outro produto qualquer para quem não precisa deva ser visto como positivo ou uma simples trapaça?

Apologia ao consumismo

Vivemos um momento delicado e único da nossa história no qual a combinação entre consumo e alta tecnologia propiciou acesso inédito a produtos antes disponíveis para alguns poucos privilegiados.

Claro que o fato de mais pessoas poderem adquirir produtos é algo muito positivo, apesar de ainda imperar uma grande desigualdade. Mas por outro lado, esse consumo, muitas vezes completamente irracional vem causando uma inédita pressão sobre as fontes energéticas e uma utilização predatória e insana dos recursos naturais do planeta.

E a publicidade possui uma cota significativa de responsabilidade nessa equação totalmente desequilibrada. Afinal, boa parte do que lemos, ouvimos e assistimos em anúncios associam determinados produtos ao que certamente, eles não correspondem, melhor dizendo, felicidade, satisfação, conquista e até mesmo amor e respeito.

O apelo cotidiano à emoção e a plena satisfação de desejos via mensagens publicitárias na compra de coisas nem sempre úteis ou realmente necessárias só
multiplica a sensação de que algo muito errado domina os destinos da humanidade.

A pressão vertiginosa para a compra do último modelo, mais moderno, sofisticado, com design mais arrojado do que o adquirido pouco tempo antes, imprime ao consumidor desavisado, uma terrível espiral criando a necessidade de consumo da qual nunca será possível estar totalmente satisfeito. Aí não é preciso muito esforço para concluir que estejamos no atual processo de destruição do essencial para produzir o supérfluo e o descartável.

Lixo é sinal do desequilíbrio

Nesse sentido é bastante emblemático o gigantesco aumento na geração de lixo. Em 2010, o Brasil produziu 60,8 milhões de toneladas dos chamados resíduos sólidos urbanos.
Essa quantidade foi 6,8% mais alta que a registrada em 2009 e seis vezes maior que o crescimento populacional que, no mesmo período, ficou em pouco mais de 1%. Podemos aí ter visões diferentes e complementares para a mesma questão: se aumentou a quantidade de lixo é sinal que cresceu também o consumo, por outro lado significou maior desperdício, consumismo exacerbado, aterros e lixões esgotados, contaminações e, consequentemente, grandes problemas no horizonte. (ver também: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/brasil-perde-de-goleada-para-a-sociedade-do-desperdicio).

Hora de Mudar?

Sem que se abandonem seus objetivos profissionais e, claro, contando com o apoio fundamental dos anunciantes, a categoria dos publicitários não poderia colaborar para que o consumidor faça as melhores escolhas para si e para o planeta? Como? É óbvio que muito terá de se discutir sobre o assunto, mas algumas sugestões poderiam aos poucos fazer parte da realidade dos anúncios.

Por que não informar mais sobre o produto em questão focado nas suas características reais ao invés de usar pirotecnia e subterfúgios para convencer o comprador?
Pois ao abrir um pote de margarina difícil acreditar que a vida ficará melhor e mais feliz, não é mesmo? Por que não abordar no anúncio as funcionalidades do produto em lugar de substituir essa análise pela falsa sensação da conquista e do status?

Algumas propagandas de carros, por exemplo, procuram associar características ao veículo que, efetivamente não fazem parte da venda.

Tenho certeza que com a genialidade dos nossos publicitários já demonstrada pelos inúmeros prêmios internacionais recebidos ao longo dos anos, não deverá ser uma tarefa das mais complicadas redirecionar seu trabalho para um apoio efetivo no atendimento aos critérios da sustentabilidade e ao consumo consciente.
Certamente, eles também irão se beneficiar ao longo do tempo. De qualquer maneira, caberá aos responsáveis pelos anúncios, os verdadeiros agentes dessas transformações, caso entendam a urgência de fazer a parte que lhes de dever e direito nesse processo, ou seja, o de implementar ações em prol de um desenvolvimento sustentável, equilibrado e racional. Com a palavra os publicitários!!!

* Reinaldo Canto é jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de Comunicação do Greenpeace e coordenador de Comunicação do Instituto Akatu. É colunista da revista Carta Capital, colaborador da Envolverde e professor de Gestão Ambiental na FAPPES.

Artigo publicado originalmente na coluna do autor, Cidadania & Sustentabilidade, no site da revista Carta Capital. http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-publicidade-e-o-consumo-consciente

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