13 outubro 2010
Paris Hilton e Miguel Nicolelis
(Ou o que somos e o que poderíamos ser)
Por Reinaldo Canto*
Um país sem educação vai além de problemas com mão de obra qualificada. Essa lacuna empobrece e fragiliza a sociedade e o país. A educação contribui para a formação de seres pensantes e cidadãos mais preparados e menos manipuláveis. A educação também colabora decisivamente para disseminar valores como respeito, conhecimento, solidariedade, tolerância e ética.
Nos últimos dias, dois fatos diametralmente opostos por sua importância e relevância, me chamaram a atenção e aqui reproduzo:
1 - O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, que trabalha no Departamento de Neurobiologia da Universidade Duke, Carolina do Norte (EUA), foi um dos escolhidos para receber o Transformative R01 Award dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos. O prêmio dá direito a um financiamento para pesquisas de aproximadamente US$ 4 milhões (quase R$ 7 milhões).
Ele já havia recebido em julho o Pioneer Award, criado pela mesma instituição em 2004, pelo qual recebeu US$ 2,5 milhões (R$ 4,3 milhões aproximadamente) para dar continuidade a suas pesquisas no campo da interface cérebro-máquina. Nicolelis é o primeiro cientista no mundo a receber da instituição americana no mesmo ano o Pioneer e o Transformative R01.
Nicolelis é, além de um cientista renomado, um homem preocupado com o desenvolvimento do Brasil. Por essa razão, montou o Instituto Internacional de Neurociências de Natal, um centro de excelência em neurociência, no estado do Rio Grande do Norte. Jovens da região, graças ao empenho de Miguel Nicolelis, estudam no local e os que se destacam tem a oportunidade de trabalhar no Instituto.
2 – A socialite internacional Paris Hilton, herdeira de uma fortuna, conhecida pela gravação de um filme pornô e excessos variados, foi considerada culpada por uma corte nos Estados Unidos por porte de cocaína e ficará em liberdade condicional por um ano. Ao mesmo tempo ela é cortejada em nossas terras vem ao Brasil para gravar comerciais e ser garota-propaganda de uma grande cervejaria nacional recebendo um bom dinheiro por isso.
Esses fatos que nada tem em comum, causam reações bastante diferentes. Por essa razão, tracei cenários distintos, ou seja, o da nossa triste realidade e outro para um país ideal, no qual a educação seja vista como prioridade por todos os setores.
Cenas do país real:
Miguel Nicolelis 1
Pequenas matérias de portais de internet e notas de rodapé em páginas internas de jornais relatam a premiação de um dos maiores e mais engajados cientistas brasileiros. As revistas de celebridades não falam do assunto, pois fatos e "gente sem importância" não entram nas suas páginas.
Na noite seguinte ao recebimento do novo prêmio Nicolelis é visto em um restaurante movimentado em São Paulo com a família e um pequeno grupo de amigos comemorando o feito. Não foi interpelado por ninguém, algumas pessoas comentam em desaprovação o fato de naquele restaurante da elite paulista, aquele "desconhecido" trajar uma camiseta do Palmeiras, time do coração do cientista.
Paris Hilton 1
Tanto a condenação quanto a vinda ao país recebem grande cobertura. Fotos e imagens da musa são reproduzidas em diversas mídias, com grande destaque dos veículos de fofocas e celebridades. Paris recebe muitos convites para participar de programas de televisão, de inúmeras festas e eventos sociais. Por onde passa é cercada de fotógrafos, cinegrafistas e populares que se aglomeram reverenciando o vazio e a futilidade. Seguranças são contratados para evitar o assédio e a histeria de jovens que a vêem como um ídolo.
Num outro país, aquele ideal que mencionei, as duas personagens seriam tratadas de outra maneira:
Miguel Nicolelis 2
O cientista é capa de todos os jornais e portais de notícias brasileiros. Matérias descrevem o trabalho e esforço de Nicolelis para criar centro de excelência científica no Nordeste do país. Outras notícias falam dos projetos sociais e de formação de jovens carentes para trabalhar com ciência. A imprensa esportiva ressalta que o grande cientista é palmeirense fanático e já usou o futebol até em artigos científicos. Em entrevista coletiva Nicolelis falou dos seus projetos e na confiança que tem no futuro do país.
Nicolelis é aplaudido de pé ao entrar em restaurante da capital paulista para jantar ao lado de amigos e familiares. Mais cedo em jogo do Palmeiras, é homenageado pelos jogadores e torcedores do seu time. Antes de se iniciar a partida, aliás vencida por seu time, ouviu-se no estádio: Uhhh Nicolelis, uhhh Nicolelis.
Paris Hilton 2
A socialite vem ao Rio de Janeiro para descansar após a condenação. Apenas um jornal registra o fato, mesmo assim por acidente. É que um repórter foi ao aeroporto entrevistar Miguel Nicolelis e perdeu a viagem (o cientista teve que cancelar a sua ida ao Rio em função de outros compromissos). Por essa razão, o jornalista registra a chegada da moça numa simples notinha de rodapé.
No trajeto do aeroporto ao hotel, a jovem não é importunada. Ninguém nota a sua presença, além dos homens que tem predileção por loiras. E as revistas de fofoca e celebridades? Nesse meu país ideal, elas simplesmente não existiriam.
Bem, um país assim está bem distante de se tornar realidade, mas como faz bem sonhar!
Aos dois personagens aqui descritos fica a minha saudação:
Parabéns e muito obrigado Nicolelis!!
Paris... ahh... deixa pra lá!!
* Jornalista, consultor e palestrante, é colaborador da Envolverde, foi diretor de comunicação do Greenpeace e coordenador de comunicação do Instituto Akatu.
Blog: http://cantodasustentabilidade.blogspot.com/
FOTO
Legenda: Miguel Nicolelis
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4 comentários:
Salve meu Rei :)
Eu também quero morar nesse país imaginário.
beijos
Didi
Amigo, sensacional artigo. Uma triste constatação... temos a imprensa que merecemos, pelo visto. A imprensa, e digo isso como jornalista que sou, tem me dado nojo! NOJO!
Eu também sou habitante “desse” nosso país.
Valha-nos Deus! Vale sonhar! Vale despertar nas cabecinhas incautas o que realmente vale a pena.
Sou “fã” do Nicollelis e de seu trabalho.
Véio, ficou maneiro seu texto! Sou educador e vou levá-lo para meus alunos.
Um abraço, Canto!
Leôncio
PS.: Vai uns versos pro “conterrâneo”:
Conheço uma cidade que
não tem um nome
No centro
tem um jardim gigante
com rosas gigantes
e uma fonte transparente
por isso, o perfume dessa cidade
chega a outras cidades
mas ninguém sabe de onde vem
aqui os anjos ensaiam seus cantos
e as estrelas aprendem a brilhar
Os que por aqui passam
se acham
Se acham poetas, inventores
perfeitos e poderosos
e correm riscos
sem medo do abismo
Mas o único risco é não saber voltar
e quantos amigos tenho perdido...
se encantam por qualquer canto
por estrelas imbrilhantes
e por rosas miúdas
mudas
Mas,
Se acham
Voltam
Pra regar o jardim gigante
com rosas gigantes
da cidade sem nome.
Reinaldo Canto, você cantou alto com este artigo. Me arrepiei. Na verdade, sinceramente, eu ensaiei olhos embargados! Tenho tanta vergonha do nosso país. Nós poderíamos ser melhores em tantos campos, mas o que esperar se até o presidente se vangloreia da falta de instrução? Cada vez mais vemos pessoas afirmando que o alto índice de aborto é questão de saúde pública, quando a gente sabe que apenas e unicamente a falta da boa educação nos traz todo tipo de conta macabra, seja morte, guerra e destruição. Seu texto foi perfeito! Irei partilhar! Bravo ao cientista! Bravo a iniciativa louvável! E bravo a sua sincera sensibilidade!
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