06 novembro 2009

BOLSO: ANTÍDOTO CONTRA O DESPERDÍCIO

Por Reinaldo Canto* Especial para a Envolverde

Na ausência do valor monetário residem alguns dos nossos problemas

São Paulo é a cidade que não desperta porque simplesmente nunca dorme! A maior cidade do país também é conhecida por ser uma síntese de muitas das características encontradas em pontos diversos do Brasil. Muitos eventos culturais, inúmeros congressos nacionais e internacionais e uma gastronomia variada e de alta qualidade. A metrópole também possui números superlativos dignos de nota e celebrações.

No princípio de outubro pudemos comemorar a aposentadoria do último Aterro Sanitário público da capital, o São João, cuja capacidade foi esgotada após chegar a expressiva marca de 28 milhões de toneladas de lixo. Nos seus bons tempos de juventude, nos não tão antigos anos 90, o aterro São João recebia cerca de 6 mil toneladas diárias de lixo, mas já próximo de seu merecido descanso, passou a receber “apenas” mil toneladas por dia. Bem, descanso não é bem o termo já que em sua área ocupada de aproximadamente 435 mil m² ou cerca de 60 campos de futebol, suas 28 milhões de toneladas alcançam 160 metros de altura, praticamente o mesmo que o Terraço Itália (168 metros), faz-se necessário um monitoramento constante para que essa verdadeira montanha não venha abaixo. Agora todo o lixo paulistano é “exportado” para municípios vizinhos, pois diferentemente do que muita gente pensa, o “jogar fora”, na verdade, significa “jogar dentro”, pois se não está na sua casa, esse lixo está mais perto do que se imagina, contaminando e sujando nossas águas, nosso ar e nossa vida.

Para não perder o pique nas comemorações de São Paulo e aproveitando que acabei de falar em água e do lixo que “não se joga fora”, temos outro número fantástico que vem de um dos locais mais conhecidos dos paulistanos, o Parque do Ibirapuera. Notícia publicada pelo jornal O Estado de São Paulo registra que são retiradas por semana, repito, por semana, 500 quilos de lixo apenas do lago do Ibirapuera. Segundo o jornal, já foram encontrados de sacos de seringa, bicicleta velha, sacos plásticos, garrafas pet e por aí vai.

A relação direta entre valor das coisas e o descarte do lixo

Vou revelar agora porque essas ironias foram expressas dessa maneira, por assim dizer, com certo grau de agressividade. Dia desses fui à lavanderia do meu bairro buscar minhas roupas. Como, gentilmente, as camisas e calças passadas são entregues envoltas num plástico e com um cabide para não amassá-las, fiz a seguinte colocação, seguida pela sugestão:

- Obrigado, eu dispenso os cabides e os plásticos, pois já os tenho em número suficiente. Que tal vocês me darem um desconto pelo não uso dos cabides e dos plásticos? Aliás, isso poderia ser feito com todos os seus clientes.
Resposta do atendente:

- Não vai adiantar a gente paga cerca de três centavos por cabide e não vale à pena fazer isso.
Esse diálogo me deixou estarrecido e mesmo com a resposta continuo a fazer propostas para reverter esse posicionamento tão danoso ao planeta (tal como a devolução de um certo número de cabides em troca de uma roupa lavada ou passada).

O que esse diálogo revela é que há uma relação direta entre o valor dos cabides e dos plásticos com a aposentadoria do Aterro São João e os 500 quilos de lixo do lago do Ibirapuera, em resumo: o valor de certos materiais.

Um dado interessante publicado pela revista Época São Paulo (edição de março de 2009) dá conta que São Paulo produziu em 2008, 3.437.607 toneladas de lixo domiciliar, 3% a mais do que em 2007. A informação curiosa é que a população da cidade de um ano para o outro cresceu apenas 0,6%. A simples conclusão é que estamos gerando mais lixo por pessoa a cada ano que passa.

Em uma sociedade de consumo que vem se caracterizando pelo culto ao descartável, a quantidade de lixo é proporcional a falta de consciência e ações que passam por todos os setores, sejam eles públicos, privados e até chegar ao próprio cidadão.

Se podemos registrar que no Brasil temos o mais alto nível de reciclagem de latinhas de alumínio do mundo (algo em torno de 95% ou 96%), também é fácil afirmar que existem materiais tão diversos como papel, papelão, vidro, isopor, garrafas PET, sacolas plásticas e tantos outros que são perfeitamente recicláveis. Pelo menos 30% dos lixos domiciliares são compostos de materiais recicláveis, mas apenas 1% acaba sendo recuperado pela coleta seletiva.

É muito triste imaginar que toneladas de material reciclável entopem os lixões e aterros sanitários quando poderiam voltar a ser utilizados por empresas em produção de novos produtos. Um caso exemplar é o do vidro. Um quilo de vidro é totalmente aproveitado na reciclagem num círculo virtuoso que contribui para que não sejam necessárias as extrações de matérias-primas existentes na natureza. Isso vale para todos os outros materiais que são descartados. Papéis reutilizados e reciclados evitam o corte de árvores; sacolas plásticas reutilizadas e recicladas deixam de entupir bueiros, poluir rios e mares, etc, etc ...

As razões para esse estado de coisas são inúmeras: ausência de políticas públicas efetivas de incentivo a coleta e reciclagem e de educação ambiental para a população; uma parte da iniciativa privada que não se empenha em tratar resíduos e criar ações para reaproveitamento de materiais na sua linha de produção e o cidadão que desperdiça, não reutiliza, não recicla e ainda joga lixo nas praças, ruas, rios e lagos.

Os argumentos acima são bastante defensáveis e, sem dúvida, devem ser trabalhados para que se encontrem soluções para os lixos e seus descartes, mas quero voltar aos meus cabides e a uma recente palestra que dei numa indústria química em São Paulo. Ao falar do sucesso da reciclagem das latas de alumínio e do fracasso em geral dos outros materiais, um funcionário da empresa concluiu:

- Não adianta, só quando dói no bolso o pessoal se mexe!!

Nada mais óbvio do que isso, o valor dos materiais é o fator determinante para garantir a reciclagem e até mesmo contribuir para a redução do seu uso e descarte.

Cobrar o que é de graça, aumentar o preço do que for muito barato

Se o poder público garantisse preços convidativos para os materiais hoje menos atrativos, tenho certeza que teríamos mais plásticos, papéis, vidros, isopores, entre outros, sendo recolhidos com eficiência, e, consequentemente voltariam para a cadeia produtiva sem entulhar os nossos aterros e lixões.

O incentivo à reciclagem que também possui benefícios sociais importantes, já faz parte da discussão. Foi por essa razão que na semana passada o governo federal anunciou uma série de projetos de capacitação que irão beneficiar 10.600 catadores em 18 estados do País. O convênio foi assinado durante a Reviravolta Expocatadores, evento que tem como objetivo desenvolver políticas públicas de inclusão para catadores de materiais recicláveis.
Outra medida menos discutida, mas creio que muito eficiente e de fácil aplicação, é dar valor ao que não tem.
Pensem a respeito:

Se a sacola plástica do supermercado, da drogaria ou da padaria custasse 0,30 ou 0,20 centavos, as pessoas usariam da mesma maneira que agora? Levariam em grande quantidade? Jogariam nas ruas, rios e praças, mesmo que sem uso? (Alguns estabelecimentos varejistas já começaram a adotar essa medida no Brasil enquanto em países como a Alemanha a sacola plástica é cobrada em todas as compras).

E quanto aos cabides e plásticos da lavanderia que citei acima? E outros tipos de embalagens? E as bandejas de isopor nos supermercados? Se fosse possível devolvê-las e com isso obter algum desconto?

Aliás antes da proliferação das garrafas PET, cervejas e refrigerantes eram majoritariamente vendidas em garrafas de vidro e, o “casco” como eram conhecidas, tinham valor. Quando a garrafa era devolvida vazia, o estabelecimento retornava ao consumidor um pequeno valor ou da mesma maneira quando a bebida era comprada sem a entrega de garrafas vazias, no preço da bebida estava lá embutido o valor do “casco”. Nesses casos, só quem rasgava dinheiro ou estava muito bêbado para pensar no assunto, jogava sua garrafa na rua ou no rio. Por que não voltarmos a usar as garrafas de vidro ou usar as garrafas PET da mesma maneira que se fazia antigamente?

Vivemos situações críticas em várias áreas vitais para a sobrevivência humana, a questão da geração do lixo, da contaminação das águas, o desmatamento e o aquecimento global estão entre as principais. Infelizmente, medidas isoladas sejam do poder público, sejam da iniciativa privada e até de cidadãos mais conscientes são louváveis, mas de resultado limitado.

Cobrar por todos esses materiais e embalagens dando valor ao que as pessoas hoje descartam seria uma maneira rápida de mudar a realidade tenebrosa do desperdício, do descarte inconseqüente e da falta de educação.
O melhor, é claro, seria conquistar consciências, mas é óbvio também que os resultados tem sido modestos até mesmo nos países ditos desenvolvidos e educados.

Conclusão, para que São Paulo e outras capitais e cidades brasileiras não apresentem números tão tristes, pelo menos em relação a sujeira e geração de lixo, fico com a filosófica afirmação do rapaz da empresa química:
- Só quando dói no bolso o pessoal se mexe!

Então, que assim seja!

*Jornalista, consultor e palestrante, foi diretor de comunicação do Greenpeace e coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente



(Envolverde/O autor)

Um comentário:

ana_didi disse...

Rei, é o mesmo valor que supermercado desconta quando você não usa os sacos plásticos deles.
Com R$0,03 não se compra mais nada nesse mundo, não compra nem uma balinha de hortelã, a não ser um bocado de sacolas de plástico impressas!
Plástico tem um custo de mercado baixissimo e um custo absurdo para a vida.
As coisas só vão mudar mesmo quando doer no bolso, tá certo.
Afinal, o bolso é a parte mais importante da anatomia do ser humano.
Afff!