A sociedade brasileira, com raras e honrosas exceções, segue acreditando em mágica e fenômenos milagrosos dignos de feiticeiros e curandeiros dos tempos mais primitivos. Só a completa ignorância a envolver autoridades públicas, iniciativa privada e população em geral para desconhecer de maneira tão persistente e descontrolado aumento na geração de lixo, ou melhor, resíduos sem que isso traga consequências nefastas para todos.
A crença semelhante aos de mitos tradicionais como Papai Noel e Coelhinho da Páscoa é, nesse caso, transposto sem qualquer dificuldade para um mundo pretensamente adulto, em relação ao fantástico desaparecimento dos sacos de lixo. Algo extraordinário a rivalizar com as maiores façanhas de grandes mágicos. Pois basta colocar na porta de casa ou ao fim de um dia de trabalho intenso de uma loja ou restaurante para que aquele material descartado simplesmente desmaterialize de maneira inodora e indolor.
Só assim para entender as conclusões do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, divulgado recentemente pela Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais). Em 2012 a geração de lixo por habitante chegou à casa dos 383 quilos anuais, o que representou quase 64 milhões de toneladas de resíduos gerados no País durante o ano passado. Os números correspondem a um aumento de 1,3% em relação ao relatório de 2011, maior do que o crescimento populacional de 0,9% constatado no mesmo período.
Mais grave do que o aumento progressivo na geração de resíduos é a quantidade de 24 milhões de toneladas que tiveram uma destinação irregular, ou seja, descartados no mínimo de maneira inadequada em aterros apenas controlados, lixões e até mesmo em rios, córregos e terrenos sem qualquer preparo para receber esses materiais. Lembra-se do incrível caso dos sacos de lixo que desintegraram citados acima? Pois bem, está aí uma boa parte deles. Exatamente o que acontece em uma boa mágica, apenas uma ilusão de ótica ou coisa parecida. O descarte irregular traz prejuízos imensos em forma de doenças, poluição e a consequente perda de qualidade de vida.
As cidades na contramão
São mais de 3 mil municípios brasileiros que ainda não tratam a gestão de resíduos como algo prioritário e urgente na administração pública. Mesmo sendo um fator que pesa no orçamento municipal, uma parte considerável dos nossos prefeitos pouco faz para mudar essa realidade. Perguntados pelos pesquisadores responsáveis pela elaboração do Panorama de Resíduos Sólidos, entre os mais de 5.500 municípios do País, 60% informaram realizar algum tipo de coleta seletiva. Portanto, outros 40% responderam negativamente à pergunta. Isso significa que mais de 2.200 cidades do País não realizam a separação de materiais que vão integralmente para aterros e lixões - que, em sua maioria, estão em situação de esgotamento.
A publicação do relatório com os dados relativos a 2012 fechou o ciclo de dez anos em que a Abrelpe realiza esse levantamento. Entre algumas poucas boas notícias, tais como o aumento da destinação mais correta e um pequeno crescimento na reciclagem, nessa década de pesquisa tivemos o agravamento dos problemas que envolvem a geração de resíduos. Só para ficar em um número emblemático, há dez anos eram recolhidas 166 mil toneladas de lixo por dia e agora esse montante atingiu a marca de 201 mil toneladas diárias. Enquanto, no período, a população brasileira cresceu pouco menos de 10%, a geração do nosso lixo de cada dia subiu para 21%.
Falta pouco mais de um ano para que a Política Nacional de Resíduos Sólidos entre definitivamente em vigor. Mesmo assim nos afastamos cada vez mais de seus principais objetivos: gerar menos resíduos, eliminar lixões e, efetivamente, formar uma cadeia produtiva baseada na logística reversa e no reaproveitamento e reciclagem de materiais capazes de criar empregos e eliminar problemas que afetam, de uma maneira ou outra, a todos nós brasileiros.
Assim como precisamos entender que os sacos de lixo não desaparecem e já não tem mais tanto tapete para empurrar a sujeira, a responsabilidade também precisa ser entendida como algo compartilhado, pois a solução só será alcançada com a participação de todos, sejam governos, empresas ou cidadãos.
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