29 janeiro 2013

Preservação e desenvolvimento na mesma trilha


Por Reinaldo Canto*

Estar sujo de terra, ser picado por uma centena de mosquitos e caminhar por vezes debaixo de chuva torrencial e outras sob o sol inclemente foram apenas pequenos dissabores diante de sensações bem mais prazerosas. O contato com a natureza já é muito revigorante por si só, mas, se além disso for acompanhado de estimulantes conversas com pessoas conscientes do valor da preservação ambiental, aí tudo faz sentido e enche a gente de alegria e satisfação.

E é uma natureza que teima em mostrar sua beleza, pujança e importância para a sobrevivência de todos os seres vivos do planeta. Mesmo com tantas e constantes agressões basta uma pequena mãozinha para que ela refaça o caminho natural da vida.

Essa experiência foi possível ao acompanhar o trabalho da ONG Iniciativa Verde, que realiza projetos de reflorestamento no Vale do Ribeira, na região sul de São Paulo, conhecida por ser grande produtora de banana, palmito e também por inúmeros problemas relacionados à degradação ambiental.

Cílios do Ribeira

Um dos projetos é o Cílios do Ribeira, em parceria com o ISA – Instituto Socioambiental – e outras 40 instituições, a Iniciativa Verde é a responsável por recuperar diversas áreas em propriedades rurais com o plantio de 25 hectares, utilizando recursos oriundos de um programa chamado Carbon Free, no qual empresas e eventos compensam suas emissões de gases de efeito estufa, por meio do plantio de árvores de mata nativa em áreas degradadas de mata ciliar, na beira de rios.

Para o sucesso da empreitada é fundamental o apoio das comunidades e agricultores locais, os verdadeiros protagonistas para colocar e manter o projeto, literalmente, em pé.

É o caso da cooperativa de agricultores Empreendimento Socioambiental Guapiruvu, parceiro no projeto Cílios do Ribeira. Conforme conta o agricultor Gilberto Ohta, diretor da Cooperativa Agropecuária de Produtos Sustentáveis do Guapiruvu e um dos principais líderes da comunidade, o desmatamento para a venda da madeira associado ao cultivo intensivo de monoculturas, como o gengibre e a banana, durante anos foram responsáveis por levar doenças aos cultivos e, consequentemente, empobreceram o solo.

Hoje, após grande esforço de convencimento das 100 famílias (pertencentes à comunidade ou ao assentamento) pelo menos 70 famílias participam da cooperativa que beneficia a bananeira e o pupunheiro, dois dos principais cultivos da região. E, segundo Ohta, 95% dos agricultores já estão convencidos da importância de utilizar critérios de desenvolvimento sustentável em suas propriedades.

“Nesses últimos anos construímos o nome em cima da questão ambiental, das questões éticas e absorvemos a importância de se cuidar do solo e proteger o rio”, explica Ohta. “O projeto Cílios do Ribeira nos ajuda a recuperar as matas ciliares e a garantir água de qualidade para os nossos cultivos”, afirma.

Quando se estabelece essa sinergia em que todos os personagens convergem para a obtenção dos mesmos resultados, o cenário é o que podemos observar: uma bela mata se regenerando e trazendo de volta também a fauna: mamíferos, pássaros, peixes, além dos… mosquitos e suas picadas. Que sejam todos muito bem-vindos!!
*Reinaldo Canto é jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de Comunicação do Greenpeace e coordenador de Comunicação do Instituto Akatu. É colunista da revista Carta Capital, colaborador da Envolverde e professor de Gestão Ambiental na FAPPES.

Artigo publicado originalmente na coluna do autor no site da revista Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/carta-verde/preservacao-e-desenvolvi...
Blog: cantodasustentabilidade.blogspot.com
Linkedin: Reinaldo Canto
Facebook: Reinaldo Canto
Skype: reinaldo.canto
Twitter: @ReinaldoCanto

20 janeiro 2013

A falta que faz um carro… ou não!


Começo de ano, bom momento para fazer novos planos e rever os antigos. Reorganizar metas, objetivos, desejos e colocar tudo em perspectiva. Também é salutar refletir sobre hábitos há muito tempo arraigados e, quem sabe, necessitem ser abandonados ou modificados em nome de uma vida mais saudável e equilibrada.
Há mais de dez anos não sou proprietário de um veículo motorizado. Resido em uma região muito bem servida de transporte público (ônibus e metrô), uma gama de serviços quase ao alcance da mão (supermercados, cinemas, padarias, bancos) e para quase todos os meus compromissos profissionais o tempo médio gasto em deslocamentos gira em torno de 20 minutos (espantoso e irrisório para uma cidade como São Paulo). Por essas razões, a decisão sobre voltar a ter um carro tem sido protelada sine die. Portanto, decidi por um momento, levantar nestas linhas a possibilidade de adquirir uma dessas máquinas maravilhosas e redentoras.
Uma pausa para falar do interesse coletivo
Aqui neste espaço já falei diversas vezes dos problemas relacionados ao transporte individual. Entre eles, os causados pelo aumento exponencial, nos últimos anos, no número de carros que ocupam as ruas, estradas e avenidas de todo o país. Algumas das consequências: congestionamentos cada vez maiores; cidades desfiguradas por obras caras e ineficientes; perda da qualidade de vida e aumento da poluição. Neste último item, tivemos no final de 2012 a notícia de que São Paulo já não irá cumprir sua meta de redução das emissões de gases do efeito estufa. Ao invés de reduzir foi registrado um aumento nas emissões da cidade no período de nove anos até 2011.
O inventário paulistano de emissões dos chamados GEEs responsáveis pelo aquecimento global registrou crescimento de 4,4% de 2003 a 2011, atingindo 16,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente. O número corresponde à emissão de 1,5 tonelada por habitante. Na ocasião, o professor Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, afirmou que uma possível solução virá por ações que reduzam o transporte individual na cidade.
De volta às decisões de caráter pessoal
Agora voltando à dúvida cruel: comprar ou não um carro? Antes de mais nada é importante ressaltar que busquei fazer uma reflexão baseada em fatos cotidianos, opiniões de pessoas conhecidas, leituras e sobre os apelos comerciais a que somos bombardeados diariamente.
Sei muito bem que existem outras realidades bastante diversas da minha, as motivações para se possuir um carro variam bastante, mas é também verdade que uma boa parte das principais razões a favor ou contra a propriedade de um “veículo motorizado para o transporte individual” (chamados a partir de agora neste texto de VMTI), guardam semelhanças comuns.
Senão vejamos esse singelo levantamento de 10 argumentações contra e a favor para a aquisição de um VMTI. Como disse anteriormente não são baseados em levantamento científico, mas apenas na realidade cotidiana.
Os 10 argumentos contrários são: 1 – IPVA; 2 – Licenciamento; 3 – Seguro; 4 – Manutenção e Combustível; 5 – Estacionamento; 6 – Congestionamentos; 7 – Segurança; 8 – Liberdade; 9 – Comodidade; 10 – Sedentarismo.
E as 10 argumentações a favor: 1 – Necessidade (por deficiências do transporte público); 2 – Deslocamentos (constantes durante o dia); 3 – Transporte de Crianças e material de trabalho; 4 – Lazer noturno; 5 – Segurança; 6 – Liberdade; 7 – Comodidade; 8 – Status; 9 – Diferenciação/Individualidade; 10 – Felicidade.
Racionais ou subjetivos, o poder das boas decisões
O leitor poderá notar que os primeiros apontamentos referem-se a critérios racionais, baseados em questões financeiras, profissionais e logísticas.
Também há de notar que na sequência algumas das ponderações são exatamente iguais para ambos, pois refletem o ponto de vista do observador e seu cotidiano. Questões como, por exemplo, estar dentro ou fora de um carro representa maior ou menor segurança? É possível afirmar em qual situação se está mais protegido? Dentro de um VMTI a pessoa está menos ou mais exposta a assaltos e acidentes?
Quesitos como liberdade e comodidade são outros fatores que vão depender de condições bastante individualizadas. Para os que podem andar a pé ou de metrô em horários alternativos esses argumentos vão soar de maneira completamente diferente, em relação àqueles que são obrigados a tomar um ônibus superlotado em horário de pico. No segundo caso, o que esse cidadão vai preferir?
Melhor estar de pé, espremido em ambiente abafado durante 1 ou 2 horas dentro de um ônibus ou, mesmo parado em um congestionamento, sentado em seu VMTI, ouvindo música com o ar condicionado ligado?
Já para os primeiros que poderão se utilizar de um transporte rápido e barato como o metrô ou até mesmo realizar aprazíveis e saudáveis caminhadas, bem menos estressantes e desconfortáveis o uso de um VMTI é pouco recomendável, pois sujeito estará a ficarem parados em desnecessários e cansativos engarrafamentos.
As boas razões encobertas
Entre a lógica pura e as razões subjetivas, mas não desprovidas de uma boa carga de bom senso, chegamos aos 3 últimos itens que se referem especificamente às motivações para a posse de um VMTI.
Serão poucos aqueles que os colocarão conscientemente na lista dos dez mais, mas posso afirmar que em inúmeros casos, o estímulo principal para a compra do veículo está associado a ideias como Status, Diferenciação e Felicidade.
Fortemente influenciados pela maciça e onipresente publicidade de carros, muitos incautos são levados a comprá-los, não pelas óbvias necessidades, mas por fatores desprovidos de recomendáveis ponderações.
Os anúncios em TVs, rádios, jornais e revistas “vendem” os VMTIs como redentores de todas as nossas frustrações. Do sujeito que vai sumindo aos poucos e numa corrida em desespero e só recupera a sua visibilidade dentro dessa máquina milagrosa, ao festival de estereótipos vazios em que se determina uma pessoa respeitável pelo que ela possui e como se apresenta terminando ou começando por seu bólido na garagem, somos todos barbaramente influenciados por essas publicidades.
Seremos melhores, mais bonitos, mais bem sucedidos e até mesmo únicos, ao comprar um determinado VMTI, mesmo que ele seja um veículo de série medianamente popular e comercializado aos milhares. Uma falácia que, infelizmente, consegue ludibriar muita gente.
Bem, depois dessas rápidas considerações e nem um pouco seduzido por esses anúncios que me abririam as portas do paraíso, concluo que ainda continuarei sem um veículo motorizado de transporte individual. Quem sabe no próximo ano.
E você leitor? O que acha de tirar as suas próprias conclusões a favor ou contra a posse desses veículos?

09 janeiro 2013

COP 18: A inexplicável irrelevância


É bem difícil aceitar que o nítido e incontestável agravamento dos problemas climáticos mundiais seja acompanhado por tão poucas ações efetivas para enfrenta-los. Isso é o que podemos constatar quanto aos resultados da Conferência do Clima, a COP 18, realizada nas duas últimas semanas em Doha, Catar.
Os representantes dos cerca de 193 países presentes ao encontro chegaram a demonstrar alívio com o acordo que definiu a revalidação do Protocolo de Kyoto até 2020. O documento tinha encerramento previsto para o final de 2012, mas, mesmo tendo alcançado resultados insatisfatórios, o mundo concluiu que pior seria ficar sem o protocolo. Bem ou mal, Kyoto é o único acordo internacional que define a obrigatoriedade dos países desenvolvidos reduzirem as suas emissões de gases de efeito estufa.

Ao mesmo tempo que a atmosfera aquece a cada ano, as conferências climáticas se tornam mais frias e pouco producentes. E isso também vale para a COP 18. Foto: Karim Jaafar/AFP

O retrocesso foi evitado, mas temos realmente algo a comemorar? Nas palavras do economista britânico Nicholas Stern, a resposta é não. Segundo ele, caminhamos para um aumento da temperatura entre 3º e 5º C, o que vai trazer consequências muito negativas para a vida no planeta.
Diversas organizações que estiveram no Catar, como o Greenpeace e o WWF, demonstraram insatisfação e pessimismo diante da pouca ambição demonstrada pelas lideranças mundiais. “Baseados no que vimos aqui, não é possível ser otimista num futuro próximo”, afirmou o diretor-executivo do Greenpeace Internacional, Kumi Naidoo.
Nesse segundo período do Protocolo de Kyoto, os países da União Europeia, Austrália e alguns outros – 36 nações entre as mais industrializadas do mundo -, se comprometem a reduzir suas emissões. Juntos, respondem por 15% das emissões globais. Seguem de fora os maiores contribuintes do aquecimento global: Estados Unidos, China, Brasil e Índia. Para piorar o novo acordo, Japão, Rússia, Nova Zelândia e Canadá decidiram não aceitar o compromisso.
O que estava longe de ser considerado bom ficou ainda pior.
No que se refere ao financiamento dos 100 bilhões de dólares anuais para compor um fundo climático de apoio aos países em desenvolvimento, mais uma vez nada foi decidido. Tudo permanece como estava, ou seja, totalmente indefinido. A crise internacional é a desculpa da vez para deixar tudo como está para ver como é que fica.
O que esperar dos próximos encontros?
Em matéria de decisões importantes as últimas conferências se equivalem, mas em relação à sua representatividade, há muitas diferenças. Da COP 15 realizada em 2009 na Dinamarca para cá, parece que as discussões climáticas vêm perdendo gradativamente seu espaço nas agendas dos países.
Foto: Christopher Craig/Flickr

Em Copenhague, estiveram os principais líderes mundiais. Já nos encontros seguintes, escalões inferiores dotados de pouca autonomia para tomar decisões representaram seus governos.
Será que no ritmo em que estamos, em alguns anos as conferências do clima serão representadas por grupos de escoteiros de cada país*? Esses jovens possivelmente teriam um senso maior de urgência na tomada de decisões que contribuíssem para reduzir os riscos crescentes à raça humana, mas infelizmente não estariam autorizados a tomar as decisões que todos gostaríamos que se tornassem realidade.
Tudo faz crer que muitas COPs serão realizadas até que sejamos contemplados com ações efetivas de combate às mudanças climáticas. Mas ao que parece, são poucas as chances de que elas ocorram da maneira mais fácil e menos dolorosa. Vamos acompanhar!

*Aos politicamente corretos, um esclarecimento: o intuito da citação não é o de ofender os valorosos escoteiros que exercem uma importante missão na formação dos nossos jovens, mas por outro lado, não seria adequado assumirem funções diplomáticas no lugar de autoridades nacionais. 
Artigo publicado originalmente na coluna do autor em: http://www.cartacapital.com.br/carta-verde/cop-18-a-inexplicavel-irrelevancia/?autor=599