Por Reinaldo Canto*
Relatório Estado do Mundo mostra que inovações agrícolas serão capazes de enfrentar a fome e problemas climáticos do planeta
Ninguém coloca em dúvida a importância estratégica do setor agrícola para o equilíbrio da economia mundial, seja no que se refere à produção de alimentos, insumos para a indústria e nos biocombustíveis. E a enorme importância do setor vem acompanhada de uma quantidade de problemas de tamanho proporcional, muitos deles relacionados aos impactos causados pela atividade no meio ambiente, entre eles, podemos citar o enorme consumo de água (70% de toda a água consumida no mundo abastecem o setor agrícola); a contaminação do solo e das águas pelo uso excessivo de agrotóxicos; desmatamento e ocupação indiscriminada de áreas que deveriam ser destinadas à preservação e não para áreas de plantio.
Nos últimos anos temos outros fatores, a escassez e o aumento no preço dos alimentos, como responsáveis ou pelo menos um componente importante para a deposição de governos e revoltas generalizadas (Tunísia, cujo governo há 23 anos no poder, caiu tendo o valor dos alimentos como estopim para a rebelião popular e o Egito onde os alimentos tiveram aumento de pelo menos 40% nos últimos anos).
Desigualdade na distribuição
Temos ainda 1 bilhão de pessoas no mundo que vivem em situação de fome crônica por falta de acesso regular aos alimentos e de outro lado 40% desses alimentos são desperdiçados em seus diversos processos de produção antes de serem consumidos.
Outros problemas causados pela agricultura ainda podem ser nomeados: troca de produção de alimentos pela de biocombustíveis; crescimento na produção de alimentos transgênicos e ampliação de monoculturas e latifúndios. Isso sem entrar em detalhes com relação a todos os problemas causados pela pecuária.
Inovação agrícola como solução
Mas se a produção agrícola é causadora de muitos problemas da humanidade, ela é também o setor onde se encontram muitas das soluções na busca por um mundo mais sustentável.
É o que revela o recente relatório Estado do Mundo divulgado pelo WorldWatch Institute que trás experiências recentes de sucesso em inovação agrícola na África, exatamente o continente que mais sofre com problemas relacionados com a produção de alimentos ou a ausência dela. São projetos que contribuem para o combate a fome e a pobreza, além de minimizar o impacto ambiental.
São exemplos que podem ser reproduzidos facilmente. Entre eles, podemos destacar:
Movimento para Alimentos Locais que tem como objetivo servir alimentos produzidos localmente para abastecer as escolas. Dessa maneira é possível reduzir os custos de transporte desses alimentos, eliminar a figura do intermediário e fazer chegar aos estudantes, alimentos mais baratos, frescos e saudáveis. Como conseqüência ocorre a redução no consumo de alimentos processados melhorando a nutrição de crianças e jovens.
A adoção da Jardinagem Vertical é uma boa solução que pode ser adotada facilmente em aglomerados urbanos como a experiência adotada no Quênia. Na maior favela de Nairóbi, capital do país, cerca de mil agricultoras cultivam alimentos em sacos de terra perfurados. A medida têm sido tão eficaz que essas agricultoras urbanas além de prover alimentos em casa, estão sendo capazes até mesmo de abastecer a comunidade, contribuindo para terem também uma fonte de renda. Segundo o relatório Estado do Mundo, hoje 33% da população africana vivem nas cidades e essa porcentagem deverá subir para 60% até 2050. Portanto, a adoção da jardinagem vertical em outros países africanos e mesmo em outros continentes parece ser uma alternativa à segurança alimentar futura em várias partes do mundo.
A experiência de Planejamento de Co-gestão como o adotado por cerca de 6 mil mulheres em Gâmbia, outro país africano, para a produção de ostras, tem dado tão certo que está servindo de exemplo para que o governo local, incentive a formação de novos grupos em outras áreas de produção. O trabalho dessas mulheres resultou em um plano de manejo sustentável para um local que anteriormente era degradado devido à sobrepesca dos recursos. O governo por sua vez, faz a sua parte, com a abertura de linhas de crédito que dão sustentação ao negócio.
Em Uganda, o programa Developing Innovations in School está trabalhando com jadinagem de vegetais nativos, educação para nutrição e habilidades de cozinha visando ensinar as crianças como cultivar variedades locais e combater o déficit de comida ao mesmo tempo que revitaliza tradições culinárias nacionais.
Não é sem razão que o relatório Estado do Mundo 2011 divulgou projetos que obtiveram sucesso no continente mais pobre e mais afetado pela escassez de alimentos no mundo. Segundo o documento, atualmente 33% das crianças africanas passam fome ou são mal nutridas e até 2025 esse número deve crescer para 42 milhões de crianças.
O problema não é só africano
E, se o problema é mais crônico na África, é preciso estar alerta para a ocorrência do problema da falta de alimentos em outras partes do mundo. O documento destaca que meio século após a Revolução Verde, grande parte da humanidade ainda está faminta. Enquanto isso, os investimentos no desenvolvimento agrícola tanto por parte dos governos, quanto de financiadores e fundações internacionais estão em níveis historicamente baixos.
Desde 1980 a participação da agricultura nos auxílios ao desenvolvimento global caiu de mais de 16% para apenas 4% nos dias de hoje.
Apesar da gravidade do problema, em 2010, governos, fundações e indivíduos forneceram menos de 4 bilhões de dólares para apoiar projetos agrícolas na África, com base nas estatísticas das Nações Unidas, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Exemplo também para o Brasil
No Brasil, certamente, temos uma realidade bastante diferente, mas nada do que aconteça na África não deva servir de exemplo para o combate de alguns problemas que tenderão a evoluir nos próximos anos.
Segundo a ANVISA, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o nosso país é o campeão mundial no uso de agrotóxicos, embora não seja o campeão mundial de produção agrícola posição ainda ocupada pelos Estados Unidos.
O consumo de biodiesel deverá continuar em franca expansão tanto para o mercado externo, mas principalmente absorvido pelo mercado interno. Graças à mistura obrigatória de biodiesel no diesel, na ordem de 5%, ela reduz a dependência da importação do óleo diesel e reflete positivamente na balança comercial brasileira.
No ano passado, o consumo de biodiesel no Brasil foi de 2,5 bilhões de litros, um crescimento de 56% em relação a 2009, segundo a União Brasileira de Biodiesel. Agora o setor espera um novo marco regulatório que irá elevar a mistura do biodiesel para 10% até 2014 e para 20% até 2020.
Se por um lado, o maior uso do biodiesel é bastante positivo para a balança comercial brasileira, também é verdade que precisaremos aumentar a produção utilizando mais áreas agricultáveis para dar conta dessa demanda.
Garantir alimentos para todos
Relatórios como o Estado do Mundo tem, entre seus vários objetivos, demonstrar que é possível, sim, resolver vários dos nossos problemas. Basta para isso a união de todos os setores, público, privado e sociedade.
Muitas das soluções contam com a criatividade das pessoas e são relativamente fáceis de executar e obter bons resultados. Mesmo assim é preciso apoio, seja na África, no Brasil ou em outras localidades do planeta. A governança mundial precisa estar voltada, em primeiro lugar, ao atendimento das necessidades das pessoas. Dessa maneira daremos passos decisivos para sermos capazes de construir uma sonhada sociedade, mais justa, solidária e sustentável.
* Jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de comunicação do Greenpeace e coordenador de comunicação do Instituto Akatu. É colunista de Carta Capital e colaborador da Envolverde.
Artigo publicado originalmente na coluna Cidadania & Sustentabilidade: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-campo-pode-oferecer-muitas-solucoes-para-alcancarmos-uma-sociedade-sustentavel
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