30 agosto 2009

A MOSCA QUE POUSOU NA SOPA DA MESMICE POLÍTICA

Reinaldo Canto*
Na eleição presidencial de 2006, a voz dissonante do samba de uma nota só que não desafinava, mas também não se harmonizava com a orquestra da maioria, atendia pelo nome de Christovam Buarque. O então candidato do PDT destoava dos discursos de sempre contra e a favor do governo ao falar, de forma insistente e enfática, sobre a importância da educação. Infelizmente, na época, poucos deram atenção e sua votação foi pouco representativa para a importância da bandeira que carregou a duras penas durante todo o pleito.
Eis que agora estamos próximos da eleição de 2010 e uma nova e também destoante voz se levanta para colocar um novo tema que considero tão importante quanto à erguida pelo senador Buarque: a do desenvolvimento sustentável.
O fator Marina Silva vem sendo apontado, por especialistas e pela mídia em geral, como o ponto de desequilíbrio de uma eleição que prometia se tornar plebiscitária em relação ao governo Lula. Nas últimas semanas, temos acompanhado algumas proféticas análises de que uma candidatura de Marina Silva à Presidência da República irá tirar votos do PT, enquanto outros visionários cheios de razão afirmam que o mais prejudicado será o candidato do PSDB.
Faltando pouco mais de um ano para a eleição que irá escolher os nossos novos governantes, as especulações não são nada mais do que... exatamente isso: especulações!! A história já provou que jogos de futebol e eleições não se ganham de véspera, nem são decididas por gente com turbante e bola de cristal. E, na verdade, não são prognósticos para um lado ou outro que gostaria de avaliar, mas sim este momento tão especial, em que temas como meio ambiente e sustentabilidade, antes tarde do que nunca, passem a fazer parte da agenda política nacional.
Marina Silva e toda a sua trajetória de coerência e honradez ao sair do PT, ingressar no PV, botar a boca no mundo, tudo isso, no melhor sentido da expressão, fez com que o patinho feio do ambientalismo ganhasse ares de cisne e passasse a ocupar as páginas de papel e virtuais, as telas de TV e as ondas radiofônicas de todos os nossos principais veículos de comunicação.
Parecia que, nesse curto período de tempo, Marina demonstrasse um poder, uma força muito maior, sem ter cargo algum, do que nos vários anos em que envergava o reluzente título de Ministra do Meio Ambiente do Governo Lula. Sem amarras, com muita propriedade e segurança, ela pode se expressar sobre os seus anseios e angústias. A clareza de suas posições nos dá a certeza de que pelo menos com a presença dela, a política alcança uma estatura e um sentido mais nobre.
Devaneios à parte, conjecturas deixadas de lado, o certo é que muita água ainda deverá rolar embaixo dessa ponte. Como a própria Marina falava constantemente de transversalidade, o ideal é que o tema ambiental não seja utilizado apenas pela provável candidata do PV, mas que efetivamente seja discutido por todas as campanhas como um item fundamental presente na plataforma dos concorrentes a quaisquer dos cargos em disputa.
Como disse anteriormente, ainda muita coisa irá acontecer até o dia da eleição no próximo ano, inclusive, Marina Silva precisa estar preparada para que os elogios de hoje, muitos deles oportunistas diante do momento político, possam se transformar em ataques com a mesma intensidade. Basta, para isso, que sua candidatura demonstre a sua viabilidade e cresça mais do que o stablishment político nacional considere aceitável.
Desde já e até o ano que vem, Marina Silva é a mosca azul que pousou na sopa da mesmice de um cenário que vivia seus momentos intercalados entre a mediocridade dos escândalos e a pobreza da discussão de ideias. As reações registradas até agora demonstraram que essa é uma mosca carregada de boas novas que, mais do que incomodar como a mosca da música, chegou mesmo foi para dar gosto e enriquecer de sabores alvissareiros algo que prometia ser insípido e sem sal, digerido pelos brasileiros sem qualquer entusiasmo.
*Jornalista, consultor e palestrante, foi diretor de comunicação do Greenpeace e coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente

20 agosto 2009

A NECESSIDADE DE COMUNICAR PARA A SUSTENTABILIDADE

Reinaldo Canto*

Todos aqueles que procuram trabalhar com os temas da comunicação ambiental e sustentabilidade conhecem bem os percalços sobre os diversos entendimentos que as pessoas tem sobre esses problemas. A semana que passou foi de muito trabalho associado a uma grande satisfação pessoal e profissional exatamente por poder disseminar informações que, infelizmente, ainda não são de domínio comum. Temas como recursos finitos do planeta, a escassez e contaminação da água e a urgente necessidade de frear a insanidade da sociedade de consumo causam espanto e muitas vezes ceticismo.

Tive a oportunidade de ministrar duas palestras com o título “Os Desafios da Sustentabilidade”. Uma foi realizada no CDE – Centro Democrático de Engenharia – entidade ligada ao Instituto de Engenharia e a outra na sede do Partido Verde Municipal (São Paulo). Considero os resultados de ambas muito satisfatórias e estou plenamente convencido da necessidade de falar cada vez mais para o maior número de pessoas possível.

Apesar de existirem níveis diferentes de consciência e informação sobre o tema, sempre que se conversa sobre sustentabilidade, as dúvidas, dificuldades e até mesmo desconfianças surgem a todo o momento. Para mim que cursou no passado uma pós-graduação com o pomposo nome “Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento” que coloca como uma de suas premissas o aprimoramento intelectual e a troca de conhecimento em tempo integral, essas palestras foram muito gratificantes. A teoria da Gestão do Conhecimento diz que ao passar uma informação, a pessoa que recebe ganha algo, sem que o emissor dessa informação perca e, posteriormente, uma discordância, pergunta, ou mesmo um novo dado faz com que o emissor inicial também enriqueça em seu conhecimento.

Tenho total convicção que o conhecimento e as informações sobre sustentabilidade devam ser multiplicados de maneira rápida e urgente para todos os públicos com os quais tivermos essa oportunidade de falar e discutir o tema.

É importante que os estudiosos ligados a área ambiental deixem os seus nichos e apenas as conversas com os seus pares para se “infiltrar positivamente” no seio da sociedade. São milhares de segmentos, milhões de pessoas ávidos de informações sobre o tema. E, obviamente, serão essas pessoas e segmentos da sociedade que poderão de maneira efetiva, realizar as ações e mudanças em busca de um mundo mais sustentável.

Se a sociedade tiver como referenciais apenas os dogmas de um mundo de consumo desenfreado, será a ela que as pessoas irão se entregar. O poder de sedução do consumo, das propagandas maravilhosas que prometem prazer e felicidade, só podem ser combatidas com consciência e muita informação.

A importância do licenciamento ambiental

Numa dessas palestras fui bastante questionado quanto à atuação dos ambientalistas em relação ao desenvolvimento. Segundo disseram, muitas obras importantes demoram demasiadamente ou nem são aprovadas pelas regras impostas pelo licenciamento ambiental. Rebati esse posicionamento afirmando que o desenvolvimento não pode ocorrer em detrimento do futuro. Os licenciamentos têm entre suas principais funções, diagnosticar os efeitos que aquele determinado empreendimento pode causar a comunidades humanas e ao meio ambiente e, tentar minimiza-los ao máximo. Citei, inclusive, a Usina Hidrelétrica de Balbina no Amazonas que, em virtude de estudos precários hoje é um exemplo de como as coisas não devem ser feitas. O resultado de Balbina é conhecido por todos: pouca geração de energia e enormes danos ambientais, ou seja, altíssimos custos e baixíssimos benefícios.

E foi exatamente por esses dias que estive também envolvido com a redação, edição e análise de 5 RIMAs – Relatórios de Impacto Ambiental – para 5 hidrelétricas que deverão ser construídas entre o Piauí e o Maranhão. Fiquei muito satisfeito ao ler as informações constantes nos EIAs – Estudos de Impacto Ambiental – que servirão de base para os RIMAs. Tais levantamentos feitos por especialistas de várias áreas (de engenheiros a biólogos) contribuem para uma radiografia completa da realidade dessas regiões, os prognósticos para a instalação da hidrelétrica e tudo o que deve ser feito para minimizar seus efeitos.

Qualquer crítica que possa se fazer a esse tipo de legislação com todas as falhas em sua aplicação inerentes à natureza humana não devem, em hipótese alguma, desconsiderar a sua importância e necessidade. Em lugar de estudos teríamos apenas obras mal feitas e atropeladas sem visar o bem comum, mas de resultados imediatistas e bastante questionáveis.

Tive uma semana que gostaria de ver repetida muitas e muitas vezes nos próximos tempos. Semana de muito cansaço físico, mas alta produtividade. Minhas convicções estão ainda mais fortes para as batalhas que espero travar com muitas pessoas ao meu lado.


* Jornalista, consultor e palestrante, foi Diretor de Comunicação do Greenpeace e Coordenador de Comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente

07 agosto 2009

DIREITO FUNDAMENTAL COMPROMETIDO

Reinaldo Canto* Especial para a Envolverde

A bela e primordial Declaração Universal dos Direitos do Homem tem, entre seus artigos, o que garante o direito fundamental de ir e vir. Esse direito, mesmo que não seja totalmente descumprido, é sensivelmente prejudicado em nossas grandes cidades. As dificuldades de locomoção estão aí para provar que sair de casa, ir ao trabalho ou à escola, e retornar com segurança, vêm cumprindo um longo caminho de precariedade crescente.

Alguns irão dizer, e com toda razão, que estou a exagerar na minha análise. E que a carta dos direitos humanos refere-se, prioritariamente, às noções básicas da liberdade de circular livremente, sem qualquer menção a ordinários congestionamentos. Tudo bem, mas que o trânsito de São Paulo é desumano, poucos hão de discordar. Seja dentro de um automóvel ou dentro de um ônibus ou táxi, a situação é absolutamente caótica.

De qualquer modo, devemos ter esperanças que as nossas autoridades estejam cientes desses problemas e trabalhando noite e dia para mudar essa triste realidade. Mas, infelizmente, duas medidas, tomadas recentemente, parecem mais complicar do que colaborar para minimizar a situação do trânsito em São Paulo. São elas: a ampliação das pistas da Marginal Tietê e a proibição dos ônibus fretados em pontos centrais da cidade.

Estímulo apenas ao transporte coletivo

Cerca de mil novos veículos são licenciados todos os dias em São Paulo. São mais de seis milhões dessas pesadas máquinas circulando nos já escassos espaços disponíveis. Esses veículos ocupam 50% de todo o espaço urbano disponível e gastam 30 vezes mais para transportar uma pessoa do que o metrô (Washington Novaes, Estadão, 20/03/09). E a tendência é de crescimento desses números. Parece que ainda não está claro que a aposta no transporte individual e o incentivo a ele derrotam todos que querem viver numa cidade mais humana e com maior qualidade de vida.

Isso para não falar, obviamente, dos enormes impactos ambientais causados pela cadeia produtiva dos automóveis e toda a queima do combustível jogado na atmosfera e para dentro dos nossos pulmões.

Exatamente por essas razões é que tive uma reação parecida com a da senadora Marina Silva quando viu aprovada a lei da grilagem: me deu vontade de chorar quando soube da derrubada das árvores para a ampliação das pistas da Marginal Tietê! Afinal, algumas pessoas que trafegam diariamente por ali, e até mesmo aquelas que já tinham dado um basta e, quem sabe, optado pelo transporte coletivo (trem principalmente), passaram a imaginar: “que maravilha! agora o trânsito vai fluir que é uma beleza”. Não quero ser profético, mas arrisco dizer que novos e previsíveis congestionamentos aguardam as novas e reluzentes pistas, já sem a beleza das árvores, mas totalmente preenchidas de carros, com seus passos novamente lentos e com motoristas irritados.

Nos anos 90, quando o prefeito de São Paulo era Paulo Maluf, foi realizado um congresso internacional de arquitetura na cidade, e renomados participantes ficaram espantados com as grandes obras viárias. O espanto não era de admiração, mas de estarrecimento pela falta de visão demonstrada pela administração da época. Incentivar o transporte individual nos grandes centros é, quase sem exceção, segundo os maiores especialistas em arquitetura urbana do mundo, um tiro no pé, ou melhor, no pneu.

O alto custo e a discutível eficiência das obras viárias que privilegiam o transporte individual deveriam ser razão suficiente para entrar em processo de quase extinção como o das máquinas de escrever e dos mimeógrafos. Afinal, se não servem pra nada ou não tem grande utilidade, para que fabricá-los ou construí-los? Mas diferente das máquinas de escrever, o automóvel ainda é sonho de consumo e os anúncios de reluzentes máquinas deslizando toda a sua imponência pelas estradas e ruas vazias, ainda deixa muita gente sem dormir. Ou porque ainda não as possui ou até mesmo por não saber como pagar a portentosa prestação do próximo mês.

O outro comentário desse artigo refere-se à restrição imposta à circulação dos fretados. É claro que as intenções foram as melhores possíveis. Imensos ônibus parando em ruas estreitas, de maneira desordenada e irregular, comprometendo a circulação de outros veículos, não pode ser vista com bons olhos. Mas até aí, a proibição conforme foi determinada, prejudica milhares de pessoas que tinham conforto sem o uso do carro. Resultado da medida como está: mais carros nas ruas para substituir os ônibus e maior custo financeiro para essas pessoas que, provavelmente, vão chegar mais estressadas ao trabalho e na volta pra casa.

Esse me parece ser o típico caso de tentar soluções paliativas, como o da famosa história do cobertor curto, ou seja, não adianta puxar um lado ou outro, no final sempre restará algo descoberto.

Não é uma tarefa fácil conduzir metrópoles com seus inúmeros problemas. Quando se pensa então numa cidade como São Paulo, a missão é multiplicada muitas vezes por seu tamanho, complexidade e ausência histórica de planejamento. As ações das autoridades, portanto, dificilmente serão unanimidade, mas, certamente, elas devem seguir as direções que beneficiem a qualidade de vida da maioria dos seus habitantes, mesmo que para isso contrariem interesses menores.


* Jornalista e Consultor foi diretor de comunicação do Greenpeace e coordenador de comunicação do Instituto Akatu