13 dezembro 2019

O desafio das águas na Bacia do Rio Doce

Por Redação Envolverde – 
Projetos para recuperar rios e nascentes, desafio ambicioso diante dos problemas acumulados pela poluição, falta de saneamento básico e a lama da barragem de Fundão 
Após o rompimento da Barragem do Fundão, em 5 de novembro de 2015, os cursos d’água na Bacia do Rio Doce, em um trecho de 670 quilômetros, foram atingidos pelos rejeitos, impactando mananciais que abastecem dezenas de cidades. O primeiro olhar é de perplexidade: como fazer para recuperar a qualidade ambiental e das águas dos rios e nascentes? Além de todo o impacto nas comunidades próximas ao local do rompimento, o rejeito avançou até o mar, causando danos ao longo do percurso.  A pergunta das populações de 24 localidades abastecidas pelo Rio Doce, passou a ser: e a minha água/o meu abastecimento de água, como fica?
Como exemplo das consequências desse impacto, os cerca de 280 mil habitantes da cidade de Governador Valadares, em Minas Gerais tiveram o abastecimento de água interrompido durante sete dias. Nesse período, a população recebeu água de carros-pipa e até mesmo água mineral. O rompimento da barragem de Fundão trouxe de volta um antigo problema das cidades da bacia do rio Doce: encontrar fontes alternativas de abastecimento de água. A interrupção da captação e o desabastecimento provocados pela passagem da lama chamaram atenção para as estruturas, algumas precárias, das Estações de Tratamento de Água (ETAs) dos principais municípios da região de Governador Valadares. Estudos de segurança hídrica apontaram os mananciais que poderiam ser utilizados para a captação alternativa nas cidades atingidas e se somaram ao diagnóstico das ETAs. “Mesmo antes de 2015, o Rio Doce já vivia uma ‘tragédia anunciada’, seja pelo assoreamento, as estiagens prolongadas, degradação do meio ambiente em área de nascente. A lama da barragem de Fundão agravou esse quadro”, afirma André Merlo, prefeito de Governador Valadares.
O trabalho de recuperação começou de imediato nos rios, cursos d’água e nascentes. O que se quer agora, segundo a Fundação Renova, é entregar os recursos hídricos da região na situação mais saudável possível e contribuir para que as cidades ofereçam água dentro de padrões internacionais de potabilidade.
rejeito da Barragem do Fundão é composto essencialmente de ferro, manganês, alumínio e sílica (areia). Contudo, o poder de destruição da onda de rejeitos fez com que ela revolvesse o fundo dos rios atingidos (Gualaxo do Norte, Carmo e Doce), onde estavam sedimentados produtos de atividades mineradoras centenárias. Isso fez com que materiais como arsênio e mercúrio aparecessem nas amostragens de água e de solo, o que demanda atenção especial de monitoramento, mesmo que hoje os materiais estejam em níveis considerados baixos.
Estações de monitoramento da qualidade da água
Hoje o Rio Doce é o “mais monitorado do Brasil”. Nos últimos dois anos foram coletados mais de seis milhões de dados em 92 pontos de monitoramento ao longo do rio e de seus afluentes de Mariana até à foz, além dos estuários e litoral da costa do Espírito Santo.
A qualidade da água do Rio Doce já está em níveis semelhantes ao período anterior ao desastre. Essa conclusão é baseada na análise das informações levantadas e enviadas a órgãos ambientais que participam do Grupo Técnico de Acompanhamento, ligado ao Comitê Interfederativo (CIF), instância externa da Fundação Renova , com a função de orientar, acompanhar, monitorar e fiscalizar a execução das medidas de reparação. Participam desse trabalho a Agência Nacional de Águas (ANA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e Agência Estadual de Recursos Hídricos do Espírito Santo (Agerh). A água do Rio Doce pode ser consumida, contanto que receba o devido tratamento como ocorre em outros rios do país.
Técnicas de naturalização, que cria ambientes propícios para a recomposição biológica dos rios.
Inovação, Parcerias e Natureza
Para a recuperação ambiental dos rios e a volta da biodiversidade umas das técnicas aplicadas é chamada de renaturalização. Ela consiste na colocação de troncos ou feixes de troncos nos trechos de curvas dos rios e contribuem para diminuir a velocidade da água, reduzindo, assim, a possibilidade de erosão e facilitando a reprodução de peixes nesses locais, pois retêm matéria orgânica que serve como alimento e abrigo para várias espécies. Esse trabalho está sendo realizado pela empresa de serviços ambientais Aplysia, em dois trechos do rio Gualaxo do Norte.
“O principal objetivo do projeto de renaturalização é criar ambientes para o restabelecimento dos organismos aquáticos utilizando elementos naturais, iguais aos já encontrados nesse ecossistema”, explica Fernando Aquinoga, diretor técnico da Aplysia. Segundo os especialistas, os primeiros resultados são imediatos, mas o efetivo retorno da biodiversidade no trecho de 2 km em que foi realizado o trabalho se dará num prazo entre seis meses e um ano.
Em paralelo, outra ação importante: a instalação da Estação de Tratamento Natural (ETN) será realizada em parceria com uma startup de Mariana, a LiaMarinha. Essa estação é diferente das tradicionais que usam produtos químicos, pois utiliza barreiras semipermeáveis e ilhas de vegetação que ajudam a filtrar a água e absorver metais. Assim, a água que chega ao rio Doce terá mais qualidade. A estação será implantada após o licenciamento ambiental e os primeiros resultados são aguardados para fevereiro de 2021.
Também está em desenvolvimento o Programa de Recuperação das Nascentes , que é realizado em diversos locais da Bacia do Rio Doce.  O objetivo é restaurar cinco mil em 10 anos, sendo que no momento 1.554 nascentes estão em processo de recuperação. Para dar conta de atingir esse número expressivo a Fundação Renova conta com a parceria e colaboração de cerca de 450 produtores rurais.
Nova adutora de 35 quilômetros para levar água a Governado Vladares.
E falando em Governador Valadares…
Uma nova adutora com 35 quilômetros de extensão começou a ser construída captando água do Rio Corrente e servindo, assim, como alternativa à captação que é feita no Rio Doce. A previsão é de que essa nova captação e distribuição esteja operacional no primeiro trimestre de 2021. “Nosso compromisso é conseguir que essa adutora abasteça 60% do município e sirva de alternativa a hospitais, escolas e serviços básicos em caso de alguma nova interrupção [na captação do] Rio Doce”, diz o analista de programas socioambientais para a água da Renova, Thales Teixeira. Também foram modernizadas cinco estações de tratamento de água (ETAs) .
“Agora, caminhamos para que a nova adutora em paralelo com as ações para redução do desperdício da água tratada garanta o abastecimento total da cidade, deixando o Rio Doce descansar, ficando como reserva de segurança hídrica”, espera o prefeito Merlo, e completa, “uma cidade com 300 mil habitantes não pode ficar dependente apenas de uma fonte de abastecimento”, explica.
Saneamento Básico novo em folha
A realidade do saneamento básico na região antes do desastre era dramática e o rompimento da barragem só a fez agravar. O próprio o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (CBHDoce) já registrava que 80% de todo o esgoto gerado pelas cidades afetadas não recebiam qualquer tratamento e continuam sendo despejados in natura diretamente no rio. No entanto, como medida compensatória, a Fundação Renova disponibiliza R$ 500 milhões para projetos de coleta e tratamento de esgoto nos municípios impactados pelo rejeito. Está inclusa nessa ação a correta disposição de resíduos sólidos.
Rios saudáveis, água boa e de qualidade e um meio ambiente equilibrado é o que todos nós também esperamos! Vamos acompanhar!!
(#Envolverde)

A retomada da Floresta

Por Redação Envolverde –
O desafio do reflorestamento de Mariana à foz do Rio Doce ainda vai longe, mas já é possível ver brotar o verde nas áreas atingidas pelo rejeito
Desastre do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), e seu impacto sobre vidas, ecossistema e economia também gerou uma mobilização da sociedade, governo e entidades para criar soluções inovadoras que podem ser modelo para a governança de crises ambientais no país
Há quatro anos, em um dia 5 de novembro, 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos armazenados na Barragem do Fundão escorreram da estrutura e foram arrastando tudo pelo caminho, deixando um rastro de desolação e tristeza. O desastre foi se espraiando, deixando sua marca nas terras dos distritos de Mariana, Bento Rodrigues, o mais atingido, e Paracatu de Baixo, além de Gesteira, este, distrito de Barra Longa. O rejeito foi, em parte, contido na represa da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, também conhecida como Candonga,  e seguiu pelas águas do Rio Doce até desaguar no Oceano Atlântico, completando um percurso de 670 quilômetros.
Até então, o Brasil não tinha experiência em lidar com um desastre dessa magnitude. Foi preciso criar uma organização capaz de enfrentar a crise social, ambiental e econômica gerada pelo desastre. Foi costurado um acordo entre órgãos federais, como o Ibama, a Agência Nacional de Águas (ANA) e o  ICMBio e os órgãos fiscalizadores dos governos dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e das prefeituras dos municípios impactados, além de representantes dos Comitês de Bacias e das empresas Samarco, Vale e BHP. Por esse acordo foi criada a Fundação Renova uma organização voltada para mapear os impactos e executar todas as ações necessárias para reparar e compensar as comunidades afetadas, além de promover a recuperação da economia e dos danos aos ecossistemas.
Rio Doce na região de Governador Valadares
Esse modelo de governança compartilhada foi pensado para oferecer a participação dos envolvidos nos processos decisórios. Certamente essa não é uma tarefa fácil e muito menos sem conflitos, no entanto foi o desafio assumido, principalmente porque nenhuma solução seria adequada se o arranjo de governança não incluir as vozes da sociedade.
E essa relação tem sido vital para programas como do de reflorestamento das margens dos rios e cursos d’água atingidos pelo rejeito. A recuperação das matas ciliares precisa superar os danos provocados pelo rejeito de mineração, mas também a degradação de décadas de descaso com os rios da região, que recebiam todo tipo de despejo de esgotos urbanos e resíduos da agricultura e pecuária.
O compromisso da Fundação Renova é de reflorestar 40 mil hectares de florestas na bacia do Rio Doce ao longo de 10 anos, isso equivale a 400 km² ou quase um terço da área do município de São Paulo. Para a tarefa, um dos maiores programas de restauração florestal em bacia hidrográfica no mundo, foi formado um convênio com especialistas e professores ligados às universidades Federal de Viçosa (UFV) e Federal de Minas Gerais (UFMG). O montante de recursos destinados para essa empreitada é de R$ 1,1 bilhão.
Espécies nativas de rápido crescimento plantadas para conter a erosão
Os estudos realizados nas regiões a serem reflorestadas mostraram que nem sempre remover o rejeito que se espalhou por grande parte dessa área é a melhor escolha. Como explica Juliana Bedoya, líder das ações de manejo de rejeitos da Fundação Renova: “Da Usina Risoleta Neves para frente, o rejeito está em camadas de centímetros. A utilização de equipamento pesado para retirar essa camada fina traria impacto ainda maior. A ideia então foi monitorar o comportamento do rejeito ao longo do rio e acompanhar a evolução do ecossistema”.
A primeira etapa do reflorestamento tem foco nas margens dos rios Gualaxo do Norte e do Carmo, entre as cidades de Mariana e Santa Cruz do Escalvado, em áreas que foram diretamente atingidas pelo rejeito. A opção foi por espécies nativas da Mata Atlântica de rápido crescimento, que formam um bloqueio para a erosão em território de cerca de 800 hectares já muito fragilizados. Essa área representa cerca de cinco vezes o Parque Municipal do Ibirapuera, em São Paulo, ou o equivalente a pouco menos do que 800 campos de futebol.
Um estudo coordenado pela professora Maria Catarina Kasuya, doutora em Microbiologia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa (UFV), mostra que essa revegetação emergencial contribuiu para o aumento da diversidade de microrganismos no solo, o que ajudou na produção de mudas que crescem mais rápido no ecossistema encontrado no rejeito. “A recuperação é possível e podemos, inclusive, acelerá-la”, explica a dra. Kasuya e complementa: “Não sei se vamos conseguir restabelecer as condições iniciais, muitas das áreas que foram afetadas pela lama não estavam em suas melhores condições, devido há mais de 300 anos de superexploração da bacia do Rio Doce”.
Maria Catarina Kasuya no viveiro da Universidade Federal de Viçosa
Em setembro deste ano começou a primeira fase do trabalho mais robusto que prevê a recuperação florestal no total de 40 mil hectares em APPs (Áreas de Preservação Permanente) e de recarga hídrica na bacia do Rio Doce. O projeto envolve 680 proprietários rurais dos municípios de Governador Valadares, Coimbra, Periquito e Galileia, em Minas Gerais; e Colatina, Marilândia e Pancas, no Espírito Santo.
Também serão recuperadas cinco mil nascentes, que têm papel ambiental fundamental na recuperação de um rio e mesmo de uma bacia hidrográfica. A infiltração da água no solo e a drenagem melhoram a saúde da água no rio, e o plantio, ao oferecer ao solo condições suficientes para reter as águas das chuvas, protege os mananciais e favorece a regeneração florestal. O programa conduzido pela Fundação Renova conta com a participação de produtores rurais para que atuem na recuperação de 500 nascentes até o final de 2019 — além das 1.035 que estão sendo restauradas.
Nascente em recuperação em propriedade rural de Colatina
Das 500 nascentes previstas para serem recuperadas nesta etapa, 350 estão em Minas Gerais (100 na bacia do Piranga e 250 na bacia do Suaçuí) e 150 no Espírito Santo. Em Minas, propriedades nas cidades de Sabinópolis, Virginópolis, Guanhães, Governador Valadares (distritos de São Vítor, Penha do Cassiano e Córrego dos Melquíades), Resplendor e Ponte Nova vão receber ações do projeto. Já no Espírito Santo, as localidades selecionadas são Marilândia, Colatina e Linhares.
Os custos humanos, materiais e ambientais do desastre e os investimentos necessários para mitigar seus efeitos deixam claro que o País precisa se desenvolver de maneira mais sustentável, sem expor sua população a riscos desnecessários. No entanto, é importante registrar que a inovação nas ações adotadas para a mitigação dos efeitos desse desastre não está relacionada apenas às técnicas de restauração florestal e ambiental dos ecossistemas e ao trabalho junto a populações atingidas, mas também no formato de gestão e governança.
A criação de uma Fundação independente com liberdade e capacidade para atuar no cenário de crise, seja na relação com o poder público ou com as pessoas e suas propriedades, tem sido um modelo validado pela realidade. Há registros de demandas não atendidas ainda, mas também há boas histórias de resgate de dignidade e recuperação ambiental a serem contadas.
(#Envolverde)

04 outubro 2019

Por Que o Governo Bolsonaro é Obcecado Pelo Meio Ambiente

A política anti-ambiental do atual presidente Jair Bolsonaro (PSL) não é novidade para quem acompanhou o período eleitoral de forma atenta. Grande parte das suas promessas sinalizava o que estava por vir: do fim do Ministério do Meio Ambiente à “entrega da Amazônia para exploração estrangeira”. Se, de um lado, muitos eleitores não acreditaram no cumprimento destas promessas, ou não deram atenção para o tema, por outro, agropecuaristas, madeireiros, garimpeiros, mineradoras e as demais faces do extrativismo encontraram nos discursos inflamados do então candidato uma forma de remover empecilhos para a exploração.
Depois de eleito, Bolsonaro está realizando o prometido. Não extinguiu o Ministério do Meio Ambiente, mas a pasta está impedida de cumprir suas funções constitucionais e sob o comando de Ricardo Salles, ruralista condenado por fraude pela Justiça de São Paulo por adulteração de mapa ambiental para favorecer mineradoras enquanto secretário estadual do Meio Ambiente na gestão de Geraldo Alckmin (PSDB), em São Paulo. Salles também é investigado por enriquecimento ilícito, pelo Ministério Público de São Paulo.
Mas o ministro do meio ambiente é só um dentre dezenas de outros nomes com interesses antagônicos aos cargos que ocupam. Luiz Antônio Nabhan Garcia, Secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, agora responsável por temas como reforma agrária, demarcação de terras indígenas e quilombolas, presidiu desde o início dos anos 2000 a União Democrática Ruralista (UDR), criada em 1985 para se opor ao avanço do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Garcia foi, inclusive, acusado de criar milícias para assassinar integrantes de movimentos de reforma agrária. Outro exemplo é Marcelo Augusto Xavier, atual presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), um ruralista cujo principal objetivo é ceder terras indígenas para implementação de megaprojetos extrativistas
Entrevistamos 15 pessoas para esta matéria. Levamos uma única pergunta: por que o Governo Bolsonaro é obcecado pelo meio ambiente? Políticos, jornalistas, ativistas, cientistas e pesquisadores compartilharam suas perspectivas sobre o por quê o atual presidente está colocando em curso o que pode ser considerada a política ambiental mais destrutiva já vista. Não esquecemos que outros governantes, de outras siglas e partidos, até mesmo do lado esquerdo do espectro político, avançaram em agendas de favorecimento de atores privados em detrimento do meio ambiente e da sociedade. Mas “a obsessão do Governo Bolsonaro pelo desmonte das estruturas e órgãos socioambientais não encontra semelhantes na história brasileira”, ressaltou Aldem Bourscheit, jornalista especializado em pautas socioambientais e científicas.
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A afirmação de Bourscheit encontra respaldo não só nos nomes com os quais Bolsonaro escolheu se cercar, como também no enfraquecimento de órgãos ambientais, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que, em fevereiro, exonerou 21 dos 27 superintendentes regionais e sofreu corte orçamentário de 24%. O órgão passa a trabalhar com orçamento anual de R$ 279,4 milhões, porém suas despesas fixas somam R$ 285 milhões. As consequências já foram sentidas de janeiro a maio: houve queda de ações fiscais e, por conseguinte, diminuição de 34% do número de multas aplicadas por desmatamento ilegal. Outra medida foi a criação de um núcleo de conciliação, que detém poder para mudar e, até mesmo, anular multas realizadas pelo órgão florestal, enfraquecendo sua atuação.

A OBSESSÃO DO GOVERNO BOLSONARO PELO DESMONTE DAS ESTRUTURAS E ÓRGÃOS SOCIOAMBIENTAIS NÃO ENCONTRA SEMELHANTES NA HISTÓRIA BRASILEIRA
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Outros órgãos também sofreram. O Instituto Chico Mendes (ICMBio) viu sua diretoria e chefias regionais serem tomadas por militares com pouca ou nenhuma experiência na área ambiental. Já o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) presenciou o episódio emblemático da censura do governo aos dados de desmatamento, perdeu Ricardo Galvão, ambientalista reconhecido mundialmente com 49 anos de trabalho no órgão. Em seu lugar, outro coronel: Darcton Policarpo Damião assumiu o cargo prometendo dar “transparência total” aos dados sobre desmatamento no país, sugerindo que os anteriores foram forjados. Uma tentativa de mascarar a verdade ao culpar o emissário pelos números anunciados.

Economia e desenvolvimento para poucos

Para Francisco Milanez, biólogo e Presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, parte da explicação sobre o por que o governo Bolsonaro é obcecado pelo meio ambiente está na crença de que a proteção ambiental é uma barreira para os negócios: “eles acreditaram no discurso simplório de que meio ambiente é quem tranca as coisas e, na verdade, não é. Ele é o suporte para toda atividade ser bem desenvolvida. Sem meio ambiente, sem as florestas não há agricultura. A única coisa que regula o clima para poder haver agricultura, que depende da chuva, são as florestas”, explica o biólogo.
Esse pensamento “visão de túnel” anda lado a lado a uma crença bastante antiga de que a natureza existe para ser explorada e quando você a protege de alguma forma você causa subdesenvolvimento. “É quem acha que mineração vai transformar o Brasil em uma potência”, explica Daniele Bragança, editora no site O Eco. Numa visão de mundo onde o homem deve poder fazer uso ilimitado e sem restrições de tudo, espaços sensíveis e protegidos não cabem. Num discurso durante o último congresso da Fenabrave, entidade que representa o setor de concessionárias de veículos, ocorrido em São Paulo, no começo de agosto, o presidente Jair Bolsonaro esteve presente e afirmou que, “com tecnologia, em 20 anos, Roraima teria uma economia próxima do Japão. Lá tem tudo. Mas 60% está inviabilizado por reservas indígenas e outras questões ambientais”.
Enquanto tenta se ancorar num discurso de soberania nacional, ao dizer que parques e terras indígenas foram decretadas por pressão estrangeira, ignorando o fato de que todo arcabouço ambiental de hoje, junto com muitas reservas importantes na Amazônia, como os parques nacionais da Amazônia, Anavilhanas e Jaú, foram criadas durante o regime militar, o governo brasileiro vem se articulando com lobistas americanos para recrutar mineradoras norte americanas para exploração de terras brasileiras. De baixo dos panos, a agenda do governo brasileiro para destruir o meio ambiente com apoio de multinacionais segue firme e forte.
Seria um erro não salientar que a obsessão do Bolsonaro e sua trupe não é só com a Natureza. A destruição é também direcionada a todas as pessoas que não vivem sob a lógica de desenvolvimento estabelecida como norma em seus imaginários. Elas também são consideradas uma barreira que deve ser superada para a expansão econômica. “O Brasil é considerado um dos quatro países com maior número de assassinatos no mundo e grande parte deles acontecem no campo, por questões de terra e ambientais”, lembra Paulo Brack, professor do departamento de Botânica da UFRGS e coordenador do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ). “Chegamos a averiguar no mapa de homicídios relativos no Brasil da década passada que a região do arco do desmatamento é a região onde ocorria os maiores índices relativos de homicídios. Entre os dez municípios com maior número de assassinatos no país, pelo menos sete deles estavam nesta região e no centro-oeste”, completa ele.

Seria um erro não salientar que a obsessão do Bolsonaro e sua trupe não é só com a Natureza. A destruição é também direcionada a todas as pessoas que não vivem sob a lógica de desenvolvimento estabelecida como norma em seus imaginários.
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Com uma possível aprovação do Projeto de Lei 3715/19, que autoriza o porte de arma no limite de toda a propriedade rural, a situação dos assassinatos por conta dos conflitos no campo deve se agravar. Maurício Angelo, jornalista investigativo e fundador do Observatório da Mineração, afirma que a situação legaliza o extermínio nas zonas de conflito, já que “o produtor rural não vai mais responder por isso”. Os últimos dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) reforçam a violência no campo: a área em disputa nos conflitos teve aumento de 6,5%, de 2017 a 2018, representando 39,425 milhões de hectares ou 4,6% de todo território nacional. Já o número de assassinatos teve queda de 71 para 28 – resultado explicado pelo ano eleitoral que, segundo a organização, registra historicamente índices menores. A CPT já prevê um aumento das mortes no campo em 2019; a organização já registrou 10 mortes violentas apenas nos quatro primeiros meses deste ano.

Despreparo e desconhecimento

Observada por este ângulo, a política anti-ambiental do Governo Bolsonaro pode ser lida como o ápice do capitalismo predatório, seu expansionismo intrínseco e sua visão de ganhos de curto prazo. Mas conforme os desdobramentos dessa política vão se revelando, fica difícil encontrar todas as respostas num desenvolvimento econômico cego.
A Amazônia brasileira em chamas por consequência do desmatamento não é necessariamente a melhor propaganda para o agronegócio e sua atuação no mercado internacional. Antes mesmo dos incêndios no norte do país se tornarem pauta internacional, alguns setores do agro já estavam preocupados com os possíveis efeitos da anti política ambientalista do presidente. Na reportagem de Bernardo Esteves, publicada em junho na revista Piauí, alguns ruralistas assinalaram que as exportações das commodities seriam prejudicadas se a sustentabilidade e o compromisso com o não desmatamento não fossem levados a sério. O que era previsão se tornou realidade: 18 marcas suspenderam a compra de couro do Brasil, entre elas a H&M, segunda maior varejista do mundo. O movimentou preocupou o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), associação do setor que emitiu nota de alerta ao ministro Ricardo Salles.
É por isso que as atitudes da atual gestão frente às questões ambientais suscitam outras explicações. Para Andrea Vialli, jornalista e consultora especializada em sustentabilidade, Bolsonaro não tem densidade cognitiva para compreender as correlações entre meio ambiente e outros temas importantes, como economia, saúde, qualidade de vida. “Por isso, ele propõe, por exemplo, transformar uma área de reserva ambiental importante em Angra dos Reis em algo parecido com Cancún”, exemplifica ela. “Ele não faz a menor ideia de que a área preservada gera serviços ecossistêmicos e atrai turismo para a região, porque ele só concebe a ideia de turismo predatório, invasivo”. Vialli fala da reserva da Estação Ecológica da Tamoios, local onde Bolsonaro foi pego praticando pesca ilegal.
Ivaneide Bandeira, coordenadora da ONG Kanindé, concorda que parte das políticas anti ambientais do presidente estão ancoradas num desconhecimento profundo sobre a pauta ambiental: “porque se você tem uma floresta saudável, você mantém o equilíbrio do planeta. Se você tem uma floresta saudável, você mantém os recursos hídricos que garantem a economia e a agricultura”. Para Marina Silva, historiadora, professora, Ministra do Meio Ambiente nos mandatos de Lula e ex-candidata à presidência pela Rede, é uma mistura de despreparo com descompromisso: “é um governo que atira no escuro o tempo todo. Está prejudicando o agronegócio, a proteção ambiental, as instituições públicas, os interesses estratégicos do Brasil em relação à proteção dos seus ativos, a relação do Brasil com outros países secularmente parceiros e nossos interesses diplomáticos”, explica ela.

Destruição ideológica

Há também uma tentativa incessante, mas ainda não muito bem aceita pela sociedade, de colocar a proteção ambiental como uma pauta partidária da esquerda, como se tudo que não lhe interessa e não lhe é compreendido deva ser colocado como inimigo. “O que o incomoda e não cabe em seus esquemas simplistas não deveria existir. Como recusa terminantemente os direitos humanos, o direitos de reconhecimento e atenção às minorias fragilizadas socialmente, direitos trabalhistas, sistema universitário e de ciências, também recusa, terminantemente a importância, a realidade e o significado do ataque sistêmico ao meio ambiente que seu governo promove”, explica o psicanalista Thales Ab’Saber.
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No desmonte da institucionalidade, o setor ambiental é espaço rico para avanço de posturas e tomadas de decisões que tentam ser justificadas supostamente por um posicionamento anti ideológico. Reinaldo Canto, professor de gestão ambiental e sustentabilidade e diretor de projetos especiais da Envolverde, acredita que isso acontece porque o meio ambiente reúne sob a mesma pauta questões caras aos direitos humanos no que se refere à proteção a minorias, como comunidades tradicionais e ribeirinhas; representam pontos importantes que interessam à comunidade internacional, como as mudanças climáticas e a proteção das florestas; contam com a atuação expressiva de inúmeras organizações não governamentais.
“Para um governo que odeia minorias, o respeito às diferenças, a ciência e a globalização, atacar o meio ambiente que, diga-se de passagem, é o maior patrimônio do Brasil, é também atacar tudo que vai contra a visão limítrofe e reducionista que muitos ocupantes do primeiro escalão defendem”, salienta o professor.
Célia Xakriabá, socióloga, antropóloga e liderança indígena, ressalta a afirmação de Canto e Ab’Saber ao ser categórica em dizer que Bolsonaro não é indiferente aos povos originários. “Não é que ele é contra as populações indígenas, ele é muito mais do que isso – não é um pensamento indiferente, é ódio. Ele toma os povos indígenas como inimigos. Então, não se trata apenas de uma pauta econômica e, sim, de princípios e valores pessoais”, afirma. Há um ódio direcionado destilado, inclusive, nos seus 27 anos como deputado.

É UM GOVERNO QUE ATIRA NO ESCURO O TEMPO TODO. ESTÁ PREJUDICANDO O AGRONEGÓCIO, A PROTEÇÃO AMBIENTAL, AS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS, OS INTERESSES ESTRATÉGICOS DO BRASIL EM RELAÇÃO À PROTEÇÃO DOS SEUS ATIVOS, A RELAÇÃO DO BRASIL COM OUTROS PAÍSES SECULARMENTE PARCEIROS E NOSSOS INTERESSES DIPLOMÁTICOS.
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A partir de todos os ângulos de análise, as respostas se convergem e reforçam a vontade incessante do presidente ser notado e percebido como alguém que está acima de tudo e de todos. “Bolsonaro não para de fugir de falar do ambiente simplesmente porque não vai parar de ‘ser falado’, nem hoje, nem na história, sobre o que representa para o meio ambiente: a redução de toda vida a um modo primitivo e tosco de produção de Capital barato e antigo. O que, muito provavelmente, é de fato o signo real de todo o seu governo”, acrescenta Ab’Saber.
Nesta cruzada egóica, o Brasil assiste Bolsonaro e seus subalternos políticos dançarem um tipo de marcha fúnebre que não homenageia o falecido, mas sim celebra o que será posto em seu lugar. Ao que tudo indica, a procissão só está começando.

Trabalharam nesta matéria Juliana Aguilera e Marina Colerato.

02 outubro 2019

ODS TALKS ABRAPS 2019


04 julho 2019

SER VOLUNTÁRIO NO BRASIL AINDA É PARA POUCOS!

Por Reinaldo Canto – 
Iniciativas de empresas como a Pernod Ricard e seu Responsib’All Day contribuem para tentar mudar essa realidade
O brasileiro é reconhecido por ser um povo amigável e solidário, mas quando se trata de dedicar algumas horas para atividades de voluntariado, estamos bem distantes dessa visão. Segundo pesquisa de 2018 realizada pelo IBGE 7, 4 milhões de pessoas ou 4,4% da população acima de catorze anos participou de alguma atividade voluntária, ou seja, realizou um trabalho não obrigatório de não menos que uma hora sem benefícios ou trocas, sendo que as mulheres são mais voluntárias (5,1%) do que os homens (3,5%) nesse total. Só para se ter um dado de comparação, mais de 14% da população dos Estados Unidos praticam o voluntariado, nada menos que dez pontos percentuais acima dos registrados em nosso país!
Para Rosângela Melato, consultora em gestão, especialista em voluntariado corporativo e diversidade da Mosai&co, há muito espaço para que esses números possam melhorar significativamente sendo que as empresas tem um papel muito importante para alavancar esse processo. Mas para ela é preciso estar atento a alguns aspectos fundamentais, “as atividades precisam dialogar com o core business da empresa, porque caso contrário pode ser um desestímulo para o seu colaborador que pode achar que está perdendo tempo ou negócios para fazer outra atividade. Voluntariado estrutura marca, contribui para ampliar as capacidades de seus funcionários e também para seu corpo gerencial. Isso precisa ser entendido por isso da importância da estreita relação com o negócio da empresa”.
FAZENDO A LIÇÃO DE CASA
A 9ª edição do Responsib’All Day cumpriu à risca o que estabelece as boas práticas do voluntariado. Realizado neste mês de junho pelos mais de 19 mil funcionários da Pernod Ricard (fabricante de bebidas como Chivas Regal, Ron Montilla e vodka Orloff) em 87 países, o projeto promoveu atividades ligadas ao conceito de economia circular e gestão de resíduos, ou seja, uma causa positiva e totalmente integrada aos negócios cotidianos da empresa.
E aqui no Brasil, a empresa literalmente parou em todas as localidades em que possui colaboradores, um total de 450 pessoas. Os mais de 200 da empresa, em São Paulo, foram até o Centro Paulus, no bairro de Parelheiros, região carente no extremo sul da capital paulista e participaram de atividades como workshops e oficinas que tinham como foco o desenvolvimento de novos produtos – com alto valor agregado – a partir de vidro reutilizado de garrafas vazias das marcas comercializadas pela empresa. As oficinas ministradas pela artista plástica Adriana Yazbek, pelo arquiteto Gustavo Calazans e pelo produtor orgânico Árpad Spalding trabalharam no desenvolvimento de peças como bijuterias, luminárias, bandejas, painéis e peças de revestimento, entre outros, produzidos pelos funcionários e, posteriormente, colocados à venda na região e o dinheiro arrecadado ficando disponível para apoiar os trabalhos da instituição local.
Já em outras plantas da empresa em Resende (RJ) e em Suape (PE), nas quais trabalham 150 colaboradores, além de repetirem a atividade de São Paulo, os funcionários também botaram a mão na massa para produzir itens a partir de materiais das unidades que iriam ser descartados e também sobras de tecidos de outras indústrias. Todos os produtos confeccionados nesse dia, como almofadas, foram encaminhados para organizações sociais da região. Até mesmo funcionários de áreas de vendas da empresa em outras regiões e estados distantes das fábricas também participaram do Responsib’All Day  visitando restaurantes, bares e estabelecimentos comerciais para falar sobre economia circular, reaproveitamento e transformação de materiais, com divulgação, inclusive, de um drink assinado por um  mixologista (especialista no preparo de bebidas e coquetelaria), feito a partir de cascas e matéria prima orgânica que seria descartada.
Segundo Sirley Lima, Diretora Jurídica e de Recursos Humanos & Sustentabilidade da Pernod Ricard Brasil, a realização do Responsib´All Day tem sido um sucesso, “desde 2010 ele representa uma das datas mais importantes para a Pernod Ricard e todos os seus funcionários no mundo. Desde a sua fundação, a empresa tem a responsabilidade social em seu DNA, com um mindset de que uma empresa tem que cumprir seu papel socioambiental, E esse é o grande legado que queremos deixar ao longo de todos esses anos. Ficamos muito felizes em poder atuar em prol de diversas questões relacionadas à sustentabilidade socioambiental”.
Quanto à edição de 2019, Sirley acredita que foi possível sensibilizar os colaboradores e parceiros para a importância e os significados da economia circular e da correta gestão de resíduos. “Por mais que a gente já faça campanhas ao longo do ano com esse foco, com o Responsib´All Day a gente consegue impactar de maneira mais objetiva. Isso porque todos os colaboradores estão focados naquela atividade. É completamente diferente do que falar com eles no dia a dia de trabalho, quando a cabeça, às vezes, está pensando nas entregas corporativas”, explica a diretora da Pernod Ricard.
Perguntada se parar a empresa um dia inteiro para atividades de voluntariado não acarreta prejuízo, Sirley Lima foi enfática, “Pelo contrário! Ter um dia inteiro dedicado por nossos colaboradores a um pilar fundamental da estratégia do negócio engaja, aproxima do campo e traz um senso de orgulho incrível. Ver a transformação que podemos fazer nos lugares e comunidades, desenvolvendo seus colaboradores e parceiros, protegendo o meio ambiente e compartilhando valor com todos, faz com que os nossos talentos se lembrem a cada ano do nosso propósito”.
De toda maneira os idealizadores do Responsib´All Day tem consciência de que o trabalho não pode parar, que é algo constante. “Um resultado muito positivo que enxergamos é que as nossas fábricas, por exemplo, possuem um índice de quase 100% de reaproveitamento e reciclagem de resíduos sólidos. Esse e outros esforços, quando se juntam, geram resultados importantes para toda a sociedade”, resume a executiva.
Além do Responsib´All Day, a Pernod Ricard Brasil também possui um programa de voluntariado que é ativo o ano todo. São mais de 61 funcionários-voluntários, que doam mais de 410 horas do seu tempo – no horário de trabalho. O grupo promove cinco iniciativas por ano. Uma delas, inclusive, contemplou a construção de uma biblioteca.
Nada melhor do que exemplos a serem seguidos em prol de benefícios comuns para todos como explica a consultora da Mosai&co, Rosângela Melato, “como indivíduos somos uma sociedade linkada somos pontos de uma rede e se um ponto dessa rede não se desenvolve a rede fica frágil. Devemos pensar voluntariado como um apoio dessa rede. Há programas para se aprender a ser voluntário e aplicar o voluntariado. Empresas gostam de contratar pessoas que tiveram experiências de voluntariado”.
Uma sociedade em que mais pessoas e empresas exerçam o voluntariado certamente será mais solidária, justa e socioambientalmente responsável.
(#Envolverde)