14 abril 2020

Mente sã, corpo são e o meio ambiente, não?

Nas últimas semanas, no mundo todo, só se ouve uma notícia – como anda a pandemia do coronavírus.
Está claro que um dos piores problemas desse vírus é que ele se espalha muito rápido, e, nos casos graves causa a debilidade dos pulmões, levando as pessoas à morte. Mas, se houvesse uma vacina… Ah, então, mesmo que o vírus se espalhasse rápido, a vacina imunizaria as pessoas e a chance delas morrerem seria muito menor, assim como seria menor a carga sobre o sistema de saúde e os hospitais.
Pois é, mas vacinas não podem ser produzidas do dia para a noite. Necessitam de um processo de pesquisa, testes e mais testes e outros processos demorados, que faz com que elas levem anos até poderem ser aplicadas com segurança na população.
E o meio ambiente? O que tem a ver com isso?
Bom, primeiro está claro que a concentração das pessoas num determinado espaço, como são as cidades mais populosas, aumenta as chances de contato e com isso a transmissão. As concentrações humanas podem gerar com facilidade insalubridade em especial podem potencializar a transmissão de doenças. Então, se as pessoas estiverem distantes umas das outras, isso não acontece na mesma velocidade e intensidade, e por isso, a grande estratégia adotada pelos países do mundo todo tem sido o isolamento social.
No Brasil, como não poderia deixar de ser, nada é simples. Nosso governo federal arrumou “de ser contra o mundo todo”, com argumentos pra lá de discutíveis. Mas, eis que surgem os governadores, com uma postura altiva, segura e a favor da ciência médica. E baseados nela, na ciência, os governadores trazem um pouco de razão ao ambiente político poluído de barbaridades que é o do Brasil atual.
O governador do estado de SP João Dória mostra que está atento ao que dizem os cientistas da área médica e vêm tomando medidas duras para garantir as vidas dos cidadãos paulistas. Merece os parabéns.
Mas, a postura do governador, olhada mais de perto está manca! A ciência que o governador está usando para governar é a médica, apenas. Ele não usa outros dados da ciência quando tem que tomar as decisões de governo, como é o caso da recuperação dos ambientes degradados no território do estado de SP.
Explicamos. Em março deste ano foi editado, pelo governador, o Decreto 64.842 que regulamenta a regularização ambiental de imóveis rurais no Estado de São Paulo, aqueles imóveis e áreas degradadas de que trata o Código Florestal – aquele que já foi tão falado em outros momentos.
É que neste decreto, o governador parece pensar como o presidente da república. Só vale a atividade econômica. As vidas que serão prejudicadas, de todos nós, e inclusive as das gerações futuras que verão o meio ambiente cada vez mais degradado, sem capacidade de prestar os serviços ambientais dos quais todos dependemos, parecem não contar.
Se o governador parar para pensar, vai lembrar que é possível cuidar das vidas e do meio ambiente onde elas estão, sem desprezar o funcionamento da economia. E vai lembrar das promessas recentes e dos compromissos que assumiu, registrados em declarações públicas, como a aqui transcrita do Jornal Valor Econômico publicado no dia 4 de março pp:
“O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que a mudança climática no país é aguda e exige atenção e respeito dos governos em relação a políticas públicas. Doria disse que o país precisa dar a devida atenção aos problemas decorrentes do fenômeno climático e enfrentá-los”.
Enfrentar as mudanças climáticas exige ações em diversas frentes – alteração da matriz energética, redução e mesmo extinção do desmatamento, uso de soluções baseadas na natureza e outras, que cabem tanto aos indivíduos como aos governantes. E os governantes, mais que ninguém devem liderar um processo de mudança que ajude o meio ambiente a se recuperar dos estragos que a sociedade já lhe impôs e que faz mal à própria sociedade como se verifica na pandemia em curso.
Em nível global, e desde 2008, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem usado um enfoque importante e inovador que demonstra a indissociabilidade da saúde humana, animal e ambiental. Esse enfoque se chama “One health”, ou Uma Saúde.
A ligação entre a saúde humana e animal já é reconhecida há muito tempo. No século 19, o médico alemão, Rudolf Virchow já fazia referência a esta relação, mas, só no final de 2003, depois que apareceram as doenças na interfase homens – animais com importante repercussão em saúde pública e na economia, como “Vaca Louca” (Encefalopatia Espongiforme Bovina-BSE); o Ebola; e a Síndrome Respiratória Aguda (SARS) é que surgiu o conceito de “Uma Saúde” (One Health).
O relatório “A Suvery of Zoonoses Programme in the Americas”, de 2016, da OMS e da OPAS (Organização Panamericana de Saúde) apontou que nos últimos anos as  doenças zoonóticas representaram cerca de 75% das doenças que afetaram humanos no último século e que o aumento da ocorrência destas doenças está ligado à modernização das práticas agrícolas (particularmente nos países em desenvolvimento), à destruição de habitats, aumento da população e às mudanças climáticas.
Não é de hoje que a ciência tem alertado que a perturbação dos ecossistemas pelo desmatamento pode induzir o aparecimento de novos vírus. Também não é de hoje que a ciência mostra a evidente e estreita relação entre desmatamento, vulnerabilidade dos biomas e a disparada de doenças zoonóticas no mundo, como a Covid-19.
Situações como esta exigem papel protagonista dos governos, por meio de  monitoramento e fiscalização das atividades econômicas, públicas ou privadas, que causem significativo impacto ambiental sobre ecossistemas e não um estado de “laissez-faire “, onde o interesse econômico tem pretensamente a capacidade e o interesse intrínseco de cuidar bem do meio ambiente e das pessoas. Deve haver políticas objetivas e transparentes para a recuperação de áreas ocupadas irregularmente.
Cuidar do meio ambiente é mais barato que enfrentar os efeitos econômicos destas síndromes e pandemias. Só a título de exemplo o custo mundial para o enfrentamento da SARS foi de aproximadamente US$ 40 a 50 bilhões.
O custo previsto para a implantação de 12 milhões de hectares no Brasil de forma que se cumpra o Código Florestal no Brasil inteiro e nos ajude a cumprir os compromissos com as Convenções de Clima e Biodiversidade foi estimado pelo Instituto Escolhas entre R$ 31 bilhões e R$ 52 bilhões, de acordo com o cenário utilizado. Além disso, essa medida trará a criação de 138 mil a 215 mil empregos e a arrecadação de R$ 3,9 a R$ 6,5 bilhões em impostos.
Se o decreto 64.842/20 ficar como está, o estado de SP contribuirá para exacerbar a criação e manutenção de um ambiente propício para o aparecimento de novas doenças zoonóticas e não colaborará para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, por meio da recuperação da vegetação nativa e dos serviços que ela presta, como a manutenção do clima, o abastecimento hídrico e outros tão essenciais à vida.
É de se perguntar por que o Programa de Regularização Ambiental de São Paulo saiu da área ambiental do governo e foi para a Secretaria da Agricultura?
Com este Decreto, as ciências ambientais, tão importantes e umbilicalmente ligadas às ciências médicas, por exemplo, perderam seu protagonismo, assim como a área ambiental do Governo.
O Decreto afasta equipes da área ambiental que foram treinadas e que têm atribuição legal para o encaminhamento deste tema e ainda sobrecarrega os extensionistas da antiga CATI (atual CDRS), que terão que assumir novas demandas sem condições para tanto.
Diversos pontos sobre como lei florestal deverá funcionar em São Paulo estão obscuros. Por exemplo: como deverá ser feita a recuperação das matas ciliares e reservas legais, e quais serão os indicadores e a forma de monitorar se estas matas estão realmente crescendo com sucesso? Já se sabe há muito tempo que indefinição e falta de transparência geram insegurança jurídica para os produtores rurais, funcionários do governo, investidores, e deixa a população sem a garantia dos serviços ambientais no futuro.
Ao mesmo tempo está sendo sinalizada uma ampla anistia para a recuperação da vegetação no estado, que inclui centenas de milhares de hectares de cerrado desmatados ilegalmente entre 1965 e 1989, comprometendo  a recuperação dos mananciais (agravando a crise hídrica) e o cumprimento de diversas metas assumidas pelo Brasil e por São Paulo quanto às mudanças climáticas e à proteção da biodiversidade, conforme declarado pelo atual Secretário Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Marcos Penido, na CARTA DE SÃO PAULO: PERSPECTIVAS BRASILEIRAS PARA O MARCO PÓS-2020 DA BIODIVERSIDADE (https://cbc.iclei.org/carta-de-sao-paulo-perspectivas-brasileiras-para-o-marco-pos-2020-da-biodiversidade/)
Será que devemos nos perguntar se esses compromissos são mesmo pra valer?
Sr. governador, o meio ambiente (onde estamos todos) precisa estar e permanecer são para não corroer os projetos futuros da própria sociedade. E, para termos ambiente saudável precisamos de políticas públicas saudáveis e baseadas na ciência para todas as áreas.
Assim como no caso das vacinas, não se consegue recuperar o ambiente do dia para a noite, menos ainda se não houver vontade (política) e atuação do governo em campo.
Da mesma forma que as pessoas relutam a ficarem em casa confinadas, muitos proprietários relutaram e relutam em cumprir as leis e não vão recuperar as áreas degradadas se o governo for complacente.
Precisamos que seu bom senso e atenção às evidências científicas, e o seu cuidado em ouvir a academia funcionem também na área ambiental, sob pena de, em curto espaço de tempo, nos reencontrarmos discutindo ações emergenciais para o enfrentamento de mais uma catástrofe que poderia ter sido evitada se tivéssemos cuidado da nossa casa e todos nós, inclusive da casa das futuras gerações que é nosso meio ambiente.
Observatório do Código Florestal
Movimento Mais Floresta PRA São Paulo,
Abril de 2020.
O #MaisFlorestaPRASaoPaulo é um movimento de instituições, pessoas e coletivos que reconhecem a importância das florestas para a qualidade de vida dos paulistas e trabalha para que políticas públicas, como o Programa de Regularização Ambiental do Estado (o PRA), viabilizem um real aumento de cobertura florestal. O movimento se iniciou em janeiro de 2016, quando um grupo de instituições e pessoas, insatisfeitas como os resultados e processo de construção deste Programa, se articula para reivindicar por maior transparência e objetividade nas normas de sua implementação.
O #MaisFlorestaPRASaoPaulo atua de forma articulada com o Observatório do Código Florestal, buscando tratar de forma mais específica das questões no âmbito do Estado de São Paulo.
Criado em 2013, o Observatório do Código Florestal é uma rede formada por 30 instituições, que monitora a implantação da nova Lei Florestal (Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012), com a intenção de gerar dados e massa crítica que colaborem com a potencialização dos aspectos positivos e a mitigação de seus aspectos negativos da nova Lei Florestal e evitar novos retrocessos. https://observatorioflorestal.org.br/
#Envolverde

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