São
Paulo ainda patina no setor ambiental
É
preciso preservar conquistas e avançar na regulamentação em prol de todos os
paulistas
A gestão Dória prega o desenvolvimento e a modernização nas relações do
setor público com a sociedade, mas na área ambiental ainda precisa mostrar
quais objetivos quer atingir. Entre outras questões fundamentais, São Paulo
precisa manter o papel de protagonista que sempre teve no cenário nacional com
relação às políticas ambientais.
Infelizmente, mesmo durante o período das eleições de 2018, o então
candidato João Dória não havia apresentado um posicionamento claro quanto às
pautas ambientais em seu plano de governo, deixando de apresentar
posicionamento para oitos dos pontos priorizados, expressando seis citações
genéricas e apenas uma posição afirmativa.
O governo, até o momento, tem mantido uma atuação semelhante a da
campanha, ainda sem o aprofundamento que as principais questões merecem, além
da falta de informação quanto ao seu projeto ambiental para São Paulo.
Essas ausências preocupam as organizações que há décadas atuam no setor,
pois temem retrocessos aos muitos programas anteriormente sob a gestão da
Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA), criada mesmo antes da
existência de um Ministério para tratar de questões ambientais no âmbito
federal.
A atual administração, até então, teve como única medida concreta
promover uma reestruturação administrativa para integrar as Secretarias
de Meio Ambiente, do Saneamento e Recursos Hídricos (SRH) e da Energia e
Mineração (SEM), formando a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente
(SIMA).
Mesmo as diretrizes quanto às ações dessa super e inflada Secretaria
ainda não foram apresentadas à sociedade. A própria nomeação de seus
subsecretários - de Meio Ambiente e de Infraestrutura - só se deu 30 dias após a criação dos cargos,
em 30 de janeiro.
Essa fusão é justificada pelo governo sob o argumento de otimizar
a máquina pública para poupar recursos, mas ela ignora os conflitos de
interesses inerentes às agendas das antigas Secretarias, incluindo submeter a
mesma coordenação as atribuições de requerer e expedir licenças ambientais para
obras de infraestrutura, por exemplo.
Embora o decreto estadual que promoveu tais mudanças precise ser
analisado com mais detalhes, é possível que hajam questionamentos quanto a sua
constitucionalidade. A norma fala claramente da criação da SIMA e
"desativa" algumas Secretarias anteriormente existentes, incluindo as
de Saneamento e Recursos Hídricos e a de Energia e Mineração.
O Governador está autorizado a dispor, mediante decreto, sobre a
organização e funcionamento da administração estadual. Porém, existem limites
ao exercício dessa competência, já que essas disposições não podem implicar em
aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos.
O modo como as atribuições das pastas integradas e desativadas foram
recepcionadas pela nova estrutura não está completamente claro. Nesse momento,
inclusive, aguarda-se um novo ato normativo do Governador para complementação
do desenho institucional da Administração Pública paulista na gestão Dória e,
enquanto isso, o futuro do sistema de gestão ambiental estadual ainda é
incerto.
Outra preocupação trazida por essa morosidade é a paralisação, até
agora, das atividades do Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA),
órgão normativo e recursal, integrante do Sistema Ambiental Paulista, que tem
sua existência e atuação assegurada pela Constituição Estadual. Uma instância
pioneira no Brasil, uma vez que sua criação antecedeu à da própria Secretaria
de Meio Ambiente.
No dia 31 de outubro do ano passado, os novos representantes da
sociedade civil no CONSEMA foram eleitos para o mandato que deveria ter
iniciado em janeiro de 2019, mas eles ainda não foram nomeados e, portanto, não
podem assumir seu papel. Os antigos representantes tampouco foram recrutados
para dar continuidade ao funcionamento desse colegiado, o que já
aconteceu em outras transições de governo sem que houvesse demora como a
que vem ocorrendo neste momento.
O CONSEMA realiza ao menos uma reunião ordinária por mês e, pela
primeira vez em muitos anos, as reuniões mensais previstas para janeiro e
fevereiro não ocorreram. A justificativa é a reforma administrativa. Porém,
dentre as atribuições deste Conselho, estão justamente: “emitir pronunciamento
prévio a respeito da Política Estadual do Meio Ambiente e acompanhar sua
execução”, além de “avaliar as políticas públicas com relevante impacto
ambiental”. Assim, a ausência de manifestação do CONSEMA, no contexto atual,
fere disposições legais.
Outro ponto muito preocupante é a perspectiva de mudança da gestão dos
assuntos ligados a regulamentação e implementação do Código Florestal em
âmbito estadual, que, em sua maior parte, eram de atribuição da SMA, mas que,
agora, parecem estar migrando por completo para a Secretaria de Agricultura e
Abastecimento (SAA). Essa mudança ainda incerta, é divulgada nos bastidores do
governo como uma inovação, mas novamente acontece sem nenhum debate público e
sem uma justificativa consistente.
Importa ressaltar que a Secretaria de Meio Ambiente era o órgão
protagonista das políticas ambientais do Estado de São Paulo, com papel central
na construção e implementação de diversas políticas públicas, a começar por
aquela instituída pela Lei 9.509 de 1997. Atuava, ainda, como líder
e protagonista de diversos compromissos e acordos ambientais assumidos pelo
Estado. Portanto, é imperativo, particularmente em tempos de crise climática,
que a sociedade paulista seja ouvida antes de se modificar este arcabouço
institucional.
É temerário modificar a estrutura da Administração Pública, com a
criação e extinção de órgãos, e diretrizes institucionais sem um debate público
com os representantes do Legislativo paulista e da sociedade civil, especialmente
com o próprio CONSEMA.
Evidente que não se trata de questionar a competência técnica dos outros
órgãos, nem da SAA, nem tampouco daqueles que integram as antigas Secretarias
do Saneamento e Recursos Hídricos (SRH) e da Energia e Mineração (SEM), mas frisar
que o atendimento à legislação ambiental estadual vem sendo ao longo dos anos
garantido pela estrutura e funcionários da agora ex-SMA.
A lentidão apresentada até o momento pelo Governo para traçar as
diretrizes mínimas que irão orientar o trabalho dos órgãos estaduais na área
ambiental traz enormes preocupações. Ela dificulta a transparência necessária
para o posicionamento dos diversos atores da sociedade civil sobre os rumos que
estão sendo definidos para políticas públicas ambientais chaves tanto para o
Estado como para o país, entre estas aquelas relacionadas a florestas, áreas
protegidas e mudanças climáticas
Também suscita dúvidas sobre a permanência de compromissos
internacionais assumidos pelo Governo de São Paulo em gestões anteriores, já
que, durante sua campanha, o atual Governador chegou a manifestar que esses não
seriam cumpridos ou mantidos.
Por exemplo, o Estado de São Paulo na COP 21, em Paris, se comprometeu
com a adesão à Iniciativa 20×20 que prevê o compromisso de promover a
restauração de 300 mil hectares até 2020. O déficit de vegetação nativa, na
maioria das regiões do Estado, prejudica a manutenção da biodiversidade e a
prestação de serviços ambientais, além de impactarem negativamente os recursos
hídricos e as possibilidades de mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças
climáticas. Sem a implementação efetiva da Lei Florestal, incluindo a
restauração de APPs e Reservas Legais, esta meta não será alcançada e atuação
em âmbito estadual pode impactar significativamente esse resultado.
Vale lembrar que, a Lei e outras normas estaduais que tratam do Programa
de Regularização Ambiental de São Paulo (PRA-SP) encontram-se suspensas. No
entanto, como já vinha sendo realizado pela antiga SMA e representantes da
sociedade civil, é de grande importância que os órgãos públicos ambientais
competentes mobilizem esforços para agilizar a "liberação" e
implementação do PRA, instrumento de grande importância não só para conservação
da biodiversidade, mas para a produção rural sustentável no país.
O manejo sustentável da vegetação nativa e direitos dos povos e
comunidades tradicionais também ficam prejudicados diante do atual contexto. E
estes assuntos dependem da definição de atribuições dos órgãos responsáveis e
de discussões sobre a regulamentação do Código Florestal.
Assim, reivindicamos que:
·
Seja mantida a separação de competências entre Secretarias no que tange
à política ambiental, em especial ao licenciamento ambiental;
·
Seja mantido o protagonismo do órgão ambiental na gestão dos
instrumentos da Lei Florestal, como o CAR e o PRA;
·
O CONSEMA (re)assuma seu papel central na política ambiental, a começar
pela nomeação dos novos conselheiros e retomada das reuniões;
·
As alterações das estruturas e competências dos órgãos ambientais sejam
feitos atendendo os princípios da legalidade, publicidade e transparência;
·
Sejam mantidas e aprimoradas as conquistas ambientais do Estado de São
Paulo que sempre teve um papel de vanguarda no cenário brasileiro.
Todas estas questões são partes integrantes e indispensáveis ao
desenvolvimento de São Paulo e estão sendo atentamente observadas para garantir
que não tenhamos retrocessos socioambientais escondidos sob um argumento
desenvolvimentista que não se justifica mais nem a curto nem a longo prazo.
Coletivo Mais Florestas PRA São Paulo
Rede de ONGs da Mata Atlântica
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