A tragédia de Mariana em aberto
Três anos depois do acidente, os projetos implementados ainda não renderam frutos
Por Reinaldo Canto*
Foi com um misto de perplexidade, conformismo e uma discreta esperança que visitei Mariana três anos após o maior desastre ambiental do país em 5 de novembro de 2015.
A perplexidade brotou da constatação de que os sinais mais fortes da tragédia ainda são facilmente avistados em localidades como Paracatu de Baixo, comunidade soterrada juntamente com a de Bento Rodrigues e Gesteira, tal qual foram deixadas após a passagem e permanência da lama que encobriu casas e vidas. Ali, por orientação oficial, tudo deve permanecer intocado. Um monumento digno da estupidez e ganância humanas.
Ao mesmo tempo, a rotina da cidade com suas históricas igrejas, paisagens deslumbrantes, culinária mineira de excelência e povo simpático e hospitaleiro, continua a receber turistas e, diga-se de passagem, para esclarecimentos, a cidade de Mariana e seu centro histórico felizmente não foram vitimadas pelo desastre. Mesmo assim famílias atingidas diretamente ainda aguardam solução definitiva para poder voltar a ter uma vida normal.
Leia também:
O sol que castiga o sertão é realidade como fonte de energia na Paraíba
Nossa vida não é feita de plástico
O sol que castiga o sertão é realidade como fonte de energia na Paraíba
Nossa vida não é feita de plástico
Daí vem o segundo comentário, o conformismo geral da população de Mariana que mantêm sua rotina levando em conta que apesar de tudo, não existem perspectivas de que uma atividade como a mineração deixará de ter importância no futuro imediato da região. “Uma tristeza, mas que há de se fazer, aconteceu, aconteceu”, diz uma moradora que preferiu não se identificar.
Já em relação à esperança, bilhões de reais já começaram a ser investidos pela Fundação Renova (criada a partir do acordo estabelecido no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta – TTAC). Para remediar e recuperar parte de tudo o que foi perdido, exceto as 19 vidas levadas em definitivo junto com os rejeitos minerais.
Projetos não faltam, muitos estão dando seus primeiros passos e seus resultados são aguardados com expectativa.
Reflorestamento na bacia no Rio Doce
Após o rompimento da barragem do Fundão em torno de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos sepultaram comunidades, rios e florestas. Um cenário apocalíptico que lentamente começa a dar lugar a projetos de reflorestamento.
Um dos responsáveis por esse trabalho de restauração da vegetação é o engenheiro florestal e professor Sebastião Venâncio Martins, da Universidade Federal de Viçosa. Segundo ele, uma parte importante da mata irá se regenerar naturalmente, mas em outras áreas 11 milhões de mudas de 30 espécies diferentes de mata nativa já estão sendo plantadas. Em toda a bacia do Rio Doce 40 mil hectares serão restaurados.
Desses 10 mil hectares vão receber mudas e nos outros 30 mil o trabalho será para que a regeneração ocorra de maneira natural (para isso se faz o cercamento impedindo a entrada de cabeças de gado e limpeza da área com a retirada de capim, por exemplo)
Outra meta estabelecida no termo de compromisso é a de recuperar ao menos cinco mil nascentes com o plantio de vegetação que proteja essas fontes de água.
Uma decisão interessante e inédita no mundo é deixar a lama em vários locais sem removê-la. Pedro Ivo, engenheiro ambiental e especialista em manejo de rejeitos explica que a conclusão foi de que a remoção desse material, “pode causar problemas ainda maiores trazendo muitos impactos ambientais”.
Ele se refere, como exemplo, a quantidade imensa de caminhões que seria necessários trafegando de um lado pro outro e a própria destinação de todos esses rejeitos. Então manter o material intocado deverá ocorrer em algumas áreas em que a vegetação poderá se desenvolver mesmo com a presença dessa lama.
Para o especialista da Renova, como o rejeito não é tóxico, uma combinação que trate o solo com adubação e o plantio de leguminosas seriam capazes de recuperar esses locais.
Leia também:
Nossa vida não é feita de plástico: recuse canudos
O sol que castiga o sertão é realidade como fonte de energia na Paraíba
Nossa vida não é feita de plástico: recuse canudos
O sol que castiga o sertão é realidade como fonte de energia na Paraíba
Monitoramento das Águas
A lama foi sendo levada pelo Rio Doce e seus afluentes até chegar ao mar. Fauna e flora foram sendo varridas pelo caminho e pescadores perderam seu ganha-pão. De lá pra cá, as águas vão se recuperando lentamente.
Um relatório produzido por pesquisadores (entre agosto de 2017 e janeiro de 2018) que monitoram a água doce e a salgada afirmam que a quantidade de metal do Rio Doce, já está próxima dos níveis da série histórica porque mesmo antes do desastre, o rio já apresentava sérios problemas de degradação, entre eles, a falta de cobertura vegetal de suas margens e a grande quantidade de esgoto lançado em suas águas.
Mesmo assim e com a discreta recuperação da fauna, a pesca permanece proibida na maior parte do trajeto da lama. Brígida Maioli, engenheira ambiental da Renova explica que o trabalho de monitorar as águas é feito em 92 pontos do Rio Doce, estuários e zonas costeiras que vai de Mariana a Linhares (ES) com registros feitos a cada hora e analisadas pelos órgãos ambientais e agências responsáveis pelos recursos hídricos.
Participam desse esforço uma rede de universidades com cerca de 500 pessoas que analisam a situação das águas e o impacto na biodiversidade. Existe a promessa, assumida pela Renova, de realizar um amplo programa de saneamento básico que consiga eliminar o despejo de esgoto nas águas do Doce hoje em 80% ao longo do seu curso.
Em relação à vida marinha, para Bruno Pimenta, biólogo da Renova, agora em setembro começou o trabalho de monitoramento no Espírito Santo com coleta da água, sedimentos, solo, areia da praia, microrganismos, corais e até peixes para entender melhor os efeitos dos rejeitos no mar.
“Precisamos entender a magnitude desse impacto e como a sociedade terá de se relacionar com essa nova realidade”. Ele acredita que algumas respostas serão conhecidas em um ano, ou seja, em setembro de 2019.
O tempo das pessoas não é o mesmo da natureza e dos recursos
Dinheiro não tem faltado para as ações, mas o tempo é que não tem ajudado às pessoas a ficarem tranquilas e poderem reconstruir suas vidas.
É o caso do trabalho que envolve a reparação das propriedades rurais afetadas com perdas que vão de pastagens a áreas de plantio. Como do agricultor Geraldo Adão cuja propriedade perdeu 16 hectares destinados a pastagem.
“Tive que vender minhas vacas por metade do preço”. Ainda sem solução definitiva, o seo Geraldo tem que deixar seu gado preso no curral e vem recebendo ração da Renova para dar conta de alimentar seus animais.
Daqueles que perderam tudo, a Fundação tem até 2020 para assentar as 225 famílias cadastradas. As obras do novo Bento Rodrigues, na localidade conhecida como Lavoura a 16 quilômetros do antigo endereço seguem a todo vapor.
Em torno de 500 operários trabalham no local podendo chegar em breve a dois mil trabalhadores, construindo o novo bairro de acordo com a vontade da comunidade. Mas três longos anos se passaram e, como diz o líder comunitário Zezinho do Bento, “além da espera difícil a gente tem certeza que não vai ter mais a vida tranquila, um lugar bom de viver como a gente tinha”.
Por mais dinheiro, apoio técnico e empenho de milhares de pessoas envolvidas nos trabalhos, as profundas marcas deixadas pela tragédia não serão apagadas, tanto do ponto de vista humano como ambiental.
Mas o mais chocante é pensar que histórias como essa podem se repetir a qualquer momento em áreas de mineração como a de Mariana ou em outras regiões do país, pois a atividade assim como a sua fiscalização e cuidados pouco mudou de lá pra cá. Que a sorte ajude Mariana e todos nós brasileiros!
*O jornalista viajou a convite da Fundação Renova