Quem não se lembra dos tensos e
acirrados confrontos no Congresso Nacional que há três anos
convulsionava o País nas discussões sobre como deveria ser o novo
Código Florestal.Parecia um barril de pólvora prestes a explodir. Na época, só não havia
dúvida quanto à necessidade de atualiza-lo, já que a lei havia sido
concebida ainda na ditadura, no ano de 1965. De lá pra cá, certamente o
país mudou muito e, portanto, a lei de florestas também precisaria ser
alterada.
Como sabemos, os ruralistas conseguiram, na ocasião, fazer passar boa
parte de suas demandas, entre elas, algumas bastante questionáveis como
a anistia aos desmatadores graças ao artifício das áreas consolidadas
com produção antes de 22 de julho de 2008 e a redução nas áreas de
proteção.
Pois bem, de lá pra cá, após tantas turbulências, era de se esperar
que fosse um pouco mais suave o processo de implementação do Código.
Mas, infelizmente, não é bem isso o que estamos assistindo. A importante
meta de mapear e cadastrar todas as propriedades rurais brasileiras por
meio do Cadastro Ambiental Rural ao longo desses três anos de vigência
do Código está longe de ser alcançada.
As informações recentes fornecidas pelo governo federal dão conta de
que em torno de 1,4 milhão de um total de 5,5 milhões de propriedades
rurais já fizeram o CAR. Desse montante já regularizado, 87% são de
pequenas propriedades.
Diante de um número tão pequeno e com tantos proprietários ainda em
desacordo com a lei, o governo decidiu prorrogar o prazo por mais um
ano, portanto até maio de 2016. Veremos então o que vai acontecer, pois a
tarefa não parece ser das mais fáceis, não só pelo fato de muitos ainda
precisarem se cadastrar, mas também pelos obstáculos a serem
transpostos.
Podemos até dizer que possam existir proprietários que não estejam
fazendo muito esforço para preencher o CAR, mas como ainda persiste a
falta de informação é preciso também entender o problema desses
agricultores.
Técnicos da
Iniciativa Verde,
organização que atua em projetos de recomposição florestal,
principalmente no estado de São Paulo, têm procurado ajudar produtores
rurais a preencher o cadastro e, o que eles encontram com frequência,
são muitas dúvidas e um desconhecimento generalizado.
Para Roberto Resende, presidente da Iniciativa Verde, uma das
principais questões está relacionada ao Programa de Regularização
Ambiental: “a falta de definição do PRA deixa sem diretrizes os
processos legais, administrativos e econômicos para a enorme tarefa da
recomposição florestal e da adequação ambiental de tantos imóveis. Em
paralelo com a consolidação do CAR é fundamental definir as regras da
próxima etapa”.
Ele compara: “é como se após a entrega da declaração do Imposto de
Renda (o preenchimento do CAR) os contribuintes não soubessem como,
quanto e quando devem pagar de imposto ou receber de restituição (a
ausência de definições claras do PRA). Para resumir, se persistem
dúvidas quanto ao preenchimento do Cadastro Ambiental Rural, são ainda
mais obscuras as contrapartidas a que o proprietário rural terá de
cumprir no Programa de Regularização Ambiental".
A situação não é muito diferente Brasil afora, o
Observatório do Código Florestal tem
acompanhado a situação. Conforme afirma Aldem Bourscheit, da
organização ambiental WWF-Brasil e membro do Observatório, questões
políticas estão entre os principais fatores que emperraram o cadastro
(CAR), um dos passos para a regularização ambiental das propriedades. “A
lei florestal (12.651/2012) foi aprovada em um processo onde sociedade e
academia foram pouco ouvidos e sua regulamentação ocorre em um processo
lento e pouco claro, tanto em nível federal quanto estadual”.
Ele ainda destaca que “falta muita transparência, uma comunicação
efetiva para disseminação da lei e a definição de incentivos econômicos.
Sem eles, podemos ter aumento no desmatamento em propriedades com
excedente florestal”. Todas questões que deixam os agricultores
inseguros e confusos quanto ao que fazer. Para Aldem, será preciso
também que, neste ano de prorrogação dos prazos de cadastramento de
propriedades e posses rurais, Governo Federal e Estados trabalhem juntos
e o setor produtivo incentive seus fornecedores a respeitar e aderir ao
novo Código Florestal.
A atual crise hídrica enfrentada com maior gravidade por estados da
região Sudeste, mas que aflige também outras localidades do País, é
apenas uma das muitas razões para termos uma lei florestal capaz de
proteger mananciais, nascentes e rios, além de nossa riquíssima
biodiversidade. A convivência equilibrada entre preservação ambiental e
produção agrícola é o que irá garantir o nosso futuro
O Cadastro Ambiental Rural é fundamental para que tenhamos uma
radiografia fidedigna do meio rural brasileiro. Um panorama preciso
sobre as áreas de vegetação natural que deverão ser preservadas e também
as terras a serem exploradas, o que irá contribuir para que o país
saiba onde investir, o que priorizar e o que necessita ser recuperado e
preservado. Enfim trazer luz para um setor que ainda possui muita sombra
e pouca transparência.
*
Nesta semana diversos eventos organizados pelo Observatório do Código
Florestal em todo o país vão debater o atual estágio e o futuro da
implantação do Código. Em São Paulo, um
encontro no dia 21/05, próxima quinta-feira, vai reunir governo, iniciativa privada, organizações da sociedade civil e academia.
*Reinaldo Canto é
jornalista especializado em Sustentabilidade e Consumo Consciente e
pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento.
Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País. Foi
diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação
do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto
Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da Envolverde, colunista de
Carta Capital e assessor de imprensa e consultor da ONG Iniciativa
Verde.