Por Reinaldo Canto*
Antonio Tajuelo/Flickr
O singelo ato de ir e vir transformou-se em questão de máxima prioridade nos centros urbanos. Mobilidade nas cidades brasileiras é pauta diária e dor de cabeça permanente para 10 em cada 10 prefeitos de grandes e médias cidades brasileiras. O tema entrou até mesmo nas discussões sobre qualidade de vida, em razão dos poluentes emitidos pelos veículos e o sedentarismo. Além, é claro, dos acidentes causados, principalmente, por motoristas inconsequentes que matam mais pessoas dos que nos casos de homicídio.
O histórico privilégio dado ao automóvel pelos gestores públicos e, mais recentemente, a sua real popularização - graças ao maior acesso a financiamentos e queda nos preços - transformaram o trânsito nas cidades praticamente insuportável.
A opção pelo transporte individual, felizmente, tem sido bastante questionada. Aos prefeitos ficou, então, a difícil missão de implementar mudanças necessárias e urgentes para fazer fluir o tráfego de pessoas em suas áreas de atuação. O problema é o que fazer e como fazer. Em geral, após décadas de soberania de obras visando atender aos carros, quaisquer medidas tomadas por esses prefeitos ou são caras ou desagradam a parcelas consideráveis da população. A construção de metrôs e monotrilhos, faixas exclusivas de ônibus e a restrição ao uso do automóvel, para ficar em algumas das mais importantes medidas, já são suficientes para acabar com o sono de muitos alcaides Brasil afora, especialmente em São Paulo e Rio de Janeiro.
Alternativa de baixo custo. Mas vale a pena pensarmos que também existem alternativas que, apesar de exigirem mudanças de hábitos e comportamentais, são muito mais baratas e com ótimos resultados para a qualidade de vida das pessoas.
O aumento no uso da bicicleta está ganhando espaço nas discussões sobre mobilidade urbana. E antes que digam que estou propondo transformar as cidades brasileiras em versões chinesas da década de 70 do século passado, a resposta é um sonoro não.
A ideia central é colocar a bicicleta como uma boa alternativa para viagens mais curtas e, em outros casos, interligadas com o transporte público. Aliás, para que seja possível estabelecer essa comunicação entre bicicleta e transporte público será preciso investir para capacitar estações de trem e metrô com estacionamentos seguros, facilidades de acesso e de transporte de bikes nas próprias composições. Isso tem ocorrido em São Paulo, de maneira tímida, é verdade, e com alguns retrocessos difíceis de entender. Os baixos valores aplicados nesse tipo de obra não justificam tantos vacilos e falta de determinação.
Aliás, por falar em investimentos, a construção de ciclovias e espaços para pedestres é mais barata se comparada com vias para carros, trens e metrôs. O portal de mobilidade urbana Mobilize (www.mobilize.org.br) publicou um estudo sobre o tema realizado pela organização norte-americana Bycicle Coalition (http://www.sfbike.org/), tendo como base a cidade de São Francisco nos Estados Unidos.
A pesquisa constatou que uma milha de ciclovia (cerca de 1,6 km) sai em média por 455 dólares, e a mesma distância de uma estrada custa 571 mil dólares. A organização conclui que apostar em obras de infraestrutura para bicicletas não compromete o orçamento das cidades, ainda mais quando comparadas à construção de vias para carros.
Grande negócio. Para muitos ainda pode parecer coisa de criança, mas quando entramos também na questão econômica, o negócio da bicicleta assume uma outra dimensão. Hoje o Brasil é o 3º maior produtor de bicicletas do mundo, atrás apenas da China e da Índia, conhecidos países em que suas populações usam a bicicleta como meio de transporte.
Nosso país também é o 5º maior consumidor de bicicletas no planeta, mas ficamos bem abaixo quando a análise verifica o consumo per capita. Nesse caso passamos a ocupar a 22ª colocação entre os países do mundo. Vale lembrar que países europeus e suas belas cidades tem em seu cenário cotidiano pessoas de todas as classes sociais fazendo uso da bicicleta como meio de transporte.
E para que os nossos números possam melhorar, um dos aspectos a serem verificados é o do valor. O Brasil tem hoje uma das magrelas mais caras do mundo, enquanto a compra de carros tem sido muito facilitada. Para mudar essa realidade existe inclusive um movimento da rede Bicicleta para todos (bicicletaparatodos.com.br) que pede ao governo um IPI Zero para bicicleta (petição on line http://www.change.org/pt-BR/peti%C3%A7%C3%B5es/ipi-zero-para-bicicletas).
Se levarmos em conta o atendimento aos seus principais usuários, o IPI Zero poderá tornar a vida das pessoas de baixa renda muito melhor. Segundo o IBGE, perto de 1/3 dos que se utilizam da bicicleta como meio de transporte no Brasil tem renda familiar de até 600 reais e outros 40%, de até 1.200 reais. O texto da petição faz referência exatamente aos benefícios que essa população irá receber: “são estes os brasileiros mais afetados pela alta tributação, que tolhe o acesso a um produto de mais qualidade e com valores mais justos, favorecendo a migração para outros meios de transporte, especialmente os motorizados”.
Estudos divulgados pela Associação Brasileira da Indústria, Comércio, Importação e Exportação de Bicicletas, Peças e Acessórios (Abradibi) constataram que ao zerar o IPI, hoje na casa dos 10% do valor pago pela bicicleta , o Brasil teria um aumento de 11,3% nas vendas.
A bicicleta, portanto, é uma boa alternativa, barata e saudável. Mas para que se torne uma real possibilidade de transporte, também será preciso garantir a segurança dos ciclistas para que as bikes ocupem e transformem a paisagem de nossas cidades e quem sabe consigamos construir um futuro mais humano e sustentável.
* Artigo publicado originalmente na coluna do autor no site da revista Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/
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