Por Reinaldo Canto*
Ao viajar por terras amapaenses pude constatar que ali se desenrolam algumas importantes experiências que, caso sejam replicadas, podem representar um interessante caminho para a tão alardeada preservação da Floresta Amazônica.
O estado do Amapá com seus 143 mil km² (pouco mais da metade do estado de São Paulo) possui 76% de sua cobertura vegetal original e um nível de desmatamento histórico de apenas 2%. Sendo que 73% de sua área total são parques protegidos e florestas já reservadas à produção baseadas em critérios de desenvolvimento sustentável.
Se considerarmos os índices de alguns outros estados referentes desmatamento apurados entre 1978 até 2009 (dados do INPE, com base em imagens do satélite Landsat) como Pará com 17,66%, Rondônia, quase 40% já desmatados, Mato Grosso 48,95% (referentes ao bioma floresta amazônica), veremos que o Amapá está numa situação bastante privilegiada.
Claro que muitos poderão alegar ser um estado ainda em processo de desenvolvimento e com uma população relativamente pequena, em torno de 700 mil habitantes, mas é verdade também que lá existe uma maior percepção das pessoas quanto a importância de se preservar a floresta.
Em conversas com lideranças e produtores agroextrativistas ribeirinhos de Mazagão, município localizado a 34 kms da capital Macapá, ficou claro que para eles, a destruição da floresta significaria consequentemente, o fim de seu modo de vida tradicional.
A produção local é baseada, principalmente, no extrativismo tradicional (com destaque para o açaí, mais importante produto da região), o plantio de algumas culturas, além da pesca e da criação de animais.
Para Valdenor Carvalho de Araújo, presidente da Escola-Família Agroextrativista de Mazagão, as necessidades das pessoas, das famílias são as mesmas encontradas na cidade, ou seja, saúde, educação, energia e, para os agricultores, apoio na comercialização de seus produtos e assistência técnica. “Temos uma boa condição de vida, mas precisamos de mais estrutura e atenção às nossas reivindicações que valorizem os nossos produtos e atendam as demandas de nossa cadeia produtiva”, afirmou Valdenor.
Já Aurélio Carvalho de Araújo, irmão de Valdenor e Presidente da Associação do Assentamento Pai Mazagão com 360 associados em 7 comunidades, a comercialização dos produtos é o que mais incomoda: “uma saca de açaí sai daqui com um valor e o atravessador consegue o dobro só com o transporte até a cidade”.
Tanto as reivindicações básicas para a melhoria da qualidade de vida da população quanto os problemas de escoamento da produção, não são novidades, mas graças a um trabalho cuidadoso conduzido pelo Instituto Estadual de Florestas, ligado ao Governo Estadual do Amapá, foi lançado na semana passada, um projeto chamado ProExtrativismo, Programa de Desenvolvimento da Produção Extrativista do Estado do Amapá.
Além de trabalhar planos de desenvolvimento para os mais relevantes produtos da região (açaí, cipó titica, castanha e madeira), o projeto também irá remunerar o agricultor que não desmatar recebendo um valor por hectare como pagamento por serviços ambientais (o chamado PSA).
A ideia é beneficiar de imediato 2 mil famílias e chegar no futuro a 20 mil famílias produtoras em todo o estado do Amapá.
“O maior objetivo é valorizar os homens e mulheres da floresta, reduzir a pobreza e gerar riqueza”, fala entusiasmada a presidente do Instituto Estadual de Florestas Ana Euler e, completa “sem esquecer que todos esses produtos são produtos da sociobiodiversidade, o que irá garantir consequentemente a conservação da floresta”.
O Amapá é um exemplo de como existem possibilidades de desenvolvimento sustentável fora da equação comum em outros lugares de simplesmente destruir a floresta e mesmo assim manter a maioria da população na miséria. A conhecida perversidade do “crescimento” a qualquer custo sem atenção às pessoas e ao meio ambiente.
Mas que ninguém se engane, as ameaças à Floresta Amazônica em território amapaense, tem crescido muito nos últimos tempos com o avanço da pecuária e da soja. Portanto, projetos como o PróExtrativismo são muito bem-vindos, mas será necessário um trabalho permanente que una toda a sociedade e setores produtivos do estado para garantir a perpetuação dessas extraordinárias riquezas para a população local e para todos os brasileiros.
*Reinaldo Canto é jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de Comunicação do Greenpeace e coordenador de Comunicação do Instituto Akatu. É colunista da revista Carta Capital, da Rádio Trianon, do Portal Mercado Ético, colaborador da Envolverde e professor de Gestão Ambiental na FAPPES.
Artigo publicado originalmente na coluna do autor no site da revista Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/amazonia-brasileira-o-futuro-passa-pelo-respeito-as-comunidades-tradicionais-4148.html
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