20 maio 2013

Perigo no ar

O importante é não ficar parado e agir. Enquanto a água não ferver sempre teremos a chance de pular da panela e apagar o fogo

Por Reinaldo Canto*


Para a maioria da população deve ter passado despercebida a informação de que a nossa atmosfera atingiu uma concentração recorde e inédita de 400 ppms (400 partes por milhão) nos níveis de CO2,o famoso dióxido de carbono. Muita gente pode ter pensado: “então, tá…”
Por não alterar a nossa realidade cotidiana – afinal, não altera o trânsito da cidade, não provoca aumento imediato no preço dos alimentos ou qualquer mudança nos índices de violência. Isso tudo é verdade, mas o que seria uma não notícia é, na realidade, uma das mais importantes novidades dos últimos tempos. Esse nível de concentração de CO2 significa que, segundo as previsões de mais de 2.500 cientistas de todo o mundo, reunidos pela ONU no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC em inglês), nosso planeta acaba de ultrapassar uma linha imaginária perigosa e está caminhando para um alarmante e desconhecido aquecimento.
Se tudo se confirmar, com esse aumento de temperatura, teremos menos terra para plantar alimentos; as águas dos oceanos irão invadir cidades; muitas espécies vão morrer por falta de capacidade para se adaptar a esses novos índices de calor e até mesmo é possível pensar num crescimento da violência, por que não?
Os especialistas do IPCC vão mais longe e classificam essa ultrapassagem dos 400 ppms como um patamar que coloca em risco a própria civilização conforme nós a conhecemos.
Temos reagido a esses fatos ligados às mudanças do clima, tais como a crescente ocorrência dos fenômenos climáticos extremos, quase que com total descrença.  Coisas irrelevantes dignas de ambientalistas radicais e desocupados.
O comportamento preponderante assemelha-se ao do sapo na panela. Ao pular numa panela com água fervente, o sapo salta fora dela imediatamente. Ao contrário, quando a água da panela está fria com o sapo dentro e vai aquecendo lentamente, o sapo poderá morrer, pois vai tentando se adaptar até ser consumido pelo calor.
Em relação às ações que deveriam ser tomadas pela humanidade em geral, principalmente nos fóruns internacionais sobre mudanças climáticas, realizados anualmente, o que se vê é um interminável “jogo de empurra”, postergando as urgentes medidas capazes de reverter o quadro, indefinidamente. Digno do comportamento de um sapo feliz e saltitante dentro de uma panela com água prestes a atingir o fatal grau de fervura.
Nessas horas deveríamos nos perguntar e, claro, principalmente as nossas autoridades, o que deveríamos fazer para tentar de alguma forma mudar essa realidade. O desenvolvimento não sustentável que muitas vezes produz o supérfluo destruindo o essencial é um dos grandes responsáveis por esse estado de coisas.
Não será mais possível manter essa lógica de desenvolvimento, uma visão distorcida baseada no acúmulo de bens materiais e na consequente emissão de gases de efeito estufa em proporções inéditas e perigosas.
Mas de nada adiantam reações pouco produtivas, negligentes por um lado ou alarmistas de outro. Melhor é começar um processo de mudanças de comportamento e de valores. Consumir de maneira consciente e apenas o necessário, usar menos o carro que queima combustíveis fósseis, alguns dos principais responsáveis pela emissão de gases que contribuem para o aquecimento global e reduzir o uso de energia e água evitando desperdícios, entre outras ações sustentáveis. Claro que mais importante ainda é pressionar nossas autoridades governamentais e empresariais a adotar atitudes sustentáveis e investir decididamente em atividades ligadas a economia de baixo carbono.
No caso das empresas, além de buscarem reduzir os impactos causados por suas atividades, elas também podem compensar algumas das emissões dos gases de efeito estufa, por meio do plantio de árvores que absorvem carbono durante o seu crescimento.
Uma dica é consultar o trabalho realizado por diversas organizações e empresas que realizam esse trabalho. Uma delas é a ONG Iniciativa Verde que faz restauro florestal com espécimes da Mata Atlântica prioritariamente em áreas de mananciais.  (www.iniciativaverde.org.br).
O importante é não ficar parado e agir. Enquanto a água não ferver sempre teremos a chance de pular da panela e apagar o fogo.


*Reinaldo Canto é jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de Comunicação do Greenpeace e coordenador de Comunicação do Instituto Akatu. É colunista da revista Carta Capital, da Rádio Trianon, do Portal Mercado Ético, colaborador da Envolverde e professor de Gestão Ambiental na FAPPES.

Artigo publicado originalmente na coluna do autor no site da revista Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/sustentabilidade/perigo-no-ar-1

Blog: cantodasustentabilidade.blogspot.com
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12 maio 2013

Lição de Casa - Valores e significados além da sala de aula


or Reinaldo Canto*
Christiano Miguel é professor da FAPPES, a Faculdade Paulista de Pesquisa e Ensino Superior, no centro de São Paulo. Ele leciona contabilidade e também exerce outras atividades profissionais.
Christiano não costuma faltar. Aliás, nas raras vezes em que isso acontece sente uma imensa culpa, “penso que tenho uma grande responsabilidade com meus alunos e a minha sensação é de desaponta-los”. E, ainda vai mais longe, “parece que tiro deles a oportunidade do conhecimento”.
Exageros à parte, o professor Chris, como é conhecido por todos, sugeriu dar essa “aula perdida” no último sábado do mês de abril, dia 27, após ter faltado na semana, em virtude de uma emergência médica familiar.
Pois bem, com o apoio da faculdade, os alunos foram convidados a participar da aula. O convite acabou se estendendo a outras classes e ao final o que seria uma aula de reposição recebeu em dois períodos, manhã e tarde, mais de 50 alunos.
Como já dito anteriormente, a obrigação do professor Chris é dar aulas de contabilidade. Ok! Mas a sua aula virou um workshop com música motivadora, vídeo de humor e até mesmo apoio às aulas de matemática com explicações sobre o uso da calculadora HP e científica. Isso tudo em pleno sábado!!
O professor Chris não ganhou dinheiro ao passar seu sábado ao lado dos alunos. Por outro lado, esses alunos também fizeram o mesmo. Em pleno sábado foram “perder seu tempo” indo até a faculdade que já frequentam de segunda à sexta.

Entre Obrigações e Exemplos

A prevalência do mantra que afirma como ideia absoluta e incontestável que “tempo é dinheiro” ou mesmo, que “o mundo pertence aos espertos”, por vezes recebe algumas boas lufadas de uma brisa diferente e redentora.
O professor Chris, é desse tipo de gente que extrapola as suas obrigações. Para quem tem o privilégio de conviver com ele, sabe que essa aula de sábado é apenas um pequeno exemplo de seu modus operandi. Ele cotidianamente abandona o senso comum, “faço o meu e está tudo certo”! Acredita em coisas consideradas por muitos como fora de moda, ou seja, solidariedade, respeito e consideração.
- E aí, professor Chris, vai repetir a experiência?
“Com certeza. Antes da segunda prova farei novamente. Acho que controlar o emocional ajuda a melhorar as atividades discentes. Foi muito bom e senti o reflexo na aula de contabilidade da segunda feira, quando não somente me agradeceram pela oportunidade como também estavam mais seguros em relação à disciplina”.
Só para reforçar pela última vez, o professor Chris tem a obrigação de ministrar aulas de contabilidade nas classes para as quais foi designado de segunda à sexta, nos horários pré-determinados. E ele simplesmente não cumpre o pré-estabelecido e ultrapassa esses limites!
Para alguns ele pode ser considerado um bom professor, para muitos outros, como os alunos que voluntariamente compareceram a aula extra do sábado e este escriba, um Ser Humano digno de receber esse título.

*Jornalista, colega de Christiano com muito orgulho!

04 maio 2013

Os efeitos colaterais do tal progresso

Índice de poluição por ozônio bate recorde e compromete a saúde do paulistano. 

Por Reinaldo Canto


Infelizmente ainda existem muitas dificuldades e resistências para que possamos analisar criticamente o chamado modelo de desenvolvimento. Questionar o crescimento determinado pelos critérios tradicionais estabelecidos pelo Produto Interno Bruto – PIB, invariavelmente,  são contestados como conversa de ambientalistas ou de quem é contra o país.
Já ouvi o economista Eduardo Giannetti da Fonseca afirmar que, se fossem contabilizadas as perdas em recursos naturais da China, o real crescimento da potência asiática, que avançava na casa dos dois dígitos em anos recentes, seria infinitamente menor.
Pois, se é mais difícil para muitos compreenderem o valor dos fundamentais serviços ambientais que a natureza do planeta nos oferece, talvez questões que impliquem na redução da qualidade de vida, possam ser mais fáceis de entender para ouvidos moucos e conservadores.
A poluição atmosférica é um desses fatores conhecidos de nós brasileiros, principalmente daqueles moradores das grandes metrópoles. Só em São Paulo, esse tipo de poluição é responsável pela morte de 4 mil pessoas por ano e também responde por milhares de internações graças a um ar cada vez mais carregado de partículas comprometedoras à saúde humana.
Neste período do ano muita gente sofre bastante com a piora na qualidade do ar. A dificuldade na dispersão dos poluentes afeta crianças e idosos em maior número, mas outras faixas etárias também são impactadas.
O maior responsável nas grandes cidades, claro, é o nefasto escapamento dos carros a soltar seus gases poluentes para serem consumidos livremente por nossos pulmões. E, por mais que muitos resistam à ideia de limitar o número de veículos a circular pela cidade dando prioridade ao transporte público, mas sim investir e implantar tecnologias menos poluentes, a realidade se mostra mais forte. É verdade que um carro deste século XXI polui muito menos que um veículo dos anos 70 do século passado, nem por isso respiramos um ar melhor. Simplesmente porque existem mais carros hoje do que no passado.
Situação piora sem solução no horizonte
Na semana passada foram divulgadas novas informações que comprometem ainda mais a saúde dos paulistas. A poluição por ozônio bateu um novo recorde na Região Metropolitana de São Paulo chegando ao pior nível em 10 anos. Para o professor Paulo Saldiva, coordenador do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, “o ozônio está fora de controle” (Estadão, 23/04). Segundo o pesquisador, a péssima qualidade dos nossos combustíveis, associado a poucas chuvas e temperaturas mais altas, criaram um ambiente propício à piora na qualidade do ar.
Chegará o dia, esperemos que não seja muito tarde, em que será preciso equilibrar o tal progresso baseado no aumento do lucro e nos ganhos imediatos com os reais interesses das pessoas e levando em conta os limites ambientais.  Afinal, o verdadeiro progresso não deve se basear meramente no aumento do poder de consumo, mas em elementos que possibilitem melhorar a qualidade de vida de vida de todos. Respirar um ar limpo, beber água pura e ter uma alimentação saudável devem preceder quaisquer fatores econômicos.

Algumas no cravo, outras na ferradura

Transporte individual e mobilidade urbana simplesmente não falam a mesma língua



carros
Foto: Agência Brasil
Os anúncios publicados em jornais e revistas exibem essas máquinas maravilhosas e redentoras. A cada duas ou três páginas desses magazines de consumo instantâneo lá estão elas a mostrar seus designsmodernos e suas cores vibrantes. Já na televisão, os automóveis assumem ares de verdadeiros deuses a transformar a paisagem e são capazes de elevar seu proprietário ao Olimpo da plena realização dos desejos.
Infelizmente repletos de fantasias, os veículos de transporte individual nos são apresentados como  pertencentes ao topo da cadeia alimentar do consumo e do status social. Ser possuidor de um carro, portanto, é um sinal inequívoco de sucesso. Nada mais, nada menos do que o ápice da existência humana.
Esse desserviço diário e cotidiano da publicidade, aliado aos interesses econômicos de curto prazo causam nas cabeças de nossos governantes, uma confusão mental esquizofrênica. Afinal, incentivar a instalação de novas montadoras de automóveis, aumentar a produção e, portanto os números absolutos de veículos circulando em nossas cidades, só pode fazer parte de algum plano de cientista maluco desses que a gente se acostumou a ver em filmes que elaboram peripécias mil para acabar com o mundo.
Não é preciso ser especialista no assunto para atestar a falta total de bom senso ao incentivar um tipo de consumo que está nos levando a uma completa imobilidade em nossos centros urbanos, sejam eles grandes ou pequenos. A redução no IPI dos automóveis promovida pelo Governo Federal e as desonerações fiscais promovidas por Prefeituras para trazer essas fábricas para suas cidades, são dois dos principais exemplos de medidas de caráter puramente econômico de curto prazo, com efeitos nefastos para a vida das pessoas.
O falso dilema da gestão pública
Diante desse cenário assistimos as tentativas de acomodação para situações que, neste momento, ocupam posições totalmente opostas: transporte individual e mobilidade urbana, simplesmente não falam a mesma língua.
Um exemplo recente noticiado pelo jornal Estado de São Paulo constatou, que um complexo viário em Osasco na Grande São Paulo construído pelo Governo do Estado tinha o objetivo de desafogar o trânsito em direção à capital. A obra custou R$ 233 milhões aos cofres públicos (5 viadutos, 14 kms de marginais e 6 kms de faixas adicionais) e a conclusão, o tráfego ainda piorou, pois a média diária na circulação aumentou de pouco mais de 21 mil veículos para 28 mil. Resultado final prático: dinheiro público desperdiçado e incentivo ao uso do automóvel.
Plano de metas e votos futuros
Realizar as mudanças necessárias e não ceder às críticas da minoria privilegiada é um enorme e necessário desafio. Afinal, estudos já apontaram que 28% da população na cidade de São Paulo fazem uso de carros para sua locomoção, enquanto 30% andam à pé e quase 40% se utilizam de transporte público (ônibus e metrô).
O prefeito paulistano, Fernando Haddad, anunciou com pompa algumas de suas ações de mobilidade para a capital paulista. Entre elas, a construção de 150 kms de corredores de ônibus e com espaços, nesses mesmos corredores, para ciclovias, além de, em alguns casos, a perda de espaço para os carros em locais onde serão implantadas as novas faixas exclusivas. Hoje em dia, 3,2 milhões de pessoas fazem uso diário dos corredores de ônibus em São Paulo
A Prefeitura acredita que o incentivo ao transporte público tornado mais rápido nesses corredores exclusivos irá desestimular o uso do automóvel particular. Ônibus mais velozes, redução da poluição (os novos serão movidos a biocombustível) e … possíveis protestos!!
Será preciso tempo para saber se a redução no espaço ocupado pelos automóveis e as queixas surgidas de setores poderosos e cidadãos conservadores, zelosos por seus privilégios, não irão convencer o prefeito Haddad do absurdo de uma proposta que democratize a mobilidade paulistana.
A região dormitório e a renovação das promessas
Qualquer decisão tomada em grandes metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte para tentar melhorar o transporte acabam por mexer fortemente com a vida de muitas pessoas. Nenhuma mudança será implantada com suavidade e ampla aceitação em cidades historicamente mal planejadas, pois quase sempre essas ações são remendos para solucionar questões e áreas pontuais e não aquelas que consigam atingir soluções mais amplas.
Exemplo disso é a Zona Leste de São Paulo, região que se adensou dramaticamente e hoje conta com mais de 4 milhões de habitantes (se fosse uma cidade estaria entre as maiores do Brasil). Uma região tipicamente dormitório, na qual uma fatia enorme desse enorme contingente populacional se desloca diariamente para as outras regiões da cidade, pois próximo de suas casas, simplesmente, não existem empregos. Por mais que se melhore o transporte, não será possível atender de maneira eficiente, segura e confortável o direito de ir e vir de todas essas pessoas.
Nossos prefeitos já entenderam, no papel é claro, que o segredo está em evitar que uma boa parte da população da Zona Leste precise sair da região. É preciso levar o emprego para perto de casa. Uma lei de incentivo para a instalação de empresas foi aprovada em 2004 (gestão Marta Suplicy), mas outras administrações passaram e até agora não surtiu muito efeito. O atual prefeito Fernando Haddad prometeu ampliar os benefícios com isenções fiscais de 20 anos para empresas que atuem em áreas como informática, telemarketing e telecentro. Será que agora vai?
Cidades mais sustentáveis e com mais qualidade de vida
Os prefeitos, das milhares de cidades brasileiras que assumiram novos mandatos no começo do ano, têm o grande desafio de reverter o quadro de deterioração das condições de mobilidade pública generalizada em todo o país.
Será preciso, talvez, uma boa interlocução com o Governo Federal que, ao tentar resolver os problemas econômicos de curto prazo incentivando a compra de automóveis, joga no colo dos prefeitos, verdadeiras bombas para serem administradas. Uma simples e nefasta transferência de problema.
As cidades não merecem ser desfiguradas para atender essa demanda insana. Definitivamente é preciso entender que o transporte individual nunca será solução, mas apenas o agravamento dos problemas de locomoção das pessoas.
Em primeiro lugar é preciso entender que a cidade pertence às pessoas e não aos carros. Trabalhar, portanto, pela melhoria e ampliação do transporte público, criação de ciclovias, recuperação de calçadas e adotar medidas que contribuam para a redução dos deslocamentos são algumas das medidas possíveis e prioritárias de qualquer gestão municipal seja ela de uma metrópole como de uma pequena cidade.