por Reinaldo Canto*
Sempre perguntei a pessoas próximas, afinadas com o tema, se não seria possível falar na adoção de critérios de sustentabilidade com argumentos puramente comerciais. Significaria usar a linguagem do lucro, dos ganhos financeiros, com os quais todos – sejam eles comerciantes, produtores ou empresários – se entendem muito bem e, invariavelmente, buscam nos seus negócios.
Todos nós sabemos, ou deveríamos saber, que o desenvolvimento sustentável é o único caminho possível diante do vertiginoso e crescente esgotamento dos recursos do planeta. Nesse sentido, já não são poucas as empresas que adotaram critérios de sustentabilidade em suas atividades. Muitas representam, inclusive, fortes exemplos reconhecidos pelo mercado. Parte desse reconhecimento acaba por se registrar na valorização de suas ações em índices como o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial, da Bovespa) e o Dow Jones Sustainability (da principal bolsa norte-americana), cujo desempenho das empresas ali presentes é superior ao das integrantes do pregão normal.
Ouvimos quase todos os dias que determinada empresa tem feito esforços para reduzir o seu consumo de água, energia e insumos. Outras investem no uso de energia limpa, trocam embalagens, aderem as práticas do comércio justo, apoiam o trabalho de comunidades, aplicam a logística reversa e o tratamento de resíduos, etc, etc, etc. São muitas e fundamentais iniciativas. Mas, normalmente quando vem a público, o comunicado dessas empresas, vem acompanhado de números que dão conta do enorme benefício que as medidas adotadas passaram a representar para a sociedade e para o meio ambiente e não para os negócios. Nas entrelinhas fica a mensagem de altruísmo empresarial desconectado de um benefício comercial direto.
Ora bolas, isso contraria até mesmo a lógica do mercado. A realidade nos mostra que empresários querem bons resultados para os seus negócios em primeiro lugar. Mas quando a questão é falar de ações para a sustentabilidade parece que a visão hegemônica parte do princípio que são coisas diferentes. Qual o problema de ser bom para todos, inclusive para a própria empresa?
Para o processo de disseminação do conceito de sustentabilidade, tal postura significa um grande obstáculo. Muitas organizações empresariais poderão raciocinar que, antes de partir para as “boas ações” sustentáveis, é preciso resolver outros problemas “mais importantes”.
Uma visão errada e distorcida da realidade. Sustentabilidade deve ser entendida como algo muito positivo e, principalmente, para o futuro da atividade empresarial.
Ao se alterar processos de produção e, por exemplo, conseguir uma relevante economia de água, o melhor seria dizer o seguinte: economizamos X de água, portanto, nossa conta todo mês será de menos Y e por aí vai. Graças à certificação ambiental tal, melhoramos nossos processos, ganhamos mercado e nosso faturamento aumentou tantos por cento. Uma conta matemática simples de compreender, fácil de transmitir para um pequeno, médio ou grande empresário e muito útil para a causa da sustentabilidade. Uma boa ação para o planeta, para as pessoas e também para os negócios. Por que não?
Daterra: exemplo de bom negócio em todos os quesitos
Na semana passada visitei a fazenda Daterra, em Patrocínio, Minas Gerais, a segunda maior produtora de café do Brasil e o que vi e ouvi foi exatamente a conjunção de fatores que faz brilhar os olhos de qualquer empresário: qualidade, sustentabilidade e lucratividade.
“Se não for sustentável no lucro, consequentemente não será sustentável também para o planeta e o meio ambiente. A palavra sustentável prevê o conceito do tripple bottom line, os três lucros que são o ambiental, o social e o econômico. Portanto, nada que não dê lucro é sustentável”. Palavras do proprietário da fazenda, Luis Norberto Paschoal.
Ele ainda vai mais além na análise tendo como base a sua atividade, “O plantio do café demora sete ou oito anos para dar lucro. Nas empresas não é igual? Não é possível implantar a sustentabilidade e ganhar imediatamente. Mas depois de um período de investimento, os resultados aparecem”.
Em resumo, hoje, ser sustentável é sim um fator de lucro para a Daterra! E, ao conjugar lucratividade e sustentabilidade, Paschoal serve de exemplo para qualquer empresário. Em 2003, a Daterra foi a primeira fazenda de café a receber o certificado da Rainforest Alliance, que observa uma série de rigorosos critérios sociais e ambientais, mas sem descuidar da viabilidade do negócio. Mais tarde, outras certificações vieram e com elas novos clientes fiéis, exigentes e dispostos a pagar um pouco mais. Hoje o café Daterra é um produto com grande valor agregado, vendas consolidadas para o exterior e um futuro cada vez mais promissor.
Das resistências iniciais a exemplo de competência, os proprietários vizinhos da Daterra começaram a reconhecer os resultados do concorrente, muito superiores aos deles, e também passaram a se adequar à nova realidade e buscar certificações que lhes trouxessem ganhos associados ao aumento da qualidade e uma produção mais sustentável.
Mauricio Voivodic, secretário-executivo do Imaflora, o parceiro brasileiro da Rainforest Alliance na certificação da Daterra, explica que o fenômeno não se restringe aos produtores de café de Minas Gerais. “As empresas que estão investindo em sustentabilidade são as que estão tendo ganhos de produtividade, de qualidade e aumentando sua parcela no mercado. Porque sustentabilidade trata também de relacionamentos mais duradouros, numa boa relação com seus fornecedores, clientes e trabalhadores. Tudo isso acaba por resultar em benefício econômico. É fundamental enxergar isso, principalmente nas séries históricas de longo prazo.”
As mudanças no campo e o Código Florestal
Mudar nem sempre é muito fácil e requer avaliar as questões culturais e comportamentais. Exemplos de negócios sustentáveis e lucrativos causam um efeito fantástico nos mercados em que estão inseridos. Mas não podemos também deixar de constatar que parte dessas mudanças virão, mais dia menos dia, por um outro caminho que não requer muita discussão ou debate: a sobrevivência.
Para a presidente da Rainforest Alliance, Tensie Whelan, é preciso levar em conta os fortes sinais de mudanças que vêm do campo. “Nos últimos três a cinco anos, os agricultores tiveram muitos problemas com os recursos naturais. Falta de água, esgotamento do solo e aumento da contaminação e perceberam que é preciso investir em sustentabilidade para garantir a própria sobrevivência ”, afirma Whelan.
Sinais tão claros e óbvios que deveriam repercutir mais facilmente nas discussões do Código Florestal. Para Luis Paschoal, o proprietário da fazenda Daterra, caso o novo projeto do Código Florestal seja aprovado, “será um desastre para o Brasil”. Ele explica, “não sou xiita, mas conversei com pessoas do setor. Nós aqui no Daterra, somos três vezes mais duros do que o Código atual. Essa votação absolutamente ignorante,vai comprometer o futuro do Brasil”.
A convicção de Paschoal em relação ao Código ainda não ecoa com a mesma força que o exemplo de desenvolvimento sustentável da Daterra. Francisco Sergio de Assis, presidente da Federação dos Cafeicultores do Cerrado e vizinho da Daterra, apoia com entusiasmo o projeto do Código Florestal aprovado até aqui pela Câmara dos Deputados.
Razões à parte, o caminho para o desenvolvimento sustentável, ainda está repleto de obstáculos e espinhos. Os argumentos, além dos problemas ambientais cada vez mais graves e persistentes, ainda não parecem ser suficientes para fazer com que as obviedades sejam enxergadas como tal. Até lá, resta-nos permanecer firmes no debate e mostrar aos empresários que ser sustentável, antes de ser bondade é questão de inteligência. Porque quando a sobrevivência restar como principal enfoque, muitas coisas boas já estarão irremediavelmente perdidas.
* Reinaldo Canto é jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de Comunicação do Greenpeace e coordenador de Comunicação do Instituto Akatu. É colunista da revista Carta Capital e colaborador da Envolverde.
Artigo publicado originalmente na coluna do autor, Cidadania & Sustentabilidade, no site da revista Carta Capital. http://www.cartacapital.com.br/sociedade/por-que-nao-sustentavel-e-lucrativo
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(Carta Capital/Envolverde)
15 junho 2011
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