Um novo olhar para a Amazônia brasileira aponta caminhos de desenvolvimento e de inserção definitiva da região aos interesses estratégicos do país
Por Reinaldo Canto
Debatida em verso e prosa ao longo do século passado, e quase sempre negligenciada, hostilizada e até ignorada pela maioria dos brasileiros, a Amazônia, já foi vista muito mais como um problema do que como um inestimável patrimônio. Ironia das ironias, a maior floresta tropical do mundo responsável por 50% da biodiversidade e da biomassa florestal do planeta; pela maior diversidade cultural e étnica do mundo; por suas extraordinárias reservas de água doce, além de incontáveis depósitos de minérios ainda inexplorados em seu solo, sobreviveu às duras penas debaixo de uma espada pronta para subjugá-la, vencê-la, enfim destruí-la!
Felizmente, os últimos anos trouxeram novidades alvissareiras e agora é possível vislumbrar um futuro, talvez um outro destino, quem sabe menos trágico para esse imenso território que ocupa mais da metade do nosso país.
As boas notícias acompanhadas de muita cautela foram discutidas durante a realização do seminário Diálogos Capitais: A Amazônia do Século XXI, realizado na última sexta-feira, 10/12, no Reserva Cultural, em São Paulo. O evento organizado pela Carta Capital e pela Envolverde, responsável pela publicação da edição especial Carta Verde, contou com a participação de representantes de empresas e organizações com forte presença e atuação na Amazônia brasileira.
No mesmo dia, em que foi realizado o evento, o Imazon – Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia – divulgou os números do desmatamento da Amazônia em outubro: 153 quilômetros quadrados (km²), registrados pelo Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD).
O ritmo de derrubada foi 21% menor em comparação ao registrado em outubro do ano passado mantendo-se a tendência de queda dos últimos meses.
Mesmo ainda sem conhecer os novos números do desmatamento, o conferencista do seminário Beto Veríssimo, pesquisador sênior do Imazon – classificou o atual estágio de ocupação da Amazônia de positiva e complexa. Para Veríssimo, se antes ela se baseava no desmatamento e na ocupação via pecuária e agricultura com grande investimento público a favor da derrubada da floresta, hoje uma confluência de fatores como o aumento considerável das informações disponíveis sobre a região; a ação fiscalizadora do estado; o ainda incipiente ordenamento territorial e as medidas de restrição as atividades econômicas responsáveis pela destruição da floresta, entre outros, resultaram numa redução drástica do desmatamento nos últimos dois anos (2008/2010). “Hoje, com as tecnologias disponíveis, é possível monitorar 5 milhões de km² com um efetivo de apenas 4 pessoas”, destacou Veríssimo.
Segundo o pesquisador do Imazon, a sociedade brasileira hoje está melhor informada sobre a realidade amazônica e também sobre os efeitos das mudanças climáticas. “Floresta em pé é a melhor maneira de não aumentar as emissões dos gases de efeito estufa”, e completou, “todo o setor de transporte não emite tanto quanto as queimadas no país”.
O amadurecimento das organizações representativas da sociedade civil que atuam na Amazônia foi outro ponto destacado por Veríssimo. Ele citou o enorme impacto que teve o acordo do Greenpeace com as grandes cadeias varejistas de supermercados para rastrear a origem da carne consumida em suas lojas. Essa é uma ação que vem obtendo bons resultados e deve servir de exemplo, pois une as organizações da sociedade civil, o setor privado e o público na defesa do bioma amazônico.
A atuação do setor privado foi também mencionado pelo palestrante do Imazon. Para ele, felizmente, a realidade de exploração da floresta pelas empresas é muito diferente da que se via nos anos 70 quando se dava de maneira totalmente predatória. Hoje uma parte significativa do empresariado possui uma preocupação com os impactos sociais, ambientais e culturais causados por suas atividades.
As empresas que atuam diretamente na Amazônia, portanto, tem um papel fundamental na construção dessa nova maneira de viver e conviver com a floresta. Um dos debatedores do Diálogos Capitais, o diretor de assuntos institucionais da Alcoa Alumínio, Nemércio Nogueira, foi enfático ao relatar a ausência do poder público em muitas localidades amazônicas. Segundo ele, o município de Juruti fundado há 128 anos, no estado do Pará, apenas em 2006 recebeu, pela primeira vez, a visita de um governador, aliás, governadora, Ana Julia Carepa. “E isso só ocorreu, pois ela foi especialmente para a inauguração da mina de bauxita da Alcoa”, lembrou Nemércio. Nas palavras do diretor da Alcoa, a busca pelo apoio da comunidade mesmo sem o apoio do estado e, “também sem um manual de medidas sustentáveis, inexistente em 2005 quando ali chegamos”, tem sido um trabalho constante da empresa. “Já fizemos audiências públicas com a presença de 8 mil pessoas”, diz Nemércio, numa demonstração da nova mentalidade que setores da iniciativa privada tentam implementar em comunidades carentes, e que atuem como, “uma alavanca ao desenvolvimento e não servindo como muleta”, por meio de ações sociais e ambientais com a maciça participação da população local.
A ausência dos serviços básicos é um dos muitos exemplos das carências de proporções amazônicas, com o perdão do trocadilho, que boa parte dos 24 milhões de moradores da região enfrenta em seu cotidiano e um dos principais desafios para os próximos anos: o de oferecer condições dignas de vida para todos os seus habitantes. Para os participantes do encontro, o morador da Amazônia precisa enxergar a floresta como algo de valor e não como inimiga. E essa não é uma tarefa fácil. O legado de violência, de concentração e pouca distribuição da riqueza são entraves para que uma nova visão de Amazônia se instale definitivamente no seio da população local.
Nas palavras de Mirela Sandrini, gerente de gestão do Fundo Vale, é preciso conciliar crescimento econômico, qualidade de vida e conservação dos recursos naturais. O Fundo trabalha com projetos estruturantes de maneira a replicar modelos bem sucedidos que busquem, por exemplo, as boas práticas agropecuárias e o manejo florestal ao mesmo tempo que contribuam para o fortalecimento social das comunidades. “É preciso desenvolver cadeias produtivas fazendo com que os produtos da floresta possuam valor agregado e as suas rendas revertidas em benefício das comunidades”.
Adriana Ramos, coordenadora para a Amazônia do ISA – Instituto Socioambiental – ONG com atuação destacada na região, acredita que a vocação natural seja mesmo o manejo florestal e não a agropecuária. “Não queremos que a Amazônia seja intocada, mas de uso diferenciado”. Ela acredita que o olhar do país está voltado para a agricultura, quando deveria mirar o regime de chuvas da Amazônia que abastece o Sudeste. Esse, entre vários benefícios de regulação do clima proporcionados pela floresta para o resto do país. Adriana também vê como muito positivo o aumento substancial das áreas protegidas nos últimos 20 anos (de 8% em 1990 para 44% em 2010). “O caminho é a sustentabilidade dos territórios indígenas e das Unidades de Conservação”.
As áreas demarcadas e protegidas por lei devem contribuir para que seja alcançada a meta estabelecida no governo Lula de redução do desmatamento em 80% até 2.020, tendo em vista que já houve uma drástica queda no desmatamento no período que compreende os anos de 2008 a 2010, mas Veríssimo do Imazon fez questão de lembrar que isso representa ainda mais de 3 mil km² .
“Para reduzir o desmatamento é preciso transforma-lo em uma atividade cara, ao mesmo tempo, fazer a economia de baixo carbono ser competitiva, o que não acontece hoje”. Segundo dados do Imazon, as atividades ligadas ao desmatamento rendem o dobro daquelas consideradas sustentáveis.
As boas notícias estão surgindo, mas possuem ainda um alcance limitado diante dos grandes desafios para que a floresta não sucumba a exploração predatória. Para isso é preciso que todos se unam, governos, empresas, terceiro setor e comunidades locais em torno de um planejamento estratégico com a definição de políticas de grande alcance que busquem um marco regulatório, o ordenamento territorial, a melhoria da qualidade de vida da população e a reformulação de leis que atendam as necessidades e complexidades da região.
O moderador do debate e diretor da Envolverde, Dal Marcondes mencionou a lei de patentes brasileira que precisa sofrer urgentes mudanças , “como está ela facilita a saída da biodiversidade do país”. Marcondes ressaltou que as empresas enfrentam uma “maratona cartorial” para obter as licenças legais para uso dos insumos.
Ao final do Diálogos Capitais ficou uma certeza: a Amazônia é muito mais que uma solução, ela representa parte vital do futuro do país. Se caiu em desuso a expressão “pulmão verde” para definir a floresta, talvez melhor seria chama-la de “coração do Brasil”. O diretor da Envolverde foi enfático ao afirmar que sem a Amazônia o Brasil seria um país comum como tantos outros e sem importância e relevância no cenário internacional. Ele conclamou as pessoas, mas especialmente os jornalistas a falar mais e divulgar o tema Amazônia. “A informação é um dos melhores caminhos para que a sociedade brasileira conheça, entenda e preocupe-se com esse território tão importante e mesmo assim ainda tão desconhecido”. E é esse desconhecimento que preocupa. Deixar nossa Amazônia à mercê de ganâncias e ignorâncias alheias pode resultar no enfarte desse coração verde cujas consequências para todos nós é melhor nem imaginar.
21 dezembro 2010
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