O assédio na América Latina e a reação das brasileiras
Pesquisa revela que uma em cada quatro latino-americanas e uma a cada cinco brasileiras já vivenciou episódios de violência
Por Reinaldo Canto*
Resultado melhor entre brasileiras pode estar ligado ao sentimento de que direitos são mais respeitados no País
A América Latina é conhecida por seu machismo tacanho, atos de violência e assédio em todos os países da região. Ao menos uma em cada três latino-americanas e uma em cada quatro brasileiras passaram por alguma situação de assédio. Quando o assunto se refere a episódios de violência, o registro atinge uma em cada quatro latino-americanas e uma a cada cinco brasileiras.
Esses são alguns dos resultados divulgados na pesquisa Mulheres: Percepção de direitos e exposição à violência, estudo realizado pelo instituto de pesquisa Market Analysis, especializado em sustentabilidade.
“Essa menor incidência de ambos os problemas no Brasil com relação aos outros países da região pode indicar o efeito positivo da legislação avançada de proteção às vítimas de violência no País”, conclui Débora Pinheiro da Silva Montibeler, analista sênior da empresa de pesquisa.
Segundo a conclusão da analista, leis como a Maria da Penha podem representar um diferencial em relação à percepção de respeito aos direitos femininos no Brasil um pouco maior até do que em sociedades como as do Chile e da Argentina com níveis de desenvolvimento social superior ao nosso. Mas também deixa um alerta quanto a essas conclusões: “elas também podem estar sinalizando alguma dificuldade de admitir ter passado por essas experiências”, afirma Débora.
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Essa dúvida surge quando se faz o cruzamento com o WPS Index, índice que mede o empoderamento e o bem estar feminino em 153 países e faz parte do Georgetown Institute for Women, Peace and Security.
A medição tem como base 11 indicadores relacionados a três grandes aspectos: o nível de inclusão econômica, social e política; o grau de equidade e não discriminação legal e informal e segurança, relacionada à violência de gênero no cotidiano das mulheres (em suas famílias, comunidades e na sociedade).
“Ao cruzar o posicionamento dos países no índice WPS com a percepção das mulheres nas sociedades latino-americanas percebemos que as brasileiras, curiosamente, consideram ou percebem sua situação de forma melhor do que as condições de empoderamento medidas pelo WPS permitiriam predizer”, conclui Fabián Echegaray, diretor geral da Market Analysis.
No índice WPS, que vai de 0 a 1 - quanto mais baixo menor é o bem estar das mulheres - o Brasil registra 0,677, enquanto o do Peru, por exemplo, é de 0,693. Já na pesquisa Mulheres: Percepção de direitos e exposição à violência, 51% das mulheres brasileiras responderam que sentem que seus direitos são respeitados, enquanto a das peruanas está situado em apenas 22%. Conclusões divergentes, portanto, sem que se desqualifique qualquer dos levantamentos.
E, Independentemente de alguma dificuldade em decifrar os números, todos os estudos deixam evidentes mudanças na maneira como as mulheres se reagem diante dessas agressões. Mais importante: já não é algo que seja visto por elas como natural.
“Claramente as mulheres estão encarando as situações de violência de gênero e assédio sexual com outro repertório, deixando para trás a negação ou omissão diante dos fatos e passando a admitir e perceber abertamente essas questões como problemas” explica a analista da Market Analysis, Débora Montibeler.
Mas obviamente ainda estamos longe de observar uma realidade como a encontrada um pouco mais para cima no continente americano. Segundo o WPS, na América do Norte não latina (entenda-se aí como sendo referência a Canadá e EUA, excluindo-se o México) a grande maioria das mulheres entrevistadas (84%) afirma ter seus direitos respeitados, enquanto que, na América Latina, esse número na média é muito menor (36%).
As vítimas de sempre
Talvez o ponto de maior convergência de todos esses estudos e que pode ser aplicado a qualquer país de nosso subcontinente é o perfil das vítimas que sofrem assédios e violências com maior frequência: são jovens e trabalhadoras de baixa renda que enfrentam esses problemas em múltiplos ambientes em que estão expostas em seu cotidiano, ou seja, estudo, trabalho, família e comunidade.
Na realidade, a mesma tecla da desigualdade que se aplica a tantos outros indicadores é, como sempre, fator decisivo para impedir que mais avanços possam ocorrer no nosso sofrido continente.
Garantir igualdade de gênero e de oportunidades para todos os cidadãos latino-americanos certamente contribuirá também para combater as mazelas que mulheres em situação de vulnerabilidade enfrentam diariamente.
*Publicado originalmente no site da Carta Capital