27 março 2018

Fórum Mundial da Água: o necessário cuidado global pela água


Por Reinaldo Canto de Brasília, especial para a Envolverde – 
 Encerramento faz apelos por maior engajamento e revela boas intenções para o futuro
Após uma semana com mais de 300 mesas de discussões e debates; exposições, manifestações e a participação de quase 100 mil pessoas, o Fórum Mundial da Água se despede do Brasil rumo ao Senegal-2021.
O que ficou patente nesta edição do Fórum foi que o caminho rumo à segurança hídrica para todos na Terra ainda é um sonho distante.
Um documento assinado pelos mais de 100 países, cujo título já revela a dimensão do problema: “Chamamento urgente para uma ação decisiva sobre a água”. Ele faz um apelo de urgência para que as nações tomem medidas mais concretas para enfrentar questões como o do fornecimento de água e da universalização do saneamento básico.
A necessidade aumentar os esforços para enfrentar as mudanças climáticas e alcançar o que prevê os ODSs – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, entre eles, o acesso universal à água de boa qualidade para todos.
Fortalecer políticas e planos nacionais de gestão dos recursos hídricos; restaurar os ecossistemas que contribuem para o fornecimento de água e uma participação efetiva das empresas privadas para buscarem cada vez mais a sustentabilidade no uso da  água em conformidade com os planos nacionais existentes. A transferência voluntária de tecnologias, bem como, o estabelecimento de financiamentos que contribuam para a eficiência no uso dos recursos e seu tratamento; capacitação profissional e o investimento em educação foram outros pontos levantados pelas delegações oficiais.
Bons acordos nacionais
O Fórum foi palco para o anúncio da criação de dois novos mosaicos de UCs – Unidades de Conservação marinhas. São monumentos naturais e áreas de proteção ambiental de Trindade e Martim Vaz, no Espírito Santo e dos arquipélagos de São Pedro e São Paulo, em Pernambuco. O Brasil passa de 1,5% para 25% de áreas marítimas acrescentando 92 milhões de hectares em áreas protegidas.
Um acordo internacional assinado por Brasil, Bolívia e Paraguai também trás boas notícias. Os três países assinaram uma declaração de interesse para a proteção do Pantanal. Uma das mais importantes áreas do mundo e também a mais extensa.
Esperemos que o fórum em Dakar, na África cujo tema base será “Segurança Hídrica” consiga avançar mais rumo a esse objetivo. (#Envolverde)

ONU aponta que soluções para a gestão da água estão na natureza


Por Reinaldo Canto de Brasília especial para a Envolverde e Carta Capital – 
Durante o Fórum Mundial da Água Nações Unidas divulgamo Relatório sobre situação dos Recursos Hídricos no planeta
Os problemas da escassez de água no mundo podem e devem contar com a natureza para resolve-los. Essa é a conclusão do Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2018 divulgado nesta tarde de segunda, 19/03, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília.
O documento afirma que a crescente demanda mundial por água, seja por aumento populacional, seja pelo desenvolvimento econômico ou mudanças no padrão de consumo exigem ações urgentes, principalmente no que se refere à recuperação e preservação dos ecossistemas.
Muitos países já tem enfrentado situações críticas de escassez hídrica e o problema tende a se intensificar. Atualmente a demanda mundial está em torno de 4.600 km cúbicos por ano e a ONU calcula que esse consumo irá aumentar de 20% a 30%, atingindo um volume entre 5.500 e 6 mil quilômetros cúbicos até 2050. Na produção agrícola e energética (alimentos e eletricidade majoritariamente) o crescimento deverá ser ainda maior entre 60% e 80%, respectivamente, já em 2025.
O consumo doméstico é estimado em aproximadamente 10% do total explorado na captação de água do mundo e deve aumentar significativamente no período 2010-2050. Para se ter ideia do tamanho do problema, na década de 2010, 1,9 bilhão de pessoas (ou 27% da população mundial) viviam em áreas com grande potencial de escassez. Se forem consideradas as variações mensais, esse número atinge 3,6 bilhões de pessoas em que ao menos em um mês do ano enfrenta o problema da falta de água.
E as ameaças são crescentes, segundo o relatório das Nações Unidas, desde a década de 1990, a poluição hídrica piorou dramaticamente em quase todos os rios da África, Ásia e América Latina, comprometendo todos os níveis de análise da saúde humana ao desenvolvimento sustentável. A estimativa apontada pelo estudo da ONU é de que 80% de águas utilizadas em processos industriais são despejadas no meio ambiente sem tratamento.
O que é mais importante no relatório é o caminho a ser enfrentado para esses e outros problemas relativos ao insumo básico da vida no planeta, a própria natureza. Simples assim!
Para termos água limpa e de boa qualidade precisamos incrementar as iniciativas na gestão dos recursos naturais, ou seja, florestas, solo, mangues, pântanos, rios e lagos. Tanto no que se refere à preservação quanto a recuperação ambiental.
Para coordenador e diretor do Programa Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos (WWAP, na sigla em inglês) da UNESCO, Stefan Uhlenbrook, “os ecossistemas precisam estar bem para serem eficazes e fazer frente ao aumento na demanda por água”.
“Existem soluções naturais como a conservação de florestas e para isso é importante uma aliança de consumidores, comunidades, setor privado e público para trabalhar a conservação da água”, explica Grethel Aguilar, diretora regional da IUCN para América Central e Caribe (International Union for the Conservation of Nature, em inglês). Afirmação que vai ao encontro da proposta do próprio fórum, ou seja, “compartilhando água”.
Virigílio Viana, superintendente geral da FAS – Fundação Amazonas Sustentável  – “o relatório apresenta a gravidade do problema entre os crescentes consumos e a importância dos ecossistemas como fonte de água, como o prestado pelos rios voadores”. Para Virgílio, o mais importante desse relatório foi apontar a “magnitude e a urgência de ação como no caso do saneamento no Brasil”.
Para organizações que trabalham com recuperação e conservação ambiental, os resultados do relatório soam como música. Roberto Resende, presidente da Iniciativa Verde, que trabalha com recomposição florestal , “temos trabalhado nessa direção, de que a recuperação e a conservação da vegetação junto com o bom manejo do solo ajudam a preservar a qualidade da água, a manutenção de sua oferta e a diminuição dos eventos extremos com secas e cheias. Entendemos que a recuperação das matas ciliares, a promoção dos sistemas agroflorestais e saneamento com tecnologias sociais são algumas contribuições nesse sentido”.
Soluções óbvias para problemas complexos. De certa maneira a natureza sempre apontou e tem apontado os caminhos melhores a serem trilhados. A falta de visão humana tem impedido essa constatação ululante. (#Envolverde)

23 março 2018

Rio Doce, um desastre anunciado e inovação na recuperação


Por Reinado Canto, enviado especial da Envolverde ao 8 Fórum Mundial da Água –
No dia 5 de novembro de 2015 a bacia do Rio Doce entrou para a história como vítima do maior desastre ambiental envolvendo a mineração no Brasil
Quando a barragem de Fundão se rompeu, 62 milhões de toneladas de rejeitos minerais da empresa Samarco em Mariana escorreram sobre a vida de milhares de pessoas nos distritos da cidade histórica, ceifando as vidas de 19 pessoas e causando o maior desastre ambiental do país, levando sua lâmina vermelha até o Oceano Atlântico, com ameaça aos mais delicados ecossistemas marinhos.
Entre as muitas medidas acordadas para penalizar, responsabilizar e exigir recuperações e mitigações socioambientais foi criada a Fundação Renova em agosto de 2016.
Para presidi-la foi chamado um profissional conhecido nos meios ambientais, o biólogo e administrador Roberto Waack, já havia passado por organizações como WWF, Instituto Ethos e Fundo Brasileiro para a Biodiversidade, entre outros.

A missão não parecia nada fácil, mas Waack aceitou o desafio e neste um ano e meio já fez com que a Renova investisse em ações sociais e ambientais a quantia de R$ 3,2 bilhões.
A Fundação Renova participa do 8º Fórum Mundial da Água para contar um pouco de sua história e dessa complexa e difícil tarefa de minimizar os prejuízos causados pelo desastre.
Desde o início de nossa conversa Roberto Waack já avisa, a Fundação faz parte do acordo de ajustamento de conduta e, portanto, não responde pela Samarco, muito pelo contrário: “a Samarco responde criminalmente e isso não é algo que diga respeito à Renova”. O presidente da fundação refere-se ao termo que coloca a fundação como: “ente responsável pela criação, gestão e execução das ações de reparação e compensação das áreas e comunidades atingidas pelo rompimento da barragem do Fundão”, conforme detalhado no seu site institucional.
Waack conta que os desafios da fundação tem sido muito grandes: “a parte técnica e operacional, por exemplo, enfrentam questões nunca antes vivenciadas, como deixar ou não os sedimentos no leito do rio. Existem técnicos que consideram melhor a retirada do material e outros afirmam o contrário”.
Ele diz que esse não é o mais difícil de toda a enorme complexidade socioambiental da Renova, mas sim a governança: “temos mais de 240 pessoas envolvidas em 11 câmaras técnicas”, além é claro de muitas reuniões com as comunidades afetadas. “O modelo participativo é mais demorado, mas sem dúvida alcançam melhores resultados”.
Tanto que do conselho gestor da fundação chamado de interfederativo participam representantes de órgãos ambientais dos três níveis federativos (federal, estaduais e municipais), além do Ministério Público. Waack destaca que, “com certeza, é um dos maiores programas de monitoramento já montados no país”.
Roberto Waack acredita que alguns importantes avanços foram conseguidos durante esse ano e meio de atuação da Renova, mas sem a ilusão de que se possa festejar qualquer conquista. Mesmo que as ações de reparação já tenham recebido aportes de R$ 3,4 bilhões distribuídos em 42 programas e projetos, que vão da restauração ambiental com plantio de milhares de hectares, a recuperação de nascentes, a manutenção da qualidade da água na bacia do Rio Doce, a retomada da atividade econômica dos municípios afetados e o reassentamento e indenizações de pessoas, entre outros, as dimensões do desastre não permitem comemorações.
Para o presidente da Fundação Renova algumas frentes avançaram melhor que outras. Caso do monitoramento da qualidade do Rio Doce, “nos níveis que eram antes do desastre, inclusive com relação a sua turbidez” e lembra que a situação não podia ser considerada boa antes do rompimento da barragem, “80% dos esgotos das cidades já eram despejados diretamente no rio”.
O que o executivo considera que avançou pouco foi a questão do reassentamento das famílias e parte das indenizações, “houve contaminação nas discussões, ódio da fundação, o que considero bastante justificável diante das perdas que essas famílias sofreram”. Mas Waack espera que a questão das indenizações esteja resolvida até o meio do ano.
De qualquer maneira ele considera que o começo foi mais difícil não foi fácil para as pessoas entenderem que a Renova não é a Samarco e a Samarco não é a Renova. “Quando começamos assumimos um grande passivo de comunicação, obviamente não havia como achar algo bom. Eu entendo perfeitamente às reações da sociedade e da mídia”. Ele só se ressente das muitas acusações e cobranças aos funcionários e gerentes da Samarco, “acho que não é justo com as pessoas que se envolveram, entraram no meio da lama para tentar ajudar”.
E ao participar do Fórum Mundial da Água que tipo de mensagem a Renova deixa? “Esse formato da Fundação de ampla participação, onde a sociedade se organiza tem muito a oferecer. Acreditamos que esse formato seja único no mundo.”
Ele exemplifica: “caso houvesse algo como a Renova em Petrópolis e Teresópolis após os desmoronamentos ocorridos anos atrás, a história poderia ter sido outra”. Waack se refere   ao desvio de recursos, a precária situação em que as famílias ficaram e depois a repetição dos mesmos problemas.
Talvez, segundo o executivo, o modelo que está sendo testado para a recuperação do Rio Doce e no apoio e diálogo com a sociedade, de uma fundação para gerir os recursos e as ações, possa servir como modelo para esse tipo de ação.  (#Envolverde)

Trata Brasil quer tirar saneamento da invisibilidade no Norte e Nordeste


Por Reinaldo Canto especial de Brasília para a Envolverde – 
Lançado pelo Trata Brasil com apoio do Instituto Coca-Cola durante o 8º Fórum Mundial da Água, o estudo “Acesso à água nas regiões Norte e Nordeste do Brasil: desafios e perspectivas” foi coordenado por Alceu de Castro Galvão Júnior, engenheiro civil, mestre em saneamento e doutorado em Saúde Pública.
Durante oito meses Alceu e sua equipe buscaram informações nos planos estaduais, relatórios governamentais, em trabalhos acadêmicos e de organizações não governamentais. “Há uma carência enorme de dados. A base oficial que nós temos é o Censo do IBGE, de 2010” conta o engenheiro da Reinfra Consultoria.
Alceu considera que entre os principais objetivos do projeto estava o de tirar da invisibilidade as comunidades em zonas rurais e “colocar uma lupa” em modelos de gestão autossustentáveis como os dos Sistemas Integrados de Saneamento Rural de alguns estados nordestinos. Segundo ele, um bom exemplo é o executado pelo Sisar do Ceará, que atende a uma população superior a 500 mil habitantes.

O engenheiro conclui que a maior ocorrência de sucesso nesses projetos é quando a comunidade se apropria do serviço. "Isso gera um empoderamento, um sentimento de autopertencimento. Com isso, os índices de inadimplência são muito baixos e o resultado é uma sustentabilidade de longo prazo".

Quando os projetos ficam só na esfera do governo sem participação direta da sociedade local, de maneira geral, os estudos mostraram que em pouco tempo eles ficam sucateados."A população, por meio do pagamento de tarifas, consegue bancar custos com a operação".

Os modelos nordestinos são multicomunitários. Só o do Ceará, por exemplo, opera em mais de 1.400 comunidades". O número de beneficiados por esses sistemas nos quatro estados nordestinos mapeados é de pouco mais de 600 mil pessoas, pouco diante de uma população rural muito maior. Alceu acredita no crescimento dessas experiências, mas mesmo contando com o pagamento da tarifa, eles ainda precisam de apoios sejam eles governamentais ou como o do Sisar que recebe suporte da Fundação Avina e do Instituto Coca-Cola.

Para o pesquisador, o apoio de empresas que detém expertise na gestão de recursos hídricos, também pode ajudar a qualificar ainda mais a ação, por meio de tecnologias já testadas e com capacidade de escala.

Bancos internacionais também estão de olho nesses modelos de gestão como o Banco Mundial e o KfW, da Alemanha.

As boas perspectivas apontadas pelo documento não impedem que se levantem fortes críticas, as principais mostram a ausência de políticas públicas nas regiões beneficiadas. Realmente é preciso fazer muito em relação à água e saneamento no Norte e Nordeste. Segundo o censo de 2010, dos 1.794 municípios do Nordeste, 42,3% possuem mais de 50% de sua população vivendo nas áreas rurais, ou seja, em torno de 3.722.491 residências. Desses, em 2010, apenas 34,9% eram conectados à rede de água, enquanto 65,1% utilizavam outras formas de abastecimento como poços e cisternas.

No Norte, a situação é ainda pior. Nos domicílios rurais (963.156), 17,7% eram conectados à rede, enquanto 82,3% utilizavam outras formas de abastecimento.
Alceu de Castro conclui com uma realidade que causa perplexidade: “Conseguimos universalizar a telefonia, a energia elétrica, mas para que isso aconteça com o saneamento ainda vai demorar algumas décadas. É um setor institucionalmente complicado. Precisamos colocar o saneamento rural na agenda política. É uma mudança de paradigma muito complexa”. Pois é, muito chão pela frente que ainda conta com uma visão bastante míope de nossas autoridades. (#Envolverde)

Fórum Alternativo reforça visão da água como Direito Humano


Reinaldo Canto, de Brasilia, especial para a Envolverde –
“Água não é mercadoria, a água é do povo”, afirma documento do FAMA
Aproveitando o Dia Mundial da Água e a véspera do encerramento do evento oficial, o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), divulgou documento que reforça posição de luta comum e contra qualquer forma de privatização e de estabelecimento de propriedade privada da água.
Segundo a declaração final do fórum alternativo a água é um bem comum e, portanto, deve ser controlada e estar a serviço do povo, reforçando o lema do encontro que realizou centenas de ações e manifestações durante toda a semana em Brasília: “Água é direito, não mercadoria”.
36 entidades assinaram o documento.
Veja abaixo a íntegra da DECLARAÇÃO FINAL DO FÓRUM ALTERNATIVO MUNDIAL DAS ÁGUAS
Nós, construtores e construtoras do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), reunidos de 17 a 22 de março de 2018, em Brasília, declaramos para toda a sociedade o que acumulamos após muitos debates, intercâmbios, sessões culturais e depoimentos ao longo de vários meses de preparação e nestes últimos dias aqui reunidos. Somos mais de 7 mil trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do campo, das águas e das florestas, representantes de povos originários e comunidades tradicionais, articulados em 450 organizações nacionais e internacionais de todos os continentes. Somos movimentos populares, tradições religiosas e espiritualidades, organizações não governamentais, universidades, pesquisadores, ambientalistas, organizados em grupos, coletivos, redes, frentes, comitês, fóruns, institutos, articulações, sindicatos e conselhos.
Na grandeza dos povos, trocamos experiências de conhecimento, resistência e de luta. E estamos conscientes que a nossa produção é para garantir a vida e sua diversidade. Estamos aqui criando unidade e força popular para refletir e lutar juntos e juntas pela água e pela vida nas suas variadas dimensões. O que nos faz comum na relação com a natureza é garantir a vida. A nossa luta é a garantia da vida. É isso que nos diferencia dos projetos e das relações do capital expressos no Fórum das Corporações – Fórum Mundial da Água.
Também estamos aqui para denunciar a 8º edição do Fórum Mundial da Água (FMA), o Fórum das Corporações, evento organizado pelo chamado Conselho Mundial da Água, como um espaço de captura e roubo das nossas águas. O Fórum e o Conselho são vinculados às grandes corporações transnacionais e buscam atender exclusivamente a seus interesses, em detrimento dos povos e da natureza.
Nossas constatações sobre o momento histórico
O modo de produção capitalista, historicamente, concentra e centraliza riqueza e poder, a partir da ampliação de suas formas de acumulação, intensificação de seus mecanismos de exploração do trabalho e aprofundamento de seu domínio sobre a natureza, gerando a destruição dos modos de vida. Vivemos em um período de crise do capitalismo e de seu modelo político representado pela ideologia neoliberal, na qual se busca intensificar a transformação dos bens comuns em mercadoria, através de processos de privatização, precificação e financerização.
A persistência desse modelo tem aprofundado as desigualdades e a destruição da natureza, através dos planos de salvamento do capital nos momentos de aprofundamento da crise. Nesse cenário, as ações do capital são orientadas pela manutenção a qualquer custo das suas taxas de juros, lucro e renda.
Esse modelo impõe à América Latina e ao Caribe o papel de produtores de artigos primários e fornecedores de matéria prima, atividades econômicas intensivas em bens naturais e força de trabalho. Subordina a economia desses países a um papel dependente na economia mundial, sendo alvos prioritários dessa estratégia de ampliação da exploração a qualquer custo.
O Brasil, que sedia esta edição do FAMA, é exemplar nesse sentido. O golpe aplicado recentemente expõe a ação coordenada de corporações com setores do parlamento, da mídia e do judiciário para romper a ordem democrática e submeter o governo nacional a uma agenda que atenda seus interesses rapidamente. A mais dura medida orçamentária do mundo foi implantada em nosso país, onde o orçamento público está congelado por 20 anos, garantindo a drenagem de recursos públicos para o sistema financeiro e criando as bases para uma onda privatizante, incluindo aí a infraestrutura de armazenamento, distribuição e saneamento da água.
Quais são as estratégias das corporações para a água?
Identificamos que o objetivo das corporações é exercer o controle privado da água através da privatização, mercantilização e de sua titularização, tornando-a fonte de acumulação em escala mundial, gerando lucros para as transnacionais e ao sistema financeiro. Para isso, estão em curso diversas estratégias que vão desde o uso da violência direta até formas de captura corporativa de governos, parlamentos, judiciários, agências reguladoras e demais estruturas jurídico-institucionais para atuação em favor dos interesses do capital. Há também uma ofensiva ideológica articulada junto aos meios de comunicação, educação e propaganda que buscam criar hegemonia na sociedade contrária aos bens comuns e a favor de sua transformação em mercadoria.
O resultado desejado pelas corporações é a invasão, apropriação e o controle político e econômico dos territórios, das nascentes, rios e reservatórios, para atender os interesses do agronegócio, hidronegócio, indústria extrativa, mineração, especulação imobiliária e geração de energia hidroelétrica. O mercado de bebida e outros setores querem o controle dos aquíferos. As corporações querem também o controle de toda a indústria de abastecimento de água e esgotamento sanitário para impor seu modelo de mercado e gerar lucros ao sistema financeiro, transformando direito historicamente conquistado pelo povo em mercadoria. Querem ainda se apropriar de todos os mananciais do Brasil, América Latina e dos demais continentes para gerar valor e transferir riquezas de nossos territórios ao sistema financeiro, viabilizando o mercado mundial da água
Denunciamos as transnacionais Nestlé, Coca-Cola, Ambev, Suez, Veolia, Brookfield (BRK Ambiental), Dow AgroSciences, Monsanto, Bayer, Yara, os organismos financeiros multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, e ONGs ambientalistas de mercado, como The Nature Conservancy e Conservation International, entre outras que expressam o caráter do “Fórum das Corporações”. Denunciamos o crime cometido pela Samarco, Vale e BHP Billiton, que contaminou com sua lama tóxica o Rio Doce, assassinando uma bacia hidrográfica inteira, matando inúmeras pessoas, e até hoje seu crime segue impune. Denunciamos o recente crime praticado pela norueguesa Hydro Alunorte que despejou milhares de toneladas de resíduos da mineração através de canais clandestinos no coração da Amazônia e o assassinato do líder comunitário Sergio Almeida Nascimento que denunciava seus crimes. Exemplos como esses têm se reproduzido por todo o mundo.
Os povos têm sido as vítimas desse avanço do projeto das corporações. As mulheres, povos originários, povos e comunidades tradicionais, populações negras, migrantes e refugiados, agricultores familiares e camponeses e as comunidades periféricas urbanas têm sofrido diretamente os ataques do capital e as consequências sociais, ambientais e culturais de sua ação.
Nos territórios e locais onde houve e/ou existem planos de privatização, aprofundam-se as desigualdades, o racismo, a violência sexual e sobrecarga de trabalho para as mulheres, a criminalização, assassinatos, ameaças e perseguição a lideranças, demissões em massa, precarização do trabalho, retirada e violação de direitos, redução salarial, aumento da exploração, brutal restrição do acesso à água e serviços públicos, redução na qualidade dos serviços prestados à população, ausência de controle social, aumentos abusivos nas tarifas, corrupção, desmatamento, contaminação e envenenamento das águas, destruição das nascentes e rios e ataques violentos aos povos e seus territórios, em especial às populações que resistem às regras impostas pelo capital.
A dinâmica de acumulação capitalista se entrelaça com o sistema hetero-patriarcal, racista e colonial, controlando o trabalho das mulheres e ocultando intencionalmente seu papel nas esferas de reprodução e produção. Nesse momento de ofensiva conservadora, há o aprofundamento da divisão sexual do trabalho e do racismo, causando o aumento da pobreza e da precarização da vida das mulheres.
A violência contra as mulheres é uma ferramenta de controle sobre nossos corpos, nosso trabalho e nossa autonomia. Essa violência se intensifica com o avanço do capital, refletindo-se no aumento de assassinato de mulheres, da prostituição e da violência sexual. Tudo isso impossibilita as mulheres de viver com dignidade e prazer.
Para as diversas religiões e espiritualidades, todas essas injustiças em relação às águas e seus territórios, caracterizam uma dessacralização da água recebida como um dom vital, e dificultam as relações com o Transcendente como horizonte maior das nossas existências.
Destacamos que para os Povos Originários e Comunidades Tradicionais há uma relação interdependente com as águas, e tudo que as atinge, e que todos os ataques criminosos que sofre, repercutem diretamente na existência desses povos em seus corpos e mentes. Esses povos se afirmam como água, pois existe uma profunda unidade entre eles e os rios, os lagos, lagoas, nascentes, mananciais, aquíferos, poços, veredas, lençóis freáticos, igarapés, estuários, mares e oceanos como entidade única. Declaramos que as águas são seres sagrados. Todas as águas são uma só água em permanente movimento e transformação. A água é entidade viva, e merece ser respeitada.
Por fim, constatamos que a entrega de nossas riquezas e bens comuns conduz a destruição da soberania e a autodeterminação dos povos, assim como a perda dos seus territórios e modos de vida.
Mas nós afirmamos: resistimos e venceremos!
Nossa resistência e luta é legítima. Somos os guardiões e guardiãs das águas e defensores da vida. Somos um povo que resiste e nossa luta vencerá todas as estruturas que dominam, oprimem e exploram nossos povos, corpos e territórios. Somos como água, alegres, transparentes e em movimento. Somos povos da água e a água dos povos.
Nestes dias de convívio coletivo, identificamos uma extraordinária diversidade de práticas sociais, com enorme riqueza de culturas, conhecimento e formas de resistência e de luta pela vida. Ninguém se renderá. Os povos das águas, das florestas e do campo resistem e não se renderão ao capital. Assim também tem sido a luta dos povos, dos operários e de todos os trabalhadores e trabalhadoras das cidades que demonstram cada vez maior força. Temos a convicção que só a luta conjunta dos povos poderá derrotar todas as estruturas injustas desta sociedade.
Identificamos que a resistência e a luta têm se realizado em todos os locais e territórios do Brasil e do mundo e estamos convencidos que nossa força deve caminhar e unir-se a grandes lutas nacionais e internacionais. A luta dos povos em defesa das águas é mundial.
Água é vida, é saúde, é alimento, é território, é direito humano, é um bem comum sagrado.
O que propomos
Reafirmamos que as diversas lutas em defesas das águas dizem em alto e bom som que água não é e nem pode ser mercadoria. Não é recurso a ser apropriado, explorado e destruído para bom rendimento dos negócios. Água é um bem comum e deve ser preservada e gerida pelos povos para as necessidades da vida, garantindo sua reprodução e perpetuação. Por isso, nosso projeto para as águas tem na democracia um pilar fundamental. É só por meio de processos verdadeiramente democráticos, que superem a manipulação da mídia e do dinheiro, que os povos podem construir o poder popular, o controle social e o cuidado sobre as águas, afirmando seus saberes, tradições e culturas em oposição ao projeto autoritário, egoísta e destrutivo do capital.
Somos radicalmente contrários às diversas estratégias presentes e futuras de apropriação privada sobre a água, e defendemos o caráter público, comunitário e popular dos sistemas urbanos de gestão e cuidado da água e do saneamento. Por isso saudamos e estimulamos os processos de reestatização de companhias de água e esgoto e outras formas de gestão. Seguiremos denunciando as tentativas de privatização e abertura de Capital, a exemplo do que ocorre no Brasil, onde 18 estados manifestaram interesse na privatização de suas companhias.
Defendemos o trabalho decente, assentado em relações de trabalho democráticas, protegidas e livre de toda forma de precarização. Também é fundamental a garantia do acesso democrático e sustentável à água junto à implementação da reforma agrária e defesa dos territórios, com garantia de produção de alimentos em bases agroecológicas, respeitando as práticas tradicionais e buscando atender a soberania alimentar dos trabalhadores e trabalhadoras urbanos e do campo, florestas e águas.
Estamos comprometidos com a superação do patriarcado e da divisão sexual do trabalho, pelo reconhecimento de que o trabalho doméstico e de cuidados está na base da sustentabilidade da vida. O combate ao racismo também nos une na luta pelo reconhecimento, titulação e demarcação dos territórios dos povos originários e comunidades tradicionais e na reparação ao povo negro e indígena que vive marginalizado nas periferias dos centros urbanos.
Nosso projeto é orientado pela justiça e pela solidariedade, não pelo lucro. Nele ninguém passará sede ou fome, e todos e todas terão acesso à água de qualidade, regular e suficiente bem como aos serviços públicos de saneamento.
Nosso plano de ações e lutas
A profundidade de nossas debates e elaborações coletivas, o sucesso da nossa mobilização, a diversidade do nosso povo e a amplitude dos desafios que precisam ser combatidos nos impulsionam a continuar o enfrentamento ao sistema capitalista, patriarcal, racista e colonial, tendo como referência a construção da aliança e da unidade entre toda a diversidade presente no FAMA 2018.
Trabalharemos, através de nossas formas de luta e organização para ampliar a força dos povos no combate à apropriação e destruição das águas. A intensificação e qualificação do trabalho de base junto ao povo, a ação e a formação política para construir uma concepção crítica da realidade serão nossos instrumentos. O povo deve assumir o comando da luta. Apostamos no protagonismo e na criação heroica dos povos.
Vamos praticar nosso apoio e solidariedade internacional a todos os processos de lutas dos povos em defesa da água denunciam a arquitetura da impunidade, que, por meio dos regimes de livre-comércio e investimentos, concede privilégios às corporações transnacionais e facilitam seus crimes corporativos.
Multiplicaremos as experiências compartilhadas no Tribunal Popular das Mulheres, para a promoção da justiça popular, visibilizando as denúncias dos crimes contra a nossa soberania, os corpos, os bens comuns e a vida das mulheres do campo, das florestas, águas e cidades.
A água é dom que a humanidade recebeu gratuitamente, é direito de todas as criaturas e bem comum. Por isso, nos comprometemos a unir mística e política, fé e profecia em suas práticas religiosas, lutando contra os projetos de privatização, mercantilização e contaminação das águas que ferem a sua dimensão sagrada.
O Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) apoia, se solidariza e estimulará todos os processos de articulação e de lutas dos povos no Brasil e no mundo, tais como a construção do “Congresso do Povo”, do “Acampamento Terra Livre”, da “Assembleia Internacional dos Movimentos e Organizações dos Povos”, da “Jornada Continental pela Democracia e Contra o Neoliberalismo”; da campanha internacional para desmantelar o poder corporativo e pelo “tratado vinculante” como ferramenta para exigir justiça, verdade e reparação frente aos crimes das transnacionais.
Convocamos todos os povos a lutar juntos para defender a água. A água não é mercadoria. A água é do povo e pelos povos deve ser controlada.
É tempo de esperança e de luta. Só a luta nos fará vencer. Triunfaremos!
Assinam a declaração:
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
Articulação Semiárido Brasileiro
Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento
Cáritas Brasil
Central de Movimentos Populares
Conselho Nacional das Populações Extrativistas
Confederação Nacional dos Urbanitários
Confederação Nacional das Associações de Moradores
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
Comissão Pastoral da Terra
Confederação Sindical de Trabalhadores/as das Américas
Central Única dos Trabalhadores
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal
Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros
Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental
Federação Nacional dos Urbanitários
Federação Única dos Petroleiros
Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social
Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental
Internacional de Serviços Públicos
Marcha Mundial das Mulheres
Movimento dos Atingidos por Barragens
Movimento dos Pequenos Agricultores
Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
ONG Proscience
Rede Mulher e Mídia
Serviço Interfranciscano de Justiça Paz e Ecologia
Sociedade Internacional de Epidemiologia Ambiental

Iniciativa Verde: Programa em Extrema-MG identifica os usos da água e suas possíveis correções


Por Reinaldo Canto de Brasilia especial para a Envolverde – 
A Iniciativa Verde, organização especializada em recomposição florestal e na melhoria dos serviços ambientais como biodiversidade, água e qualidade do ar, aproveita o espaço proporcionado pelo Fórum Mundial da Água para apresentar um projeto inovador de avaliação da gestão da água e o risco hídrico em municípios brasileiros.
O projeto implantado no município de Extrema (MG) é uma parceria entre a Iniciativa Verde, a startup H2O Company, empresa de consultoria especializada em promover gestão para sustentabilidade e a Secretaria de Meio Ambiente da cidade.
“Para melhorar a eficiência hídrica a H2O desenvolveu uma metodologia capaz de entender como os principais setores do município fazem uso da água. Foi disponibilizado gratuitamente para todas as indústrias alocadas na região um sistema de Gestão online chamado de ARCA. O objetivo é que essas empresas possam avaliar a sua gestão de água e avaliar seu risco hídrico”, esclarece Claudio Bicudo, CEO da H2O Company.
Em Extrema foram analisados quatro setores: o industrial, para o uso, eficiência e tratamento de efluentes industriais; o municipal em escolas e hospitais; o agrícola por meio da irrigação; e o saneamento para uma melhor distribuição de água e tratamento de esgoto.
“O objetivo em aderir a ferramenta da Pegada Hídrica para a gestão sustentável da água é criar um ciclo altamente sustentável com a atuação das empresas e da indústria”, ressalta o Secretário do Meio Ambiente de Extrema, Paulo Henrique Pereira. Segundo ele, esse novo projeto reforça ainda mais a posição do município de Extrema como uma referência em sustentabilidade.  “Essa nova solução complementa o projeto “Conservador das Águas”, viabilizado com recurso do PSA (Pagamento por Serviços Ambientais) o que garantiu que os produtores rurais pudessem manter preservadas as margens de rios, nascentes e topos de morro”, comenta.
Para Lucas Pereira, diretor da Iniciativa Verde, que esteve presente ao Fórum, “o projeto tem como objetivo criar uma gestão sustentável e integrada da água. Verificar gargalos e oportunidades de políticas públicas efetivas, como por exemplo, a inclusão da pegada hídrica no licenciamento ambiental.” E, conclui sobre o engajamento da iniciativa privada, “envolver as empresas é fundamental para a sustentabilidade do projeto e do uso da água nos municípios”, .
Os seus benefícios são vistos como bastante sistêmicos, pois além de contribuir para a melhoria dos serviços ambientais como biodiversidade, água e qualidade do ar, também busca uma mudança na cultura e na consciência das instituições e das indústrias, pois como estão relatadas é possível perceber onde estão errando e com a estruturação de um plano de ação pode-se trabalhar juntos para conservar os ecossistemas naturais e o bem-estar das comunidades rurais. (#Envolverde)

20 março 2018

Uma nascente para chamar de sua!


Por Reinaldo Canto de Brasília especial para a Envolverde
Tetra Pak contribui para preservar nascentes e tratar a água em propriedades rurais
As empresas começam a apresentar suas armas, ou melhor, suas realizações e projetos para conservação e recuperação da água.
 A multinacional Tetra Pak sempre foi conhecida por seus projetos de tratamento de resíduos, mas aqui em Brasília o destaque é outro. “Água sempre foi importante para nós”, afirma Valéria Michel há 3 anos diretora de Meio Ambiente e há 20 anos na empresa, sendo um total de 15 trabalhando na área da sustentabilidade.
Valéria informou que o projeto Nascentes da Tetra Pak com atuação na cidade de Vargem, em São Paulo (divisa com Minas Gerais e região de abastecimento do Sistema Cantareira) já se encaminha para o seu sexto ano.
Ali a empresa vem trabalhando com a implantação de bacias de captação de água (287), plantação de mudas de espécies nativas (16 mil) e biodigestores (31) para tratamento de esgoto em 43 propriedades rurais.
Segundo a diretora da Tetra Pak os resultados desses projetos já resultaram numa economia de 200 metros cúbicos de água por ano, segundo pesquisa encomendada ao IAC – Instituto Agronômico de Campinas. “Para se ter uma ideia do que isso representa, as duas fábricas da Tetra Pak consomem na produção 150 m³ de água por ano”, compara Valéria Michel e ressalta, “iremos continuar ampliando essas ações ampliadas nos próximos anos”.
Um bom exemplo que merece ser replicado!
(#Envolverde)

Fórum Mundial da Água: Afinal, quem é dono da água?


Por Reinaldo Canto direto de Brasília especial para a Envolverde –
Mesmo antes da abertura oficial o Fórum Mundial já foi palco de inevitáveis embates sobre o uso da água
A pergunta não está sendo formulada dessa maneira, mas é óbvio que diante da escassez essa será uma questão fundamental durante toda a semana da realização do Fórum Mundial da Água que está sendo realizado pela primeira vez, não só no Brasil, como em todo o Hemisfério Sul.
Nos próximos dias são esperados ao menos sete mil representantes de 150 países para as discussões de alto nível e cerca de 40 mil visitantes para acompanhar debates, feiras e exposições.
No sábado, 17 foi aberta a Vila Cidadã localizada no entorno do Estádio Mané Garrincha.
Nesse local serão realizadas diversas atividades de empresas com seus stands de divulgação, espaços para palestras e seminários que irão avaliar inúmeros aspectos sobre a situação da água no mundo, mas é claro com enorme destaque para a situação do insumo em nosso país.
Com entrada gratuita centenas de pessoas formaram grandes filas para visitar a Vila Cidadã. Muita gente que ali compareceu ressaltou a importância da água para a vida de todos. Como muitos desses visitantes são do próprio Distrito Federal, não é de se surpreender com esse nível de consciência, pois Brasília, assim como São Paulo, entre outros estados enfrentou recentemente sérios problemas de abastecimento.
Voltando a questão da água como direito humano, um primeiro encontro na Arena, localizada no interior da Vila Cidadã, reuniu ambientalistas, entre eles, o coordenador do debate, André Lima, ex-secretário de meio ambiente do Distrito Federal e Marussia Whately, coordenadora da Aliança pela Água. Ali o tom foi de dar um sonoro não ao entendimento de que a água é uma mercadoria. Os debatedores foram uníssonos em afirmar que a água é sujeito de direito e as desigualdades já tão gritantes na sociedade brasileira ainda se refletem no acesso a água potável e de qualidade.
Diante desses primeiros sinais, o Fórum Mundial da Água, evento bancado pelo setor privado, terá o grande desafio de compatibilizar esses direitos das pessoas e a necessidade da água para a produção das empresas. Afinal, todos precisam dela para sobreviver e o futuro de escassez cada vez mais severa apresenta um cenário de conflito permanente.   (#Envolverde)

09 março 2018

O mundo encantado dos youtubers

Nessa terra mágica, desperdiçar grandes quantidades de materiais e alimentos é algo normal e sem propósito

Por Reinaldo Canto*

YouTube/Reprodução
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No 'desafio da Nutella', youtuber mergulha em banheira com 250 quilos do produto

Era uma vez um mundo de risadas sem fim, piadas e brincadeiras sem nexo, besteirol na máxima potência e muito, muito desperdício. Para fazer parte desse mundo fantástico basta acessar a tela do smartphone, tablet, computador ou outro dispositivo com acesso à internet
Esse espaço está disponível para todas as idades, mas é principalmente destinado aos mais jovens - crianças e adolescentes ou adultos com idade mental semelhante - que ficam petrificados diante desses vídeos e, em alguns casos, abobalhados.
Como em quase tudo, quando generalizamos, obviamente, injustiças são cometidas. O vasto universo da comunicação digital possui de tudo, mas entre os maiores sucessos no YouTube há verdadeiros atentados ao bom senso, à sanidade mental e tão grave quanto, incorre na apologia ao desperdício de materiais e alimentos.
São banheiras e piscinas preenchidas com, por exemplo, 200 quilos de Toddy; 80 quilos de Nutella; centenas de pacotes de batatas chips; açaí, chantilly, marshmallow, refrigerantes e slime (um tipo de massinha encontrada em lojas infantis), Listerine, etc, etc, etc.
Essas “experiências” feitas por youtubers, como eles mesmos se referem, de relatar as sensações de entrar nessas banheiras e piscinas, recebem milhões de curtidas e, consequentemente, quantias significativas em suas contas bancárias.
O processo, no meu entender, é nefasto, pois quanto mais essa prática receber curtidas, e consequentemente audiência, mais as tais “experiências” vão se repetir.
Quero deixar claro que nada tenho contra jovens que se divertem e fazem experiências, mas os casos citados são só e tão somente jogar essas coisas fora. Esses vídeos não resultam em algum ensinamento? Se existe algum, eu não vi!
Eles normalmente alertam para não repetir o experimento em casa, o que não é garantia nenhuma que a bobagem não será replicada. Ao entrar nessa piscina ou banheira cheia de alguma coisa, os youtubers apenas soltam exclamações, gritos guturais diversos e alguns palavrões relacionados à sensação de ter o corpo inteiro imerso nesse produto. Portanto, nada que a obviedade ululante já não seria capaz de imaginar.
Vale lembrar que quase um bilhão de pessoas ao redor do planeta passam fome todos os dias. E o grande problema não é a falta de alimentos, mas a má distribuição e o desperdício. Segundo o relatório do Fundo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, a FAO, em sua sigla em inglês, divulgado em outubro do ano passado, de 30% a 50% de todo o alimento produzido vão parar em lixões ou aterros sanitários, são incinerados ou servem de ração para animais.
Tenho consciência que não são 200 quilos de um achocolatado que farão diferença num mundo repleto de desperdícios e destruições cotidianas e mais graves, mas é de assustar os malefícios potenciais que esses jovens influenciadores estão a causar nas cabeças de nossas crianças e adolescentes.
Enquanto as escolas têm buscado fazer um ótimo trabalho de conscientização quanto à reciclagem, reuso de materiais e aproveitamento de alimentos, entre outros, esses comunicadores fazem o contrário. Na busca desenfreada por cliques e aumento no faturamento, apelações não têm limite. E, mesmo que façam crer alguns desses youtubers, esse mundo de recursos ilimitados não existe.
Orientar nossos filhos para evitar ou criticar esses vídeos é uma boa maneira de começar a mudar essa realidade.
Aproveito para convidar os leitores a acessar o site do livro de minha autoria que trata exatamente de consumo e desperdício, Um Dia no Dia da Ana Luiza e da animação Rebelião das Águas.

* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital