Entre trancos e barrancos, avanços e retrocessos, o nosso Código Florestal continua a viver momentos conturbados
Por Reinaldo Canto
As várias batalhas que há mais de cinco anos tomaram conta do Congresso Nacional durante as discussões sobre a nova versão do
Código Florestal brasileiro (
Lei 12.651/2012) - o anterior era de 1965 - deram lugar a enfrentamentos mais localizados e menos histriônicos. Mas continua o barulho a manter em trincheiras opostas
ruralistas e ambientalistas.
Ao invés da gritaria parlamentar, muitos dos enfrentamentos tem se dado em tribunais e até mesmo na imprensa e redes sociais. Em relação ao que se passa na Justiça, alguns dos problemas mais persistentes encontram-se na esfera federal.
Quatro ADINs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) estão sob análise do Supremo Tribunal Federal (STF). Elas alegam que artigos da lei ferem a proteção ao meio ambiente prevista na Constituição Brasileira. Recebidas no início de 2013, as ações aguardam julgamento final. O impasse causa preocupação em todos os setores, pois compromete a efetiva aplicação do Código nas propriedades rurais.
Situação parecida ocorre no Estado de São Paulo. Uma ADIN questiona a lei estadual para a implantação do Programa de Regularização Ambiental (PRA). A ação proposta pelo Ministério Público considera a lei paulista mais permissiva do que o previsto na lei federal. A Justiça de São Paulo acatou a medida e suspendeu o Programa.
Tanto quanto no âmbito federal, o fato da Justiça estadual não tomar uma decisão desagrada a todos, pois antes de tudo, causa insegurança jurídica e, portanto, uma paralisia generalizada.
Fortes críticas entre importantes avanços
Uma das primeiras medidas previstas no Código é o registro dos imóveis rurais no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e nesses cinco anos não é possível negar que muita coisa aconteceu.
Até o final de abril deste ano, 4,1 milhões de propriedades, num total de 408 milhões de hectares, foram registradas no CAR. Segundo o Serviço Florestal, o País possui um total de mais de 460 milhões de hectares, ou seja, uma quantidade significativa desse universo já está devidamente mapeada.
“O maior avanço do Código foi a criação desse Cadastro Ambiental de imóveis rurais que possibilita o planejamento ambiental em escala individual e de paisagem. Também permite uma maior transparência sobre o uso da terra no Brasil. O conceito dos Planos de Regularização Ambiental (PRAs) serem elaborados para cada estado, seguindo as suas especificidades socioeconômicas e ambientais também seria uma potencial fortaleza da nova lei”, afirma Luis Fernando Guedes Pinto, Gerente de Certificação Agrícola do Imaflora.
O Sudeste e o Norte possuem registro de 100% das propriedades e a região mais atrasada é o Nordeste com 76% registradas em teoria. Por que teoria? Pois nessa primeira fase do CAR, o processo é autodeclaratório, ou seja, foram os proprietários que forneceram as informações ainda passíveis de fundamentais fiscalizações futuras e, sabe-se bem, várias inconsistências deverão surgir nesse processo. Será por meio do CAR que todas as propriedades rurais do país terão contabilizados os seus passivos ambientais e as respectivas áreas que devem ser protegidas e mesmo recuperadas.
Outro ponto do CAR considerado incompleto pelos ambientalistas é o que leva em conta apenas os imóveis particulares e individuais desconsiderando outros arranjos territoriais. “Isso faz com que povos e comunidades tradicionais estejam alijados desse processo, pois não se enxergam nas definições previstas na lei”, afirma Ivy Wiens, Assessora Técnica do Instituto Socioambeintal (ISA).
Ela prossegue na análise, “Há uma série de instrumentos legais que tratam desses territórios, e que não são considerados pelo cadastro, por exemplo, o fato dos territórios serem coletivos e o manejo tradicional feito nesses locais. A falta de assistência para a realização dos cadastros torna a adesão dessas populações baixa. Também existem equívocos nos cadastros, pois vários foram feitos na lógica da propriedade individual”.
Merece também uma atenção especial o Programa de Regularização Ambiental (PRA), que mencionamos antes ao citar a questão da ADIN paulista. Considerado o passo seguinte ao registro no CAR, o programa, a cargo dos governos estaduais, é o que estabelecerá a efetiva adequação das propriedades ao Código Florestal. Entre os pontos mais significativos, o PRA em cada estado irá determinar, entre outros, como e onde recuperar áreas degradadas, definir a proteção dos biomas e dar sustentação legal as áreas agrícolas consolidadas. Nesse caso, as críticas se tornam mais severas e revelam gargalos importantes do Código Florestal.
Segundo especialistas, nada adianta termos avançado tanto no CAR se ele não for devidamente validado nos estados. “A Lei anda não saiu do papel, pois o governo federal e os estaduais ainda não definiram os principais instrumentos para a sua real implementação no campo. O CAR não foi validado, muitos PRAS não foram definidos.
Alguns PRAs ao invés de avançarem, retrocederam nos estados. Os incentivos econômicos ainda não foram definidos e não mudamos o paradigma de somente termos comando e controle para o funcionamento de uma lei ambiental. Enfim, apesar dos avanços potenciais, em cinco anos estamos longe do Código Florestal cumprir a sua finalidade de ordenar a conservação da vegetação nativa em imóveis rurais”, critica Luis Fernando, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).
Ataques recentes comprometem o futuro
O movimento em câmera lenta na implantação do Código favorece muito os que têm pouco interesse em compatibilizar de maneira equilibrada o meio ambiente e a produção agropecuária.
Ainda mais nesses últimos tempos em que a legislação ambiental brasileira tem sido desfigurada por um ataque inédito e brutal, conforme tivemos a oportunidade de
abordar recentemente.
Tanto que, conforme divulgado pelo Atlas da Mata Atlântica 2017, estudo que monitora o bioma há 31 anos foi detectado o maior desmatamento da Mata Atlântica em 10 anos, revertendo tendência de queda desses índices registrados nos últimos anos.
O estudo registrou o desmatamento de 29.075 hectares (ha), ou 290 Km2, nos 17 Estados do bioma que é o que mais sofreu destruição na história do Brasil. Esse número representa um aumento de 57,7% em relação ao período anterior (2014-2015), que foi de 18.433 ha.
Tudo bem que o cenário político atual favorece a ação do que de mais atrasado existe no país, mas a ausência de uma lei florestal brasileira efetiva também contribui decisivamente para esse quadro de vale-tudo. “Nesses seus cinco anos esta lei florestal ainda está incompleta na prática. Apesar de alguns avanços, faltam diversos pontos para que ela funcione.
Faltam regulamentos e principalmente decisões para sua implementação, para as oportunidades que ela apresenta possam se concretizar” define Roberto Resende, presidente da Iniciativa Verde, organização especializada em recomposição florestal.
Avançar na regulamentação, destravar as ações e entender que a efetivação do Código Florestal é fundamental para o futuro do Brasil deveria ser uma das principais prioridades estratégicas de todos os
setores envolvidos nesse processo.