Já se passaram sete anos desde que, na mesa de um restaurante com amigos queridos, fiz uma comunicação que estarreceu a todos: vou ficar sem carro. Havia acabado de me separar e o reluzente Audi A3 ficou com a minha ex na divisão da partilha.
Os amigos se entreolharam e devem ter pensado: coitado, deve estar sem dinheiro; ou infeliz, desiludido da vida, separado aos 40 anos, a vida não deve fazer mais sentido.
Naqueles breves momentos, antes de se mudar de assunto para outros temas menos “chocantes”, percebi, nitidamente, que as pessoas me olhavam com ar de pena e que por pouco não recebi os pêsames, transmitido por vozes embargadas. Apenas argumentei que por morar próximo da Avenida Paulista, trabalhando no Greenpeace que, na época, localizava-se em Pinheiros, a vinte minutos de minha casa, não via necessidade de ter um trambolho de uma tonelada para me servir como meio de transporte. Concluí que ônibus, metrô e eventualmente táxis eram soluções mais econômicas e menos estressantes.
De lá pra cá não mudei de ideia e os meus compromissos profissionais não me obrigaram a ter e manter um transporte individual. E, nesse tempo todo, a situação do transporte em São Paulo também piorou muito, só corroborando minhas convicções.
Também quero deixar bem claro que não é por trabalhar com comunicação ambiental que abandonei o transporte individual. Seria uma atitude muito idealista e altruísta da minha parte se dissesse isso, mas também mentirosa. Na verdade, eu sou daqueles ETs que não gostam de carro. Sinto-me preso e estúpido dentro de uma máquina parada num congestionamento, sem poder simplesmente descer e sair andando no meio de motoristas irados. Já o transporte coletivo me permite tais atitudes de reação ao “saco cheio” do trânsito. Nessas horas, caminhar pode ser a solução.
Há uns dois meses, tive a grata satisfação de ler um artigo do Matthew Shirts, colunista do Estadão, em que ele falava exatamente disso. Da sensação de liberdade que passou a sentir ao abandonar o carro e sair caminhando pelas ruas da Vila Madalena. Ao encontrá-lo, trocamos rápidas impressões sobre o assunto que tem deixado de ser tabu. Afinal, até onde eu sei, o ser humano não nasce com quatro rodas!
Creio que, atualmente, tal atitude seja menos classificada como outsider, já que as condições de tráfego nos grandes centros pioraram exponencialmente. Numa cidade como São Paulo então, não resta dúvida quanto às dificuldades enfrentadas pelos motoristas.
No começo de abril, o caderno especial Origem/Destino, publicado pelo jornal O Estado de São Paulo, concluiu o que todos nós já sabemos por experiência cotidiana: o tempo usado nos deslocamentos vem aumentando constantemente. Hoje, esse tempo é de 70 minutos diários por pessoa. Em uma década, aumentou 10 minutos por pessoa. Se a isso somarmos o fato de que uma pesquisa sobre dificuldades de deslocamentos indicou que, entre 164 cidades do mundo, São Paulo ocupa o lugar 156, portanto, entre as mais complicadas de se andar, abrir mão do transporte individual deveria estar muito longe de ser considerada uma ação insensata.
Vale dizer que São Paulo ainda está à frente de duas importantes capitais nacionais (Florianópolis e Rio de Janeiro), consideradas pelo estudo mais caóticas e nas últimas posições da pesquisa.
E qual a tendência para o futuro? PIORAR MUITO!!
Quais as ações de políticas públicas no sentido de solucionar ou ao menos minorar essa situação? NENHUMA!!
Você imaginaria qual resposta seria dada por um alto executivo da indústria automobilística sobre o futuro do seu negócio? Alguém apostaria numa resposta diferente de “vender cada vez mais veículos”?
Quando a crise econômica se aprofundou, uma das mais rápidas decisões do governo brasileiro para enfrentá-la foi exatamente a redução do IPI dos veículos. Entenda-se tal medida como a da velha economia: produção e consumo aquecidos, manutenção dos níveis de emprego e nenhuma preocupação com os efeitos a longo prazo.
Além de entupir as ruas de nossas cidades e ampliar os níveis de poluição do ar, a cadeia de produção da indústria automobilística é intensiva em uso de energia, água e matérias-primas extraídas sem pudor nem dó da natureza. Isso significa que, do ponto de vista do planeta, essa atividade é totalmente insustentável e, portanto, sem futuro, seja pelo bem ou pelo mal.
Há muito tempo o carro deixou de ser um bem para se tornar uma commoditie. Em algumas classes sociais, já é comum trocar de carro como se troca de celular.
O Presidente Lula, em nome da velha economia, exulta o fato de integrantes das classes C e D, hoje, terem maior acesso a veículos. Isso é verdade, mas a que custo?
Não está na hora de mudarmos essa maneira de enxergar o progresso pessoal vinculado diretamente ao uso e trocas constantes de bens materiais?
Será que possuir um carro realmente significa status? Assim como determinados anúncios “vendem” a felicidade e o paraíso em forma de produtos de consumo?
Ressalto, ao final desse meu texto, que não farei uma afirmação como: “dessa água jamais beberei novamente”! Vou relutar o quanto puder, mas, se preciso for, irei comprar um carro. Portanto, sei também que muita gente precisa do carro até porque o nosso transporte coletivo não atende satisfatoriamente às necessidades das pessoas. O que peço, aos que por ventura me lerem, é que façam uma reflexão sobre o uso do transporte individual:
Você realmente precisa dele? Ok, precisa mesmo!
Você não poderia às vezes optar pelo transporte coletivo? Ou mesmo caminhar a pé? Ok, nem sempre é possível!
Tudo bem, mas pelo menos abandone a ideia de que um carro é um privilégio e um status. Basta você olhar para o interior dos outros milhares de veículos a sua frente, ao seu lado e atrás de você, nos imensos congestionamentos que você enfrenta diariamente. Será que ali, naqueles veículos, estão pessoas orgulhosas de seus status de motoristas imobilizados? Acho difícil.
A reflexão sobre essas questões talvez seja o primeiro passo que vá contribuir para uma verdadeira mudança de comportamento. Quem sabe um dia desses a gente não bata um papo numa caminhada pelas ruas de São Paulo? Você vai se surpreender com quanta coisa nova a cidade vai lhe mostrar. Isso sim é que é privilégio!!
19 junho 2009
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Um comentário:
Rei,
Achar que uma pessoa está deprimida pq não quer ter um carro seria cômico se não fosse trágico.
As pessoas incorporaram ao seu senso de valor como pessoa o fato de possuir trambolhos de uma tonelada.
beijos
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